Após contrair malária cerebral e ficar uma semana inconsciente na UTI, somando mais de dez dias internada no hospital particular Arwyp Medical Centre, em Kempton Park, próximo a Joanesburgo, na África do Sul, a cozinheira Therezinha Regina da Silva Souza, 52 anos, ainda se recupera em sua casa no Bairro Marilândia, na Cidade Alta. Ela busca retomar sua rotina em Juiz de Fora, mas um mês depois ainda faz visitas quase diárias aos médicos, como neurologista, infectologista e oftalmologista. “Ainda estou terminando de fazer todos os exames. A manchinha no olho está melhorando”, afirma, bem disposta e cheia de vontade de recomeçar, ao lado do marido, José Carlos, 58, e dos filhos Natália, 32, e Rafael, 28.
Junto com outras três mulheres da cidade e missionários de diferentes partes do Brasil, Therezinha, que também é coordenadora do Grupo Esperança Viva (GEV) da Catedral Metropolitana, chegou a vender pastéis e a andar mais de duas horas a pé diariamente para não gastar com a passagem de ônibus e conseguir arcar com os custos da viagem em missão voluntária católica na Fazenda da Esperança, em Dombe, Moçambique. O vilarejo havia sido devastado por um ciclone em março. “O ser missionário está dentro de você. Eu economizava R$ 7 por dia. Gastava uma hora e dez para ir para o trabalho e o mesmo tempo para voltar. Descia rezando meu terço com toda minha ansiedade e desejo de fazer.” Questionada sobre a principal diferença relacionada à carência entre nosso país e Moçambique, ela disparou: “Não tem nem comparação. O Brasil não tem pobreza. Pobreza tem lá. Temos que viver e passar para vermos o que é.”
A cozinheira foi picada pela fêmea do mosquito Anopheles, contaminada pelo parasita Plasmodium falciparum, responsável por transmitir a chamada malária cerebral, que pode levar à morte. A vaquinha on-line (https://www.vakinha.com.br/vaquinha/therezinha-com-malaria-cerebral-ajude-a-salva-la), criada pela família para ajudar nos custos do tratamento no hospital particular, para onde a vítima foi socorrida às pressas após passar mal no aeroporto de Joanesburgo quando regressaria no dia 28 de outubro, segue até terça-feira (10). O objetivo é arrecadar R$ 80 mil e, na tarde da última sexta (6), o valor estava em torno de R$ 27.500. “Tenho que agradecer a Deus. Fui para ajudar e voltei sendo ajudada.” Nesta entrevista à Tribuna, Therezinha conta como está sendo sua recuperação e como encarou a doença.
Tribuna – Qual era a expectativa diante da sua primeira viagem internacional? Havia algum medo ou receio?
Therezinha – Foi uma expectativa muito grande. Quando saiu em março, em Guaratinguetá (SP), que o Grupo Esperança Viva (GEV) iria ter uma escola e uma missão em Dombe (Moçambique), fui uma das primeiras a falar com o responsável geral que eu gostaria muito de participar. Dali já fui me preparando. Nunca tinha viajado de avião e nem ido para fora, mas não pensava no medo, só no meu desejo de estar lá na missão.
– Como foi chegar em Dombe e realizar o trabalho voluntário?
– Foi muito difícil chegar. Fomos do Rio para Luanda (Angola). Já tinha um voluntário nos esperando no aeroporto, e ele nos levou até Maputo (Moçambique). Ficamos em um orfanato das irmãs. Às 4h pegamos um ônibus e só chegamos em Dombe às 22h. Ainda andamos mais 40 minutos em uma estrada de chão até a Fazenda da Esperança, onde fomos participar da formação dos grupos Esperança Viva, capacitando aqueles que vão atuar lá, acolhendo as famílias dos dependentes químicos. Ficamos uma semana na escola em estudo, onde vários membros de outros grupos participaram. Na segunda semana fomos conhecer a missão, onde passou o ciclone e estão começando a fazer tudo de novo. Cada dia era uma emoção. Um dia nos dedicamos a fazer a papa para as crianças de um grupo escolar. É feita de fubá, água, um pouco de açúcar e moringa. Essa é a única alimentação que têm durante o dia, doada pela Fazenda da Esperança, mas você não vê criança triste, só sorriso. Quando saíamos à tarde para ir à missa, já vinham nos segurando e nos jogando no chão. Queriam brincar. E tem a creche Chitaitai, da Fazenda da Esperança, que atende a 180 crianças. Também visitamos o acampamento, onde vão construir 350 casas.
– Qual a recordação que você tem do momento em que começou a passar mal no aeroporto de Joanesburgo?
– Não tenho lembranças. Levantamos, fomos em um shopping almoçar, tomei até um suco, e voltamos para o quarto. Acabamos de arrumar a mala e descemos. Até o hall do hotel eu lembro, depois não me recordo de mais nada, só de entrar no carro. A gente já estava em Joanesburgo havia dois dias. No primeiro não senti nada. Tive antes uma dor de cabeça, mas acho que nem cheguei a tomar remédio, pela ansiedade de sair e conhecer tudo. No domingo (véspera da partida), fomos em um parque. Levantei, tomei café e ainda pensei: Nossa, esse café não desceu legal. No parque pedi para me levarem ao banheiro e vomitei. Tomei uma Coca Cola. Depois entramos em um carro para visitar o parque e passei mal de novo. Fiquei com muita vergonha e constrangida. Encostei no ombro da minha amiga e comecei a cochilar. Passei para o carro da guia e deitei atrás. Ali eu já estava com malária, mas para mim era o café que tinha me dado mal estar. No outro dia levantei normal, mas não lembro de nada do aeroporto.
– Você tinha conhecimento sobre a malária e a incidência alta da doença na África?
– Sim, a gente não saía sem repelente. Usava duas, três vezes ao dia. Não faço ideia de onde fui picada, porque tomamos todos os cuidados. Só um dia à tarde coloquei bermuda, já na casa, mas só andava de calça. A responsável pela fazenda sempre nos alertava. Sabia do perigo que era a malária. Dizem que demora de nove a 12 dias para manifestar, então devo ter sido picada no meio da viagem, em Dombe, porque ficamos 22 dias.
– O que passou pela sua cabeça quando você recobrou a consciência no hospital?
– Fiquei sete dias na UTI e depois desci para a enfermaria. A Luciane (amiga e missionária de Juiz de Fora que permaneceu em Joanesburgo enquanto Therezinha ficou hospitalizada) colocou um vídeo, e eu lembro do meu filho. Também vi algumas fotos aqui de casa, mas não dei muita importância. Ela insistiu e foi me falando aos poucos. Me perguntou: Você lembra dessa foto? Aí vi o Carlinhos (marido), a Carol do lado (nora), a Natália (filha) e o namorado dela. Cheguei a ficar muito emocionada e também agitada. Mas estava muito confusa.
– Quando você se deu conta de tudo que havia passado?
– De tudo? Foi o dia que o fisioterapeuta chegou e fez uma massagem aqui (no peito). Depois me colocou numa cadeira e falou: Agora você vai para o banho. Eu estava com a voz muito fraca e perguntei: Sozinha? Ele disse: Levanta! Aí que me dei conta. Fui com muito medo de cair, e a Luciane atrás. Tomei banho e comecei a entender que eu tinha pegado a malária. Foram me contando aos poucos o que eu passei. Tenho que agradecer a Deus a cada dia. Às vezes eu lembro e até começo a chorar. Eu sou um milagre de Deus. Desde o dia em que eu saí de lá. Porque todos os médicos falaram que eu não voltava. E foi a minha fé, aquela esperança que está lá naquele fundinho, que me fez viver. Lembro muito da frase de um frei, falou que eu tinha que passar por isso para fortalecer aquela missão. Então eu sou um milagre de Deus.
– Faria tudo de novo? Qual a principal lição que ficou?
– Faria tudo de novo. A principal lição foi ver aquelas famílias e aquelas crianças com aquele sorriso contagiante. Ver a esperança no rosto de cada uma. Aprendi muito. Tenho uma nova vida. Sempre falava lá com minhas amigas que eu não seria mais a mesma pessoa.