Um homem, de idade não informada, tem importunado mulheres na região central e na Zona Sul de Juiz de Fora. Relatos dão conta de que ele expõe seu órgão genital e se masturba enquanto encara as vítimas. O caso ganhou repercussão recentemente pelas redes sociais, em que diversas mulheres relataram episódios semelhantes envolvendo o mesmo suspeito, identificando-o por meio de fotos que circularam on-line. Em determinadas circunstâncias, algumas vítimas tentaram acionar a Polícia Militar (PM) após a situação, e, em outras, pediram orientações para militares conhecidos, mas teriam sido informadas de que o suspeito deveria ser pego em flagrante ou deveria existir provas contra ele, o que estaria dificultando a realização da denúncia, somado ao medo que permanece após serem vítimas do crime.
Estes casos, entretanto, não são isolados. Só em 2022, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp-MG) contabilizou 89 ocorrências de importunação sexual na cidade, número que pode ser ainda maior, considerando que muitas não são registradas. Neste Dia Internacional da Mulher, a Tribuna traz um dos diversos alertas envolvendo episódios de violência que atingem uma a cada três brasileiras, de acordo com levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Um dos casos mais recentes envolvendo o suspeito em questão ocorreu em São Mateus, no último dia 22 de fevereiro. As vítimas foram três jovens, duas de 18 e uma de 17 anos. Elas voltavam de um mercado por volta de 23h50 quando foram surpreendidas pelo suspeito na Rua São Mateus. De acordo com relato da vítima de 17 anos, que terá a identidade preservada, ele passou por elas com a genitália exposta e, em seguida, começou a se masturbar enquanto olhava para as jovens.
Assustadas, uma delas pegou um celular e, diante disso, o homem começou a ameaçá-las, dizendo que se acionassem a Polícia Militar iria agredi-las com uma faca, indo embora logo depois. As jovens seguiram seu caminho a pé, porém, acabaram esbarrando com ele novamente na Avenida Presidente Itamar Franco, momento em que o suspeito começou a persegui-las enquanto voltou a se masturbar.
“Nós corremos e acabamos entrando em uma rua sem saída. Ficamos agachadas atrás de um carro, com medo dele vir atrás. Foi desesperador, mas ele não entrou na rua. Passou devagar e acabou entrando em outra”, conta a vítima.
Elas conseguiram chamar um carro por aplicativo e chegar em segurança em casa, mas o temor de novos episódios como esse permaneceu. “Nós três ficamos apavoradas”, diz a adolescente. “Fiquei sem reação na hora e com uma sensação de impotência por não conseguir me defender. Fiquei com medo também de sair na rua depois.”
Conforme uma das vítimas de 18 anos, no momento do incidente, a única coisa que passou pela sua cabeça foi proteger as amigas. “Quando cheguei em casa e raciocinei tudo que tinha acontecido, fiquei mega assustada, porque se fosse uma de nós sozinha… a rua estava vazia, nós não sabemos o que poderia ter acontecido.”
Uma das vítimas encontrou com o suspeito novamente uma semana após o ocorrido na Avenida Rio Branco, onde acionou a PM. Porém, na ocasião, foi informada da necessidade de haver provas contra ele.
As jovens, que conversaram com outras pessoas que passaram pela situação envolvendo o mesmo suspeito, cobram justiça. “É um sentimento muito ruim de falta de respeito, de humilhação, porque você vê que ele faz isso com várias mulheres todos os dias”, aponta a vítima de 18 anos.
Não quero que nenhuma mulher sinta o que a gente sentiu aquele dia. Foi medo, foi angústia, foi tudo ao mesmo tempo, mas, no momento em si, a gente ficou em choque, e eu só pensava o que podia fazer para não acontecer nada com as meninas.”
Medo de andar na rua
Outro episódio semelhante ocorreu no final de janeiro, na região central de Juiz de Fora. Duas mulheres, de 29 e 32 anos, estavam sentadas em uma das escadas da Catedral Metropolitana durante o horário de almoço, quando o suspeito, que também estava sentado nas proximidades, foi em direção a elas e, da mesma forma que a testemunhada por outras vítimas, retirou o pênis da calça e começou a se masturbar em frente à dupla.
“Ele não tem pudor nenhum, não faz questão de fazer escondido. Foi no Centro e em plena luz do dia”, comenta a vítima de 32 anos. “Foi muito constrangedor, a gente fica tão sem reação e com tanto medo que acaba não pensando em nada.”
Ao pegarem o celular para tentar algum registro, ele se esquivou e fugiu do local. No dia seguinte, as vítimas o encontraram novamente na mesma região. Porém, o homem as reconheceu e, segurando um pedaço de pau, passou a ameaçar as mulheres, que pediram auxílio a um taxista que estava nas proximidades para retornarem ao trabalho em segurança.
“A gente ficou com medo. Isso gerou um pânico, pensamos que teríamos que sumir porque ele marcou a nossa cara”, explica a vítima de 29 anos. “Fiquei com um pouco de medo por um bom tempo de andar na rua”, aponta, completando que nunca havia passado por uma situação como essa. “Foi desesperador. A gente se sente muito vulnerável.”
Casos de importunação sexual ocorrem há meses
Apesar dos episódios envolvendo o suspeito terem vindo à tona recentemente, há relatos de casos que ocorreram há meses. Um desses aconteceu em junho de 2022, com uma vítima de 20 anos que, na época, tinha 19. Moradora de Bicas, ela vinha todos os dias para Juiz de Fora para fazer um estágio com sua amiga, de 18 anos. Saindo da Praça da Estação em direção à Avenida Rio Branco, elas costumavam passar pela Rua São João Nepomuceno, no Centro.
Em um desses dias, por volta de 7h da manhã, seu celular caiu no chão e, ao abaixar para pegá-lo, a amiga segurou sua nuca e a alertou para não olhar para a frente. Sem entender o que estava acontecendo, a vítima acabou virando a cabeça para olhar e se deparou com a cena e o homem que seria o mesmo suspeito, encostado no muro do Cine Theatro Central, se masturbando enquanto olhava para as jovens. “Eu percebi o que ele estava fazendo e nós subimos a rua muito chocadas com o que tinha acabado de acontecer”, diz.
De acordo com a jovem, as vítimas ficaram com medo de formalizar uma denúncia junto aos órgãos de segurança. “A gente passa por aquele caminho para subir para o escritório”, conta. “Ficamos com medo de fazer a denúncia, ele reconhecer a gente e tentar fazer alguma coisa ainda pior. Mas agora estamos vendo que ele não parou com isso, ele continua assediando outras mulheres”, diz, acrescentando que ainda tem receio de encontrá-lo. “É uma sensação muito esquisita, porque eu sei que se eu encontrá-lo de novo e estiver sozinha, vou me sentir muito vulnerável. Tenho medo dele lembrar do meu rosto.”
Questionada sobre os relatos feitos pelas mulheres em relação ao suspeito, a PM informou que não houve registro de ocorrências nas circunstâncias citadas, reforçando a necessidade de as vítimas denunciarem a situação para que haja investigação pela Polícia Civil.
Crime com pena de até cinco anos de reclusão
Este tipo de ação – expor os órgãos sexuais e se masturbar diante das vítimas – se configura como crime de importunação sexual, previsto no artigo 215-A do Código Penal, de acordo com a titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, Danielle Alves Ribeiro. A legislação prevê como importunação sexual “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”, com pena de um a cinco anos de reclusão, se o ato não constituir crime mais grave.
Uma cantada vulgar e não desejada e um beijo forçado podem configurar este tipo de crime. Em casos mais graves, quando há, por exemplo, estupro, a pena é ainda maior.
É importante ressaltar que não precisa ter contato físico para ter importunação sexual, basta que aconteça algum ato libidinoso que está atentando contra a dignidade sexual de alguém”, explica a delegada.
Em Juiz de Fora, os crimes de importunação sexual apresentaram crescimento significativo no último ano. De acordo com dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp-MG), em 2021, Juiz de Fora registrou 59 casos. Já em 2022, o número subiu para 89, o que representa um aumento de 50,8%.
De acordo com a delegada Danielle Ribeiro, há um conceito no Direito chamado “cifra negra”, que representa casos que acontecem, mas que não são denunciados por medo por parte das vítimas. Dessa forma, o número de ocorrências pode ser ainda maior. “Nós orientamos fazer o boletim de ocorrência o mais rápido possível. Procure a Delegacia de Mulheres ou uma delegacia mais próxima do seu bairro”, diz.
A delegada acrescenta: “explique seu caso, preste o seu depoimento, porque para o crime de importunação sexual nós instauramos um inquérito, abrimos uma investigação, as partes vão ser ouvidas, e serão ouvidas as testemunhas. Não tem problema se não tiver testemunha, porque a palavra da vítima tem um peso significativo nesses casos, já que esses tipos de crimes, muitas vezes, não são cometidos perto de outras pessoas.”
Denúncias colaboram para investigações
Conforme a delegada, a partir do depoimento da vítima, a Polícia Civil dá prosseguimento às investigações para serem encaminhadas à Justiça. Em casos de flagrantes, o suspeito pode ser preso no momento.
“(O flagrante ocorre) quando a vítima está sofrendo a infração penal, acaba de sofrer, é perseguida logo após; ou quando o suspeito é encontrado com objetos do crime”, explica. “Se a pessoa sofreu um ato de importunação sexual, foi pra casa porque ficou transtornada – o que acontece, já que, na maioria dos casos, ela vai refletir se tem condições ou não de prestar depoimentos (…) porque o constrangimento é muito grande. Ela pode, depois, procurar a delegacia para instaurarmos o procedimento.”
Como ressaltado, as investigações só são possíveis a partir das denúncias, bastando apenas a palavra da vítima. “Caso possível, se a pessoa conseguir coletar fotos, gravações, imagens, documentos, testemunhas – o que você tiver -, sempre vai enriquecer a nossa investigação. Mas é importante não se calar”, diz a delegada. “Não podemos deixar esses casos impunes.”
Além dos postos da Polícia Militar e das delegacias da Polícia Civil, os crimes de violência sexual podem ser denunciados por meio do 180, número da Central de Atendimento à Mulher. A Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher também atende esse tipo de caso e funciona no segundo andar do Shopping Santa Cruz, na Rua Jarbas de Lery Santos 1655, das 8h30 ao meio-dia e das 14h às 18h.
Quase 30% das brasileiras foram vítimas de violência
A pesquisa “Visível e Invisível?: A Vitimização de Mulheres no Brasil”, feita pelo Datafolha a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e divulgada na última quinta-feira (2), mostra que, nos últimos 12 meses, 28,9% das mulheres relataram ter sido vítima de algum tipo de violência ou agressão – a maior prevalência já verificada na série histórica. Em 2021, o percentual foi de 24,4%.
O levantamento também questionou as entrevistadas sobre as atitudes tomadas em relação às agressões mais graves sofridas no último ano, e a maioria (45%) informou que “não fez nada”. Em um segundo momento, a sondagem perguntou os motivos para não buscarem ajuda com as instituições policiais. Dentre as respostas disponíveis, 38% afirmaram terem resolvido a questão sozinhas, 21,3% não acreditam que a polícia pudesse oferecer solução para o problema, e 14,4% destacaram a falta de provas para tal.