De mãos dadas com a mãe, que é professora de educação física, ao longo de toda a entrevista, a estudante de odontologia de 23 anos, que denunciou ser assediada por um professor, 61, do curso da UFJF, quebrou o silêncio que mantinha desde o dia em que fez a denúncia para a direção da faculdade, em 23 de junho. Num primeiro contato com a Tribuna, ela queria falar no escritório do seu advogado. Entretanto, mais confiante, dias depois, a jovem resolveu conceder a entrevista na sua própria casa, onde, além da mãe, era preservada pelas presenças do pai, pedreiro, e do irmão, formado em medicina. Com a voz embargada, intercalando o choro, a jovem contou como era tratada pelo professor, como tinha medo de encontrar com ele pelos corredores, como foi juntar forças e retornar às aulas e enfrentar os olhares das pessoas que sabiam da situação.
[Relaciondas_post]No último período, a aluna se prepara para a formatura em dezembro. “Quero acabar e sair da faculdade, pois lá aconteceu algo horrível para mim. Ter de voltar todo dia é lembrar de tudo”, desabafa a jovem, que entrou na UFJF em 2011, quando tinha 18 anos. Ciente de tudo desde o início, a mãe considera a filha extremamente corajosa. “Eu achava que a situação iria passar e acabar, mas não. Atingiu um ponto crítico. Se tivesse tido coragem antes para incentivá-la a denunciar, teria evitado tudo isso”, lamenta a mãe, que diz não entender uma relação entre aluno e professor que não seja pautada na amizade. Para o pai e o irmão, tudo deverá acabar bem e com a responsabilização do professor. A assessoria de comunicação da UFJF informou que segue em andamento a sindicância que apura os fatos e que o professor continua afastado das suas atividades na instituição em razão de uma licença médica, que tem previsão de término para o dia 26 deste mês.
– Tribuna – Na ocorrência policial, você relatou que a primeira vez que foi assediada foi quando estava no 5º período. De lá até agora, quando você está prestes a se formar, como foi esta relação entre aluno e professor?
Aluna – Sempre tive medo. Neste período, por exemplo, que é o último, ele vinha me ameaçando com uma reprovação, falando que não iria me formar num curso que é meu sonho, no qual entrei há cinco anos. No quinto período, ele quis, certa vez, que eu fosse encontrar com ele fora da faculdade para montar uns slides, por causa das minhas unhas. Eu estava com a unha pintada de oncinha em uma aula prática na clínica que ele acompanhava. Ele viu minha unha e veio até o meu box e começou a falar que eu era uma tigresa, que eu tinha que fazer slides com a minha unha. Tirou foto minha e da minha mão, querendo que fizesse os slides para colocar na internet com uma música do Caetano Veloso.
– Como era o trato dele com você depois disso?
– Ele sempre me assediou, sempre tentou me agarrar. Houve uma vez que me forçou a entrar com ele em um elevador. Eu estava passando pelo corredor, e ele me agarrou e puxou pelo braço e disse você vem comigo e me enfiou dentro do elevador. Tive que ir até o terceiro andar com ele. Isso não é um comportamento de professor. Ele nunca se comportou como um professor, pelo menos comigo. Quando fazia a chamada e chegava no meu nome, dizia que eu não iria formar.
– Como você se sentia quando sabia que teria uma aula dele no dia seguinte? Tinha alguma angústia?
– Eu ficava nervosa e não queria ir à aula. Minha mãe que ficava me obrigando nos últimos tempos a ir à aula. Teve um dia que cheguei a dizer que não iria, mas ela disse que assim eu estaria dando mais motivos para ele implicar comigo. Ela sempre me acalmava e me incentivava a ir, mas minha vontade era de deixar de frequentar as aulas, quando sabia que iria vê-lo. Tinha vontade de nunca voltar àquele local.
– Quando foi a primeira vez que você relatou este tipo de comportamento dele para sua família?
– Para minha mãe, eu contei desde o início. O meu pai só ficou sabendo agora no último período, quando a situação ficou pior. Minha mãe falava que era para eu tentar fugir dele e tentar não chegar perto, mas, muitas vezes, quando me via no corredor, ele ficava enrolando, porque sabia que eu passaria outras vezes e ficava me esperando para tentar agarrar e falar comigo. Quando meu pai soube, ele disse que tinha que manter a calma, esperar formar, mas, desta última vez, o professor encostou a mão em mim e não deu mais para ficar calada, foi a gota d’água.
– O que representou efetivamente esta gota d’água?
– Foi ele ter me tirado da sala e me agredir, pois apertou o braço. Fiquei toda marcada, fui pressionada contra a parede, para me fazer medo, além das ameaças. Tudo isso foi acumulando dentro de mim e ainda me machucou, me fez chorar. Liguei para a minha mãe, e ela disse que não dava mais e me orientou a procurar a direção da faculdade.
– Você chegou a relatar os fatos, durante este tempo, para alguma amiga na faculdade?
– Várias vezes pessoas já relataram para mim que passaram pela mesma situação, principalmente agora, depois que tudo estourou. As minhas amigas sempre souberam. Uma inclusive foi testemunha de várias coisas que ele fez comigo, de como eu ficava nervosa quando ele chegava perto. Mas sempre tentei manter os fatos comigo, para me resguardar. Quando o caso veio à tona, todos sabiam que era eu devido à história da tigresa.
– O que você espera desta sua atitude de coragem?
– Espero que ele pague o que fez comigo e com muitas outras pessoas. Espero que seja afastado. Ele não é uma pessoa que possa ter contato com alunas, pois não se comporta como professor.
– Como foi voltar à faculdade?
– A faculdade inteira sabe que eu fiz a denúncia, e a faculdade inteira sabe que ele é o denunciado, porque há outras histórias lá dentro. Foi difícil voltar, tive muito medo e não queria. Voltei numa segunda-feira, quando teria uma aula dele, mas ele se acidentou e ficou de licença. Estou tentando voltar para minha rotina, pois não quero deixar isso me vencer. Quero continuar fazendo minhas coisas.
– Qual a maior dor que sente neste momento?
– Nunca pensei que isso iria acontecer comigo. A gente sabe que acontece, mas nunca imagina que vai acontecer conosco. Nunca imaginei que entraria dentro de uma delegacia, nem sabia como funcionava essas coisas (choro). O sentimento que tenho é horrível, como se ele tivesse despedaçado um pedaço de mim (choro).
– Em que momento decidiu fazer Odonto?
– Foi aos 18 anos, quando tinha que fazer o Pism (Programa de Ingresso de Seletivo Misto). Virou o sonho da minha vida, mas ficou abalado. Minha formatura, não tenho nem vontade de ouvir falar. Quero acabar e sair da faculdade, pois lá aconteceu algo horrível para mim. Voltar lá todo dia é lembrar de tudo.