Com o cultivo livre de componentes químicos, como agrotóxicos, antibióticos e fertilizantes, os alimentos orgânicos e agroecológicos têm sido, cada vez mais, inseridos na alimentação. De acordo com a Associação de Promoção dos Orgânicos (Organis), a venda de produtos orgânicos aumentou em mais de 50% no primeiro semestre de 2020 no Brasil. Além de proporcionar alimentos mais nutritivos com um maior benefício para a saúde, seu cultivo contribui com o manejo correto das culturas, respeitando os recursos naturais.
Em Juiz de Fora, iniciativas tiveram que se adaptar na pandemia de Covid-19 para facilitar o acesso a alimentos orgânicos. As redes sociais se tornaram o principal meio de conexão entre pequenos produtores e consumidores, que compartilham informações na intenção de conscientizar a forma como nos relacionamos com a comida e fortalecer o consumo sustentável.
O hábito de destinar uma parte da manhã para ir na feira, realizar as compras da semana ou até mesmo tomar um suco natural enquanto observa o movimento ao redor, foi mais um dos comportamentos interrompidos pela pandemia. As tradicionais feiras locais, que fazem parte da história cultural e gastronômica de Juiz de Fora, foram suspensas por um período, acatando às medidas restritivas para conter a transmissão do coronavírus. Porém, o seu propósito de aproximar pequenos produtores a consumidores e conscientizar sobre o consumo de alimentos saudáveis se propagou durante esse tempo.
Esse foi o caso da associação Monte de Gente Interessada em Cultivo Orgânico (MOGICO), uma iniciativa de comercialização conjunta oficializada em novembro de 2013. Com o objetivo de incentivar a produção e o consumo de produtos orgânicos, além de promover ações orientadas para a sustentabilidade, surgiu a feira orgânica Mogico, que, atualmente, acontece todos os sábados, de 8h ao meio-dia, na Praça Bom Pastor.
Antes da pandemia, a feira também era realizada no estacionamento do campus da Universidade Federal de Juiz de Fora, mas, em março de 2020, foi suspensa. Dessa maneira, o coletivo criou a Cesta Coletiva Mogico, como alternativa para apoiar os produtores associados e os clientes neste período de distanciamento. Os pedidos das cestas são feitos pelo site do projeto. O cliente monta sua própria cesta de acordo com os produtos disponíveis no intervalo de 17h de sábado até as 20h de domingo e a entrega acontece na terça-feira entre 9h e 16h em toda Juiz de Fora. Até o momento, já foram entregues mais de 5.300 cestas coletivas.
O presidente da associação, Waltencir Carlos da Silva, conta que o contato com o cliente mudou bastante. “A feira era um espaço de bate-papo, aprendizado, troca de informações, de abraços, e, com os protocolos acerca da pandemia para evitar aglomerações, o tempo de permanência dos clientes automaticamente foi se reduzindo. Sendo assim, o contato com o produto tornou-se limitado.”
Mesmo diante desses impactos, muitos clientes se mantiveram fiel à Mogico. “Nós notamos uma mudança de hábitos dos consumidores e, entre as ondas Roxa, Laranja e Amarela, alguns clientes se adaptaram ao delivery, outros no processo de compra na feira e teve os que utilizaram as duas operações conforme disponibilidade”, comenta Waltencir.
Além disso, o coordenador informa que a associação conseguiu alcançar clientes que anteriormente não participavam de nenhum processo de compra, buscando os produtos benéficos à saúde e ao meio ambiente, o que aumentou a demanda do coletivo.
Frutas, verduras, legumes, queijos, broa, plantas alimentícias não convencionais (PANCS), entre outros produtos orgânicos são comercializados no Mogico, que é composto por 12 unidades produtivas distribuídas em Juiz de Fora e municípios ao entorno. “Acreditamos que a valorização local é um grande incentivo ao pequeno produtor.”
Cada vez mais conectados
As redes sociais conectaram os produtores rurais aos interessados em consumir uma alimentação mais saudável. O aumento da procura de produtos orgânicos e agroecológicos foi percebido pelo projeto Cestas Agroecológicos JF, uma iniciativa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
No final do ano de 2018, os produtores do assentamento Dênis Gonçalves, localizado na Zona Rural de Chácara, decidiram criar a cesta com alimentos produzidos de forma agroecológica, ou seja, sem o uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos. Hoje, cerca de 30 famílias atuam na produção das cestas e tiram suas rendas do projeto.
“Nós criamos as cestas pensando na demanda que recebemos de Juiz de Fora, muitas pessoas da cidade queriam consumir produtos agroecológicos, o que se uniu a nossa necessidade de aumentar a comercialização, já que não tínhamos um grande escoamento da nossa produção”, conta Priscila Rodrigues, coordenadora do projeto.
Com a pandemia, a comercialização direta com os produtores ganhou força, a entrega, que antes era feita em pontos fixos, passou a ser levada até as casas dos clientes. Para atender o crescimento da demanda foi preciso criar uma plataforma para realizar os pedidos, que também são feitos de acordo com a preferência do consumidor pelos alimentos disponíveis, proporcionando maior liberdade para montar sua própria cesta. Os pedidos podem ser feitos no site a partir das 16h de sexta-feira até segunda-feira às 8h.
“Alguns aspectos que precisamos considerar quando falamos de produtos orgânicos é, principalmente, a questão da nossa saúde, o uso de veneno faz mal tanto para o produtor que usa quanto para o consumidor que ingeriu o alimento”, ressalta Priscila.
Mudança de hábitos
Em busca de uma alimentação mais saudável, Lúcia Souza, auxiliar administrativa, decidiu adquirir uma cesta para experimentar. Ela conta que desde pequena foi criada em uma casa com horta no quintal, onde cultivava alimentos livres de agrotóxicos, mas com a correria do dia a dia, muitas vezes, optou por comidas mais práticas e rápidas. Porém, na pandemia começou a trabalhar em home office e foi quando viu um momento para repensar na sua alimentação.
“Com a inclusão dessas verduras, frutas e legumes na minha rotina, minha saúde melhorou em 100%. A entrega a domicílio facilitou o meu consumo de alimentos saudáveis, além da qualidade e dedicação, as cestas possuem uma variedade bastante satisfatória”, afirma Lúcia.
Após passar por problemas de saúde, a professora Elaine Moreira, resolveu mudar seus hábitos alimentares para ter uma melhor qualidade de vida. “Depois que mudei a alimentação, e isso foi sendo feito aos poucos, senti uma grande mudança no meu organismo, passei a ter mais disposição para realizar minhas tarefas, desde as mais simples até as que exigiam mais do condicionamento físico”. Desde então, Elaine escolheu fazer suas compras nas feiras por ter uma proximidade com os fornecedores e os produtos serem frescos.
Agricultura familiar e segurança alimentar
Falar sobre o consumo de produtos orgânicos em um momento em que o país passa por um grave quadro de insegurança alimentar pode causar um estranhamento a princípio. No entanto, garantir que todos os brasileiros tenham acesso a alimentos saudáveis a baixo custo, se tornou ainda mais urgente com a pandemia de Covid-19. A Agricultura Familiar pode ser essencial para garantir uma segurança alimentar, como apontam estudos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
O termo agricultura familiar refere-se a uma escala de produção, que pode ser mais empresarial ou mais auto suficiente, na qual a família trabalha e a área produtiva é relativamente pequena. Já a segurança alimentar é entendida pela garantia de acesso, a todas as pessoas, à alimentação saudável e de qualidade. Mas de que forma a agricultura familiar poderia contribuir para uma segurança alimentar?
Para a pesquisadora do departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Maria Alice Mendonça, a contribuição da agricultura familiar à segurança alimentar está relacionada ao fato de produzir alimento para quem vive no campo. “Quem é agricultor/a familiar, sempre tem o que comer. Eles escolhem o alimento que é cultivado em casa ou na comunidade, sem agrotóxicos, com qualidade e fartura”. Além disso, ela reforça que essa ação abastece pequenos mercados e leva comida para a merenda escolar por meio da Política de Alimentação Escolar (PNAE).
“A agricultura familiar produz diversidade alimentar e diversidade ecológica nos agroecossistemas. Atualmente, entendemos por segurança alimentar a garantia de acesso, de todos seres humanos, à alimentação saudável e de qualidade. Além da valorização e respeito aos hábitos e a cultura alimentar de um povo, suas preferências alimentares e práticas de preparo e consumo. Logo, mesmo quando a agricultura familiar é mais empresarial, ela tem suas especificidades, ecológicas, sociais, culturais e econômicas e essas características contribuem para a promoção da segurança alimentar, localmente e regionalmente.”
Maria Alice participou de uma recente pesquisa a respeito do cenário da agricultura familiar e da agroecologia na pandemia, observando várias experiências na América Latina. O estudo revelou que, logo no início deste período, a agricultura familiar obteve respostas consistentes à crise sanitária. Entre os resultados estão o aumento das vendas diretas dos agricultores aos consumidores, apoio de governos nacionais ou locais aos programas e políticas voltadas à produção sustentável de alimentos para consumo ou comércio local e, também, foram identificadas diversas iniciativas de promoção à segurança alimentar com foco em populações mais vulneráveis.
A pesquisadora ressalta que é necessário democratizar o debate sobre sustentabilidade alimentar e, cada vez mais, popularizar essas iniciativas. “Temos que entender que segurança alimentar é um direito, portanto, cabe ao Estado e aos governos fornecer as ações para assegurar esse direito, criando instrumentos e investindo em políticas públicas e programas para garantir à população o acesso a alimentos em quantidade e qualidade. Segurança alimentar não está na esfera individual ou privada.”
Waltencir reforça a importância desse setor. “Ao apoiar a agricultura familiar contribuímos com práticas sustentáveis de manejo, incentivamos o consumo de produtos locais valorizando o trabalho do campo, e, uma vez que o produtor é um agente econômico local, promovemos o desenvolvimento social.”
Segundo a pesquisadora, para a agroecologia o respeito à natureza e às pessoas que produzem nosso alimento é fundamental. “Não há economia sem pessoas e sem natureza. Precisamos de sistemas econômicos que levem em conta a vida das pessoas. Precisamos nos interessar mais por agricultura e por nossos alimentos. Os circuitos econômicos locais fortalecem a agricultura familiar, contribuem para a economia local, valorizam a cultura alimentar regional e possibilitam preços mais justos.”
Doações de alimentos
Tanto a associação Mogico quanto o projeto de Cestas Agroecológicas realizam doações de alimentos para famílias em situação de vulnerabilidade social em Juiz de Fora. O coletivo Mogico, em parceria com a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da UFJF (Intecoop), efetua ao final de toda feira a doação da “xepa” – parte da produção que não foi vendida – , para as famílias cadastradas nos projetos da Intecoop.
A ação do MST já distribuiu cerca de uma tonelada e meia de alimentos para famílias da cidade. Além disso, o movimento também participa da campanha “Periferia Vive”, atendendo 60 famílias, mensalmente, com a doação de cestas básicas. “Essa é uma política nacional do movimento, nós entendemos que é nossa obrigação. Se hoje temos a possibilidade de produzir por ser assentado da reforma agrária, também temos a obrigação de contribuir de forma solidária com famílias que enfrentam atualmente dificuldades”, afirma Priscila.