Uma professora de ciências, de 54 anos, a coordenadora pedagógica, 57, e a diretora, 54, da Escola Municipal Arllete Bastos de Magalhães foram indiciadas pela Polícia Civil no inquérito que apurou o compartilhamento de agulhas por mais de 80 crianças, adolescentes e adultos durante teste de glicemia, no dia 23 de novembro, em evento nas dependências da instituição de ensino, no Bairro Parque Independência, Zona Nordeste de Juiz de Fora. O procedimento instaurado pela 4ª Delegacia foi concluído nesta segunda-feira (9), após dez dias de trabalho, e encaminhado ao Ministério Público. Para a delegada responsável, Ione Barbosa, as três mulheres cometeram o crime previsto no artigo 132 do Código Penal, de “expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente”. A pena prevista é de detenção, de três meses a um ano.
Vinte pessoas foram ouvidas no decorrer das investigações, entre estudantes, responsáveis e docentes. Também foram periciadas as gravações das câmeras de segurança do colégio, que filmaram o estande onde era oferecida a aferição do nível de glicose no sangue durante uma feira de ciências escolar. “A perícia técnica fala que foram, no mínimo, 47 pessoas que fizeram o teste de glicemia”, disse a delegada, com base na contagem realizada por meio das imagens. Entretanto, a Prefeitura já havia afirmado, no dia 26, que 84 usuários compareceram ao HPS e ao Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST/Aids), no Morro da Glória, em busca do coquetel de medicamentos indicado como medida de Profilaxia Pós-Exposição de Risco (PEP), em decorrência do mesmo exame realizado naquele dia na escola. Segundo a delegada, um responsável pelo setor da Saúde chegou a ser intimado por ofício para prestar esclarecimentos e informar o número total, mas não compareceu na data marcada.
De qualquer forma, conforme Ione, as indiciadas vão responder pelo crime em concurso material, ou seja, de acordo com o número de pessoas que foram expostas ao risco biológico. Conforme as investigações, no dia da feira, um aluno ficou responsável por providenciar a caneta usada para furar os dedos e também disponibilizou oito agulhas. Já uma aluna, que é diabética, levou o aparelho de aferição e as fitinhas usadas na medição. “A professora teve acesso às agulhas e às 50 fitinhas com antecedência. Teve o conhecimento de que se tratavam de, no máximo, dez agulhas. Portanto, entrou na previsibilidade dela que o material não era suficiente para um evento aberto a todos os alunos e à comunidade”, avaliou a autoridade policial. Ela chegou a reintimar a docente na última sexta-feira para questioná-la especificamente sobre a noção dela em torno do número de agulhas disponibilizadas. Conforme Ione, a professora respondeu: “no máximo 10”.
Por meio das oitivas e das filmagens a polícia também detectou que a docente “em momento nenhum tomou a vigilância necessária”. “Embora tenha orientado no início e ido algumas vezes ao estande, ela não ficou o tempo todo vigiando de forma ininterrupta esses alunos. Nos vários momentos em que ela saía, foram feitas dezenas de aferições.” Com relação às condutas da coordenadora e da diretora, a delegada enfatizou que elas “têm o dever de fiscalizar se essa professora está efetivamente presente”. “Nas filmagens foi detectado que, tanto a coordenadora, quanto a diretora, estiveram no estande por, no mínimo, duas vezes. Mais que isso: em uma das ocasiões, elas interagem com os alunos e verificam que está sendo feita a aferição de pressão e de glicemia das pessoas ali presentes.”
No entendimento da Polícia Civil, portanto, todas as três envolvidas devem ser responsabilizadas. “As três tinham a obrigação legal de vigilância daquela situação. Houve sim uma exposição ao perigo, com relação à saúde, à integridade e à vida daquelas pessoas que fizeram o exame”, destacou Ione. “A professora tomou conhecimento de que o material não era suficiente, a coordenadora e a diretora não fiscalizaram. Entendemos que as três devem sim responder pelo artigo 132 do Código Penal, em concurso material. Comprovando as 84 pessoas que fizeram o exame, seriam 84 vezes o crime. Se houver uma lesão grave ou gravíssima, todas três também podem responder por crimes mais graves.”
Município e estudantes não são responsabilizados
A delegada Ione Barbosa explicou o motivo de não ter responsabilizado os dois estudantes que teriam levado à Escola Municipal Arllete Bastos de Magalhães os equipamentos necessários para realizar os testes de glicemia durante a feira de ciências. “Entendemos que eles fizeram o que foi determinado pela professora. Como são, de certa forma, inimputáveis, eles não teriam essa responsabilidade”, disse a autoridade policial. “Já a professora tinha o dever legal, como garantidora. Houve uma omissão.”
Apesar de a instituição de ensino envolvida no caso ser municipal, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) também não foi considerada diretamente envolvida. “Estamos falando de conduta penalmente relevante”, ponderou Ione. A PJF informou, por meio de sua assessoria, que “está formalizando a abertura de sindicância sobre o caso, finalizando os nomes dos servidores de carreira que vão apurar os fatos”. A relação dos escolhidos será publicada no Atos do Governo ainda nesta semana.
A instauração do inquérito foi motivada por três boletins de ocorrência registrados pela Polícia Militar, incluindo vítimas com idades entre 9 e 16 anos. A Prefeitura informou que a maioria daqueles que precisaram recorrer ao coquetel tinha entre 14 e 16.
72 horas
A corrida pelos remédios de prevenção de urgência à infecção pelo HIV e hepatites virais aconteceu próximo ao prazo final de até 72 horas, após o contato de risco biológico, porque apenas no dia 25 uma estudante teria comentado com a mãe que havia compartilhado agulha com as colegas. Como a responsável trabalha em unidade de saúde e compreende os perigos, entrou em contato com a direção do colégio, que começou a contactar todos os pais.
O caso ganhou repercussão, e a Secretaria de Saúde montou esquema especial para atender todos aqueles que se submeteram ao procedimento. Eles foram direcionados do HPS ao Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) do Departamento de DST/Aids, próximo à Avenida dos Andradas. A Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) também criou um comitê de crise para lidar com a situação. Uma das ações foi realizar reunião na escola com os estudantes e responsáveis para esclarecer, sobretudo, as dúvidas relacionadas ao uso dos medicamentos. Os comprimidos deverão ser tomados durante 28 dias consecutivos. Todas as 84 pessoas identificadas fizeram o teste viral antes de receberem os remédios, e todos os exames deram negativo. Outras análises de sangue serão realizadas ao fim do tratamento de quatro semanas e repetidas três meses após a data inicial.