Com cerca de 30 mil estabelecimentos em funcionamento atualmente, Juiz de Fora tem apenas 13 agentes da Vigilância Sanitária. Considerado insuficiente pelo Ministério Público (MP), o número de técnicos virou alvo de ação civil pública há cerca de cinco meses, quando a Promotoria de Defesa de Saúde encaminhou o documento com pedido de urgência para a Justiça, com o objetivo de obrigar o Município a aumentar a quantidade de agentes da Vigilância e a atualização do cadastro dos estabelecimentos. Enquanto isso, a situação permanece sem solução a curto prazo, já que, segundo a Secretaria de Saúde, a adequação da fiscalização depende de variados fatores, e a atualização do cadastro não pode ser feita no prazo exigido. Com a indefinição, quem sofre é a população, já que a ação põe em xeque o controle dos serviços alimentícios e similares da cidade.
Proposta em janeiro pela 20ª Promotoria de Justiça da Comarca de Juiz de Fora, a ação considera que a atuação de 13 técnicos é insuficiente para fiscalizar todos os pontos, mas aguarda decisão do juiz da Vara de Fazenda Pública. Inquérito instaurado pela promotoria aponta que, em 2016, 2.135 dos 8.135 estabelecimentos cadastrados foram fiscalizados. Conforme o documento, também foram constatadas a inexistência de um cronograma para fiscalização anual e a necessidade de atualização do cadastro com a totalidade dos estabelecimentos existentes na cidade, visto que a quantidade é praticamente igual à registrada no início das investigações, em 2010.
‘Problemas graves’
Para o promotor de Defesa da Saúde do município, Jorge Tobias, os problemas são graves, considerando, principalmente, que, com a quantidade de agentes atual, não é possível cumprir as metas do órgão. “A fiscalização da Vigilância Sanitária é muito inferior ao que deveria ser, e a população fica exposta a todo tipo de problema. As pessoas tinham que ter a possibilidade de saber que os alimentos estão sendo fiscalizados minimamente e deveriam poder comer sem ter medo de causar um mal grave. Não vejo outra forma de solucionar a questão a não ser aumentando o número de agentes.” Desde a proposição da ação, a Vigilância foi notificada e se manifestou apresentando à Justiça os projetos que vêm sendo desenvolvidos para fortalecer o serviço, mas ainda não recebeu resposta sobre possíveis decisões.
Apesar de ainda não ter recebido um posicionamento, a pasta afirma que atua de forma a garantir a segurança dos juiz-foranos, por meio de estratégias e verificação de denúncias feitas pela própria população. Sobre a atualização do cadastro de estabelecimentos, a expectativa da secretaria é de finalizar, até o fim do ano, um mapeamento dos estabelecimentos da cidade, que vai permitir ao órgão verificar quais deles atuam sem alvará sanitário.
Setor garante ter estratégia para cumprir vigilância
O supervisor de estabelecimentos do Departamento de Vigilância Sanitária, Ivander Mattos Vieira, concorda que o número de agentes atual é inferior ao necessário, mas acredita que a estratégia utilizada torna o trabalho de fiscalização eficaz, já que o órgão lança mão de ferramentas para aprimorar o trabalho. “Hoje temos 13 agentes e estamos em processo de adequação, mas a ação de fiscalização não depende apenas do servidor. Temos em torno de 30 mil estabelecimentos, e trabalhamos com uma estimativa ideal de 70 técnicos para fiscalizá-los. Apesar do quantitativo ser pequeno, conseguimos realizar a fiscalização de maneira adequada por meio da estratégia que utilizamos.”
Ainda conforme o supervisor, sobre a atualização do cadastro solicitada pelo MP, o processo de renovação que já está sendo feito pela Prefeitura vai permitir o mapeamento de todos os empreendimentos do município. “Estamos trabalhando na parametrização de três cadastros do município: o da vigilância, o mobiliário e das atividades urbanas. Nosso objetivo é acessar os dados de todos os cadastrados e verificar aqueles que estão funcionando sem alvará sanitário. Isso faz parte de uma ação maior, que é a reformulação do sistema operacional como um todo. Não será tão rápido como o MP gostaria, mas até o fim do ano teremos um cadastro totalmente atualizado.”
O Código Sanitário também é apontado pelo servidor como uma das ferramentas para aprimorar o serviço da Vigilância. “O código tem uma condição muito significativa, pois adéqua normas para a realidade local, tornando-se o código de saúde do município. Ele confere uma segurança maior, tornando as regras mais claras para a população e fornecendo segurança jurídica para nossa atuação.” O código está em trâmite na Câmara Municipal e foi aprovado em primeira discussão. Porém, até então, foram solicitados oito pedidos de vista em segunda discussão, podendo voltar a debate a partir da segunda quinzena deste mês.
Concurso
Questionada sobre a possibilidade da realização de concurso para agentes da Vigilância Sanitária, a Secretaria de Administração e Recursos Humanos (SARH) da Prefeitura informou que está prevista uma alocação de servidores, por meio de edital interno, que ainda está em fase de elaboração. Em nota, a pasta ainda informou que, de acordo com demandas encaminhadas para a SARH, candidatos aprovados no Edital 04/2016 podem ser lotados na Vigilância Sanitária, mas ainda não há definição.
Sem vistorias de alimentos, cresce o risco de contaminação e doenças
A ação civil proposta pelo Ministério Público cita normas de responsabilidade da Vigilância Sanitária, que “deve garantir a segurança da população no que se refere à garantia do bem-estar à sociedade”, conforme o texto. O documento também faz questionamentos, lembrando até mesmo o risco de óbito para consumidores em decorrência de problemas sanitários em estabelecimentos não vistoriados, deixando claro os riscos para a saúde caso haja ineficácia na fiscalização.
Para a professora do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da UFJF, Isabel Cristina Gonçalves Leite, a falta de fiscalização, de fato, coloca em risco a saúde da população. “A OMS (Organização Mundial da Saúde) adverte que milhões de pessoas adoecem todos os anos por causa de alimentos estragados. A esses casos damos o nome de toxinfecção, que está relacionada a vários fatores. Como doenças mais comuns veiculadas por alimentos temos vômito, diarreia, febre e dores abdominais.”
De acordo com Rodrigo Daniel de Souza, infectologista e chefe do setor de Vigilância em Saúde do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a maioria das infecções causadas pela ingestão de alimentos contaminados é decorrente da proliferação de bactérias e vírus. “As verminoses são muito comuns, e é muito comum adquiri-las com a ingestão de salmão cru, por exemplo, quando o peixe não foi acondicionado da maneira correta antes do consumo. O mesmo pode acontecer com a ingestão de ovo com gema mole, pois pode ocorrer a infecção por salmonela.”
Ainda conforme o médico, a fiscalização deve ser feita não somente com relação aos alimentos, mas envolvendo todo o processo de preparação dos mesmos, já que alimentos considerados inofensivos também podem servir de abrigo para parasitas. “A cisticercose, conhecida popularmente como a doença do verme do porco, também pode ser transmitida por meio da salada. A forma mais grave da doença vem de ovos dos vermes em fezes humanas, vestígios, muitas vezes, encontrados em saladas. Todo o processo de preparo dos alimentos deve passar por fiscalização, pois aqueles cujo manuseio é manual, como saladas, oferecem risco maior de contaminação do que alimentos cozidos. Tem que se verificar como é feito o processo e tomar as medidas adequadas para a correção.”
Em hospitais e estabelecimentos da área de Saúde, a falta de fiscalização também pode afetar diretamente a população. “É frequente a Vigilância Sanitária encontrar inconformidades em unidades hospitalares. Normalmente, deixando de fazer essas avaliações, há dificuldade para conseguir identificar os problemas, sejam eles em produtos armazenados fora da validade até a qualidade da água. Deixar de fiscalizar expõe a população a diversos riscos, que são inumeráveis.”
População tem que fazer sua parte
Segundo a professora Isabel Cristina Gonçalves Leite, especialista em saúde coletiva, os principais problemas estão na comercialização de alimentos vencidos ou estragados e na manipulação dos mesmos sem cuidados com a higiene. No entanto, a população também deve fazer sua parte. “Muitas vezes, há insetos e sujeira nos estabelecimentos, além da falta de acondicionamento adequado e da presença de bolor nos alimentos, por exemplo, mas são detalhes aos quais, muitas vezes, os clientes não se prendem. A Vigilância tem um papel fiscalizador e preventivo, mas a observação detalhada dos produtos também é da competência do consumidor. Ele deve estar atento com sua própria saúde e com os alimentos que ingere.”
Apesar de considerar que a fiscalização por parte da população pode não ser simples, o infectologista Rodrigo Daniel acredita que há duas formas de detectar se os estabelecimentos não estão cumprindo as normas quando se trata de restaurantes e supermercados. “Nos estabelecimentos alimentícios, se houver larvas nas folhas de salada é sinal de que a higienização não foi suficiente para eliminar as bactérias. No caso dos supermercados, é importante observar se os alimentos congelados estão, de fato, congelados, ou se a embalagem está danificada. Se estiver, é sinal de mau acondicionamento.”
Ainda conforme o infectologista, é preciso que o Poder Público também atue em colaboração com a Vigilância. “Outra forma de detectar possíveis problemas é procurar um médico, que deve notificar a Vigilância Epidemiológica em casos de surtos de diarreia em pessoas próximas ou que tenham ingeridos os mesmos alimentos nos mesmos locais. A Vigilância não tem como investigar se não souber o que está ocorrendo, e todos os setores devem se envolver nessa questão. Quando a fiscalização acontece, é efetiva, mas é impossível ter regularidade com esse número de técnicos”, pontua.