Um desastre que completa três anos este mês pode estar perdido na memória de muitos juiz-foranos, mas para as famílias que moram nas ruas Arthur Machado Filho e São José a lembrança do ocorrido faz parte da rotina. Não apenas pela brutalidade do fato, mas pelo medo de que a tragédia possa se repetir a qualquer momento.
Na região, que fica entre os bairros São Benedito e Santa Cândida, há uma encosta classificada como de alto risco pela Defesa Civil. O barranco coloca em perigo 28 residências que estão interditadas desde o dia 14 de fevereiro de 2020. Na época, as famílias foram removidas por conta do deslizamento de um talude que destruiu uma casa e danificou outras três parcialmente. Alguns moradores conseguiram escapar, mas um senhor de 53 anos, não. Ele foi soterrado pelos escombros.
Convivendo com a lembrança do ocorrido diariamente, a faxineira Lina dos Santos Lopes afirma estar “desesperada” com a falta de intervenção. Ela mora na Rua São José em uma casa vizinha a outras duas que estão desocupadas. Só na rua, 17 imóveis estão interditados, inclusive o dela. Lina mora com o esposo, a filha e a neta de apenas 1 ano e 3 meses. Em 2020, depois do deslizamento, eles chegaram a se mudar e morar de aluguel, mas logo depois veio a pandemia. Lina, que trabalha com faxina, não teve renda para ajudar nas despesas, seu marido ficou desempregado e apenas um dos filhos permaneceu com emprego fixo. “A gente voltou, porque não tinha condição de pagar aluguel. A gente recebia só R$ 600 de auxílio, o resto tínhamos que inteirar.”
Lina chegou a receber um aviso da proprietária de um imóvel da rua de cima, a Rua Arthur Machado Filho. A vizinha a parou no ônibus e mostrou fotos da própria casa, que estaria afundando. “Ela disse que a casa está a ponto de cair e, se acontecer, cai direto na minha. As fotos mostram o chão da cozinha todo afundado. Ela ficou preocupada porque a gente tem criança em casa.” Quando chove, todos da família se reúnem na sala, o cômodo mais afastado do talude. Segundo Lina, essa foi a recomendação da Defesa Civil. “Vieram aqui, fizeram uma vistoria e falaram para a gente desocupar o quarto dos fundos em dia de chuva. Que é justamente o quarto da minha neta de 1 ano.”
Carolina dos Santos, filha de Lina, é técnica de enfermagem e relembra o susto que levou, quando, em 2020, ligaram para ela no estágio informando sobre a tragédia. “Eu cheguei aqui achando que era a minha casa que tinha caído. Graças a Deus não foi. Mas até hoje eu lembro do susto, minhas pernas ficaram bambas. Hoje em dia eu continuo com medo de me ligarem dando essa notícia. Só penso na minha mãe e na minha filha que correm esse perigo todo dia.”
Obra de contenção deve custar R$ 4,4 milhões
Na última terça-feira (7) foi aberta a licitação para contratação da empresa que seria responsável pelas obras de contenção na Rua São José. No entanto, conforme informações da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), a licitação deu deserta, sem nenhum interessado em assumir as intervenções. O lance aconteceu na modalidade menor preço: a empresa que oferecesse valor mais vantajoso seria escolhida. Com o resultado, a PJF afirmou que vai remarcar uma nova data, ainda sem definição.
O preço estimado para a obra é de R$ 4.408.710,80. A verba será proveniente do Programa de Financiamento à Infraestrutura e ao Saneamento (Finisa) da Caixa Econômica Federal. O prazo é que, após dada a ordem de serviço, a obra fique pronta em até oito meses. Como justificativa, a PJF relembra a tragédia ocorrida em 2020. O texto do edital afirma que a Defesa Civil não descarta a possibilidade de novos escorregamentos no local, em função da ausência de estabilização do talude. “Para que seja retomada a condição de segurança desse local, será necessária a construção de obra de contenção”, finaliza o documento.
Segundo o cronograma do projeto básico de engenharia, será necessária a demolição de parte do pavimento e do passeio, assim como a remoção dos escombros. O projeto também prevê o retaludamento da encosta e a construção de um muro de arrimo. Por fim, serão feitas obras de drenagem, esgoto e pavimentação.
Famílias sem resposta
Além da família de Lina, diversas mais estão sem resposta quanto à interdição das casas. Elas foram retiradas às pressas em fevereiro de 2020 e depois disso nunca mais puderam retornar. Esta é a situação da moradora Liceia da Silva, que morava em um imóvel na Rua Arthur Machado Filho. Na construção de três andares, além da família dela, outras duas viviam lá. Essa é a realidade da maioria dos imóveis interditados. Na casa da prima de Liceia, duas famílias dividiam o teto, uma no primeiro andar e outra no segundo. “Eu não consigo nem ter noção de quantas pessoas moravam nessa rua antes da Defesa Civil interditar tudo. Eram famílias inteiras, pais que os filhos faziam um “puxadinho” em cima para morar com sua família, casas com tios, avós. Era bastante gente.”
A casa de Liceia está interditada. Ela está morando de aluguel em um outro imóvel bem na frente, na mesma rua, com o esposo Fernando da Silva. Eles contam que buscaram um apartamento próximo à casa para poder ficar de olho, caso contrário a construção poderia ser saqueada. Uma das janelas da antiga casa já está quebrada. “Lá na rua debaixo, os moradores foram embora e tiraram até a fiação da casa. Levaram tudo, janela de alumínio, maçaneta”, conta.
A moradora também recebe o auxílio moradia da Prefeitura, no valor de R$ 600. O dinheiro, segundo ela, não passa de uma ajuda de custo. O sonho é voltar para a antiga casa, construída pelo pai. Foi nela que passou boa parte da infância e da juventude. “É uma casa muito boa, grande e tem espaço para os cachorros. Agora fica todo mundo apertado dentro de um apartamento, esperando uma resposta da Prefeitura que nunca vem.”
Em resposta ao questionamento dos moradores, a PJF afirmou que a área é mapeada pela Defesa Civil, que realiza monitoramento constante para verificar a evolução do risco. Em nota, o Poder Público afirmou que, “de forma preventiva, 11 casas estão interditadas na Rua São José e 17 na Rua Artur Machado Filho. Todas as famílias receberam atendimento social. Aquelas com atendem aos critérios estabelecidos pela lei municipal 14.214/2021 e solicitaram o benefício estão recebendo o auxílio moradia.”