O agressor da mulher transexual, de 33 anos, está impedido de se aproximar da vítima após medida cautelar ser concedida pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM). O pedido de liminar foi apresentado pelos advogados da transexual, nesta terça-feira (11), com base no Código do Processo Penal. De acordo com a delegada Ângela Fellet, titular da Especializada, a cautelar não é um caso de medida protetiva com base na Lei Maria da Penha, porque não se trata de um caso de violência doméstica e familiar, mas é um pedido de medida cautelar, que prevê a possibilidade de que o acusado de agressão contra a trans não se aproximar dela, uma vez que ele tem um apartamento no mesmo prédio da vítima.
“Portanto, eles possuem dependências em comum, o que pode levá-los a se encontrar, e a vítima foi ameaçada. Então está sendo feito um pedido, que será distribuído para uma das quatro varas criminais, e se os juízes entenderem que é um caso de Lei Maria da Penha por uma possível analogia a uma coabitação pelo fato de vítima e autor possuírem apartamentos no mesmo prédio, pode ser determinado que a medida vá para a Vara de Violência Doméstica e Familiar. Então, temos que aguardar o posicionamento dos juízes sobre para qual das varas criminais será distribuído o pedido de cautelar”, explicou a delegada.
A vítima foi atacada com socos, chutes e puxões de cabelo por um homem, 40, após um desentendimento no interior de um edifício na região central, por volta das 20h, da última quarta-feira (6). Ela conseguiu gravar a violência pelo telefone celular por meio de um aplicativo, que grava as imagens mesmo com a tela apagada.
Conforme Ângela Fellet, a transexual foi atendida na Delegacia de Mulheres apesar de, a princípio, não ser um caso de violência doméstica e familiar, porque foi a unidade procurada pela vítima, além de ser uma medida que serviu para evitar que a trans passasse por novos constrangimentos. “O objetivo foi evitar uma revitimização, já que ela poderia ter que procurar outra delegacia e ter de narrar os mesmos fatos para outra pessoa. Então, o procedimento foi realizado aqui na Delegacia de Mulheres, que tem como orientação, conforme decisões jurisprudenciais, o dever de atender as mulheres transexuais, ainda que não tenham a modificação no documento de identidades delas. Desde que haja algum tipo de vulnerabilidade, seja física ou emocional, envolvendo uma mulher trans em relação a um agressor ou agressora, ela vai ser atendida na Delegacia de Mulheres”, ressaltou Ângela.
“Mas se o poder judiciário entender que o caso seja destinado a algumas das varas comuns e não para a vara específica que responde por violência doméstica e familiar assim será feito, mas o nosso atendimento para as transexuais continuará sendo realizado pela Delegacia de Mulheres e em 100% dos casos de violência doméstica e familiar quando uma mulher transexual for vítima.”
Garantia para mulheres trans
Conforme o advogado da vítima, Júlio Mota de Oliveira, a medida cautelar foi requerida na Delegacia de Mulheres em consequência da violência sofrida por sua cliente tratar-se de uma agressão em decorrência do gênero da vítima e em razão da existência de uma relação de vizinhança entre ela e o agressor. “Tendo as agressões físicas e verbais agravadas por ameaças feitas à vítima, como pode ser visto no vídeo.”
Júlio, que é especialista em Relações de Gênero e Sexualidades pela UFJF, ainda pontua que a cautelar é uma garantia para as mulheres trans. “É importante para a comunidade transexual, principalmente para as mulheres trans e travestis, que em sua maioria vivem em situação de extrema vulnerabilidade social e precisam ter amplo conhecimento dos dispositivos estatais aos quais podem recorrer diante de um caso de agressão física ou verbal”.
De acordo com o advogado, “essa decisão é uma evolução na garantia dos direitos humanos na cidade, tendo em vista ser a primeira cautelar concedida pela DEAM a favor de uma mulher transexual. Considerando que mulheres trans são mulheres, todos os direitos garantidos às mulheres cisgêneras devem ser concedidos a elas também. Mulheres trans e travestis devem ter conhecimento de que têm o direito de recorrer à Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher quando se tratar de casos de violência em decorrência de gênero e nos casos previstos na Lei Maria da Penha”, alertou.
Depoimento
Na manhã desta terça (12), a vítima esteve na Delegacia de Mulheres onde foi ouvida sobre a agressão sofrida. O depoimento foi colhido na presença de seus advogados Júlio Mota de Oliveira e Sarah de Melo Salles. Na próxima semana, conforme Júlio, deve ser ouvido o agressor e o homem que estava junto com ele durante a agressão. “Vamos tentar entrar em contato com o amigo da vítima, que estava com ela no momento da agressão, para que possa servir de testemunha dos fatos ocorridos.”
A agressão contra a trans teria acontecido depois que ela, sem autorização e acompanhada de um amigo, entrou no apartamento localizado no sexto andar do edifício. O imóvel estava vazio, disponível para locação, e pertence à avó do agressor. A transexual e o amigo foram flagrados no interior do imóvel, gerando desentendimento entre os envolvidos, que teria resultado nas agressões. A vítima é moradora de um apartamento no sétimo andar do mesmo prédio. A questão da transexual ter entrado no apartamento alheio, segundo seu advogado, se configura como crime de invasão de domicílio. “Ela está ciente disso, tanto que aguardou a chegada da PM antes de ser agredida. Esse crime nós não negamos e implica na pena de detenção de um a três meses. Ela não tirou nada do apartamento”, enfatizou.