O diagnóstico do Sistema Agroalimentar de Juiz de Fora, feito pela Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), mostrou que mais de cem mil juiz-foranos podem estar em insegurança alimentar. Isso significa que quase um sexto da população do município está em quadro de fome, sendo privada de alimentos em quantidade suficiente para trazer saciedade, sofrendo incerteza quanto ao acesso a alimentos em um futuro próximo e/ou com a qualidade da alimentação comprometida. Apesar de o dado seguir o panorama nacional, o cenário é alarmante, deixando diversas pessoas em estado de vulnerabilidade, com problemas de saúde a curto, médio e longo prazos e também fazendo com que instituições voluntárias da cidade também fiquem sobrecarregadas com a demanda.
O estudo, divulgado em novembro deste ano, revelou que na Região Sudeste, onde está localizada Juiz de Fora, cerca de 11,7% da população da região vive em situação de insegurança alimentar grave e 13,2%, moderada. Isso significa que, de acordo com os dados do Cadastro Único dos Programas Sociais (CadÚnico) do Governo federal utilizados no estudo, 50,6 mil pessoas podem estar em situação de insegurança alimentar grave no município, passando por quadro de fome, e perto de 56 mil podem estar convivendo com a insegurança alimentar moderada ou leve, por estarem em situação de pobreza ou com baixa renda.
De acordo com Fabiola Paulino da Silva, secretária de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, este problema tende a atingir de forma mais grave a população em situação de rua, os desempregados, os trabalhadores informais e os produtores rurais. Segundo informações da Secretaria de Assistência Social (SAS), cerca de 58 mil famílias estavam inscritas no CadÚnico em abril deste ano, representando um total de 136,9 mil juiz-foranos, cerca de 23,7% da população estimada pelo IBGE para 2022. Desse total, 19,9 mil famílias encontravam-se em situação de extrema pobreza, totalizando 50,6 mil pessoas. Em situação de pobreza, havia 4,9 mil famílias inscritas no cadastro, com 14,9 mil pessoas. E com baixa renda, 14,8 mil famílias, o equivalente a 41,2 mil pessoas. Ao todo, havia 106,7 mil pessoas inscritas no CadÚnico em situação de extrema pobreza, pobreza ou com baixa renda na cidade, podendo representar um número ainda maior de pessoas em risco de sofrerem com esse tipo de problema.
A secretária atribui esse quadro ao recente “esvaziamento das políticas sociais, o aumento do valor dos alimentos, a diminuição do poder de compra e a ausência de políticas voltadas à agricultura familiar, responsável por 75% dos alimentos que são consumidos pela população”. Além disso, nota que o empobrecimento da população, com diminuição de renda, além do desemprego e o endividamento também agravaram a situação. É o caso de Henrique Francisco, de 25 anos, que está desempregado. Ele almoça no Restaurante Popular todos os dias e afirma que essa é a forma que encontrou para ter uma alimentação variada. As outras refeições do seu dia, comenta, são incertas. “Aqui, pelo valor, consigo comer carne. Em outros lugares, não consigo pagar”, diz.
Também é o caso de Marcelo Augusto, de 28 anos, que está em situação de rua e almoça no Restaurante Popular há cinco anos. “Essa é a garantia de que vou ter o que comer.” Para conseguir administrar sua vida financeira em um momento de crise, Regina Rosário Nascimento, 70, aposentada, também frequenta o Restaurante Popular com frequência, quando não consegue cozinhar em casa. “Se botar na conta, quando venho aqui, não compro ingredientes e nem gasto gás.” Além dela, Silvana Costa, 51, também aposentada, passou a comer no Restaurante Popular todos os dias, já que mora sozinha e nota que os gastos são menores dessa forma. “Com os preços que encontro, essa é uma forma de aliviar as contas”, diz.
Panorama nacional
Apesar do dado alarmante, Fabiola explica que Juiz de Fora não foge à regra do contexto nacional. “O Brasil, que tinha saído em 2014, voltou para o Mapa da Fome da FAO (Organização para a Alimentação e Agricultura) em 2018. Atualmente, a situação está muito grave, com 33 milhões em situação de fome no país e mais da metade da população brasileira em algum grau de insegurança alimentar”, diz. Para ela, o esvaziamento de políticas públicas federais estruturantes, como o congelamento dos valores para a Política Nacional de Alimentação Escolar, a precarização dos direitos trabalhistas e a diminuição do poder de compra são importantes para entender esse dado. ”
Para a secretária, é importante que todos entendam que “a insegurança alimentar gera uma insegurança de sobrevivência”, já que ninguém vive sem se alimentar. Essa restrição acaba fazendo com que os indivíduos tenham insuficiência nutricional, ficando mais vulneráveis, com baixa imunidade e até correndo mais risco de adoecerem. Além disso, Fabiola destaca que nos casos em que não há ausência, mas as escolhas são feitas em razão do orçamento, a alimentação pode ter sua qualidade prejudicada, fazendo com que danos futuros possam aparecer. “Também pode gerar o aumento de doenças crônicas não transmissíveis, como doenças cardiovasculares, diabetes, obesidade e desnutrição, o que hoje mata mais que mortes violentas.”
Instituições voluntárias enxergam sobrecarga
Com o aumento da fome e o grande número de pessoas precisando encontrar formas de se alimentar, instituições voluntárias da cidade têm tentado suprir a demanda. Para Lúcia Moreira, da ONG Anjos da Rua, é notável o aumento na quantidade de pessoas em situação de rua e das famílias em vulnerabilidade. Para conseguir atender todos, no entanto, os recursos estão escassos, ainda mais considerando que a crise econômica também impactou a quantidade de doações. “Estamos recebendo muitos pedidos de ajuda, mas não conseguimos ajudar todos. Estamos sempre vendo novas famílias nessa situação”, conta.
A ONG citada atende em média 400 pessoas por semana fazendo doações de jantares. A quentinha, de forma geral, contém arroz, feijão, carne, legumes e um suco. “Vemos muitas pessoas falando que é a única refeição do dia, ou falando que têm que escolher quando se alimentar e quando alimentar os filhos”, diz. Daniel Salomão, presidente da Sopa dos Pobres, explica que o aumento dos preços tem feito com que mais pessoas estejam em estado de vulnerabilidade. “Muitas vezes, é mesmo a única refeição que eles fazem.”
Daniel explica que, ao longo da pandemia, o projeto chegou a atender mais de 300 pessoas por dia. “A Sopa dos Pobres e as instituições parceiras tentam mesmo dar um apoio a essas pessoas, mas naturalmente não têm condição de resolver esse problema”, explica.
Diagnóstico auxilia plano de ação contra insegurança alimentar
A elaboração do diagnóstico do Sistema Agroalimentar de Juiz de Fora é vista pela titular da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento como essencial para que as políticas públicas da PJF sejam formuladas com base em dados, atendendo as demandas da população. “Quando quantificamos e qualificamos essas informações é possível definir o público e direcionar as ações específicas para cada necessidade. Por exemplo, com a quantidade de pessoas em insegurança alimentar no município, podemos implementar ações específicas, desde aquelas que garantam o acesso à alimentação quanto as que possibilitem a ampliação de oferta de alimentos saudáveis, geração de emprego e renda para a população”, explica. A partir do diagnóstico e com a formulação do Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, ela enxerga que poderá ser feito um plano de ação para garantir o direito humano à alimentação adequada e melhorar a qualidade de vida da população.
Fabiola ainda destaca a importância do Restaurante Popular nesse sentido, explicando que a intenção da PJF não é só garantir o acesso à alimentação para as pessoas que estão em situação de insegurança alimentar grave, mas também implementar políticas públicas que aumentem a oferta de alimentação nutricionalmente balanceada, em quantidade suficientes, elaboradas com processos seguros e com preço acessível. A secretária cita também o Programa Comida Boa, que trabalha com compras institucionais da agricultura familiar, garantindo renda ao agricultor, acesso a alimentos saudáveis e o fornecimento de alimentação para quem mais precisa.