As pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) poderão emitir Cartão de Identificação para facilitar o acesso aos seus direitos em locais públicos e privados. A Lei nº 13.735, que determina a medida, foi sancionada pelo prefeito Antônio Almas (PSDB) no dia 25 de julho, e entrará em vigor em 24 de outubro. Neste período, será elaborada a forma de emissão do documento, de responsabilidade da Administração Municipal. Para os grupos representantes de pais e familiares de autistas, a implantação do cartão é considerada uma grande conquista. A expectativa é que, com ele, seja possível diminuir as barreiras para assegurar os direitos da pessoa com TEA, visto que se trata de uma deficiência que não é aparente. Outra possibilidade trazida pelo documento é a de mapear o número de autistas na cidade e, assim, fomentar políticas públicas de inclusão.
A proposta de criar o Cartão de Identificação surgiu a partir da demanda das famílias junto ao vereador José Fiorilo (PTC). “Representantes do Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab) em Juiz de Fora e outras pessoas relataram as dificuldades enfrentadas no dia a dia pelo fato de boa parte da população ainda desconhecer a deficiência. Este tipo de identificação já é usada em outras localidades do país, e vai ser muito bom para a nossa cidade promover mais acessibilidade e inclusão”, explicou o assessor legislativo do vereador Fiorilo, Álvaro Círico. “Estávamos batalhando muito por estas carteirinhas. O grande objetivo é garantir o acesso aos direitos da pessoa com TEA de forma mais tranquila. Hoje nós temos que mostrar o laudo médico para comprovar que ela é autista, mas muita gente ainda não compreende a situação”, explica a coordenadora do Moab na cidade, Fabíola Torres. A Lei nº 13.735 foi criada com base no Projeto nº 42/2018, de autoria dos vereadores José Fiorilo, Marlon Siqueira (MDB) e Kennedy Ribeiro (MDB).
A presidente do Grupo de Apoio a Pais e Profissionais de Pessoas com Autismo (Gappa), Arienne Menezes, acredita que, com o documento, será mais fácil promover a socialização. “Nós, que somos pais de crianças com autismo, ouvimos comentários que é para deixar os filhos em casa. Ainda existe muito preconceito por ser uma deficiência pouco conhecida”, relata. “A carteirinha vai autenticar a necessidade da pessoa com TEA para não deixar dúvidas de que ela deve ter acesso aos seus direitos. Isto vai ajudar no convívio social, pois oferece informação à sociedade e garante o espaço do autista.”
Informações
O Cartão de Identificação conterá nome completo; número da Carteira de Identidade ou Registro Geral; endereço; nome e telefone do cuidador ou responsável; alergias a medicamentos; tipo sanguíneo; grau de intensidade do transtorno; medicação e tratamento realizado. Na avaliação de Fabíola Torres, as informações são de extrema importância, mas há a preocupação com relação à divulgação da intensidade. “Tem o grau leve, que significa que o autista consegue fazer a maior parte das atividades sozinho, depende pouco do apoio de outra pessoa. Tem o grau moderado, que é quando há um pouco mais de restrição, e o autista vai precisar de auxílio para realizar as tarefas. E tem o grau severo, que é quando ele é constantemente dependente de alguém. O meu receio é as pessoas confundirem estas informações, associarem o grau à agressividade e começarem a rotular quem tem o transtorno”, diz. “O mais importante é saber que é uma pessoa com TEA, o grau é uma informação secundária.”
Identificação pode auxiliar políticas públicas
A pesquisa Retratos do Autismo no Brasil, publicada em 2013 pela Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência e disponível no site da Associação Brasileira de Autismo (Abras), estimou que no país havia mais de R$ 1,1milhão de pessoas com TEA. Com base no Censo de 2010, o estudo revelou que a região Sudeste era a que possuía maior público, cerca de 500 mil. Em seguida estava o Nordeste, com quase 330 mil, e o Sul com, aproximadamente, 170 mil. No Norte e no Centro Oeste, o número de pessoa com TEA não chegava a cem mil.
Uma pesquisa mais recente, divulgada em 2017 pelo Center for Disease Control and Prevention (CDC), órgão ligado ao governo dos Estados Unidos, afirmou que houve aumento do número de casos de TEA em todo o mundo. Antes, a estimativa era de um caso a cada 500 crianças, mas passou de um para cada cem. Nesta proporção, o Brasil teria, aproximadamente, dois milhões de pessoas autistas.
Comércio desconhece obrigatoriedade de placas preferenciais
A emissão do Cartão de Identificação para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) irá facilitar o acesso ao atendimento em estabelecimentos privados. Em maio deste ano, o prefeito Antônio Almas sancionou a Lei nº 13.699, que determina a obrigatoriedade de que lojas, supermercados, farmácias, bancos, bares e restaurantes insiram, nas placas de atendimento prioritário, o símbolo mundial da conscientização do TEA, representado por um laço com quebra-cabeças. A legislação entra em vigor no dia 16 de agosto, e o não cumprimento implica em advertência e multa. A permanência da irregularidade pode acarretar em suspensão da licença de localização e funcionamento do estabelecimento. A uma semana para a vigência da nova lei, boa parte do comércio de Juiz de Fora desconhece a questão.
O presidente do Sindicato do Comércio, Emerson Beloti, lamenta a falta de divulgação. “É uma pena que a nossa Câmara Municipal crie tantos projetos. Ao que me parece, a cidade já possui cerca de dez mil leis, mas não tem uma preocupação em divulgar e discutir as normas com quem deverá cumpri-las. Sabemos que há proposições que têm caráter nobre, mas podem não ser cumpridas por desconhecimento.” Ele destaca que a falta de debate com os setores envolvidos pode acarretar na falta de aplicabilidade. “Tivemos a situação da lei que determinava que todas as lojas do comércio tivessem provadores adaptados para cadeirantes, mas como boa parte do nosso comércio é formada por micro e pequenas empresas, mostramos que não era aplicável. Assim, a determinação foi que estabelecimentos com cem metros quadrados ou mais cumprissem esta exigência”, exemplifica. “É essencial que os projetos de leis sejam discutidos.”
O coordenador do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Juiz de Fora, Rogério Barros, diz que tem acompanhado as informações veiculadas na imprensa, e que a entidade tem buscado divulgá-las entre os estabelecimentos do setor. “O atendimento prioritário já é realizado. Mas a obrigatoriedade da inserção do símbolo na placa precisa ser bem divulgada pela Prefeitura para que os locais possam providenciar. Estamos transmitindo a informação para que a lei seja cumprida.”
Preocupação
Familiares de autistas relatam preocupação com a falta de informação. “Nas lojas em que entrei e perguntei sobre o assunto, todos desconheciam. Fico preocupada porque não sei se está havendo divulgação da legislação, que já entra em vigor no dia 16”, diz a coordenadora do Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab) em Juiz de Fora, Fabíola Torres. “É necessário informar a todos para que o que foi proposto possa, de fato, ser cumprido”, destaca a presidente do Grupo de Apoio a Pais e Profissionais de Pessoas com Autismo (Gappa), Arienne Menezes. Segundo ela, a orientação dada aos familiares é para que divulguem a nova lei e tenham uma cópia impressa em mãos.
A Lei nº 13.699 foi criada com base no Projeto nº 256/2017, de autoria dos vereadores Marlon Siqueira (MDB) e Júlio Obama Jr. (PHS). Em entrevista à Tribuna, Marlon explicou que a regulamentação e a divulgação cabem, agora, ao Executivo. “É um trabalho da secretaria de comunicação da Prefeitura. Me reuni com o secretário Michael Guedes para alinhar este trabalho. Será criada uma força tarefa da comunicação junto ao Procon, a Secretaria de Atividades Urbanas e demais órgãos que estarão envolvidos no trabalho de fiscalização para orientar os estabelecimentos e os consumidores. É uma legislação nova, e é preciso criar uma rotina.” Na avaliação de Marlon, o Cartão de Identificação irá auxiliar no cumprimento do atendimento prioritário. “São leis que se complementam, sem dúvida. Com o cartão será mais fácil a pessoa com TEA fazer valer este direito de prioridade no atendimento.”
O atendimento prioritário é garantido por legislação Federal, que concede prioridade a pessoas com deficiência, idosos, gestantes, lactantes e as pessoas com crianças de colo. A Lei Berenice Piana (nº 12.774) determina que a pessoa autista tem os mesmos direitos das pessoas com deficiência.