O primeiro dia de prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), realizado no domingo (5), foi marcado pela expectativa sobre o tema da redação e a realização das provas de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias, disciplinas que apareceram pela primeira vez no mesmo dia de prova após mudanças instituídas pelo Ministério da Educação (MEC) neste ano. Segundo professores consultados pela Tribuna, o exame seguiu o modelo adotado nos últimos anos e pode ser considerado mais exigente. No entanto, apesar dos relatos de surpresa sobre o tema da redação, eles acreditam que os alunos bem preparados não tiveram problemas com os conteúdos das provas.
A discussão acerca de um modelo conteudista do Enem estava em voga nos últimos dias e foi confirmada pelas provas deste domingo. Segundo o professor de Sociologia e Filosofia do Colégio Equipe, Matheus Gomes, o exame passou a exigir conhecimentos com relação aos conteúdos do Ensino Médio em 2011. “A partir do momento em que o exame passou a ser utilizado para entrar no Ensino Superior, ele mudou. Esse conteudismo aparece em questões mais fragmentadas na prova, mas o conteúdo não é muito complexo, e a prova depende da resolução de problemas. Embora algumas questões exijam conteúdos mais profundos, isso não impede o candidato de resolvê-las, porque ele pode partir para uma interpretação pessoal e usar outros elementos de conhecimento para responder.”
Após a realização do exame, o comentário era de que, neste ano, a prova foi mais exigente. Para o professor, em comparação com a prova do ano passado, os inscritos podem ter tido, de fato, essa impressão. No entanto, tudo depende da preparação. “Se os alunos não estão preparados para um novo tipo de prova, ela se torna difícil. O Enem está mudando seu parâmetro de avaliação, então é normal que essa sensação aconteça. Percebemos ainda que, além dessa questão do conteúdo, nesta prova, especificamente, algumas questões causavam interpretações dúbias, o que causa dificuldade”, pontua.
Dificuldade
Outro fator que pode ter contribuído para essa percepção é a disposição dos conteúdos relacionados à área de Humanas todos juntos. Conhecidas por apresentarem textos extensos e, por vezes, cansativos, as disciplinas conferiram maior grau de dificuldade ao exame, na opinião do professor. “As disciplinas de Linguagens, Ciências Humanas e a redação exigem mais concentração e profundidade, para as quais os candidatos podem não estar preparados. Em uma prova dessa magnitude, há pouco tempo para analisar questões profundas.”
“Esse tema dá visibilidade à causa surda de fato, porque a inclusão pura e simples não funciona para o sujeito surdo”, Lúcia Helena Tosetti, professora do atendimento educacional especializado para alunos surdos da PJF
Apesar das pequenas variações, o professor Matheus Gomes considera que o Enem seguiu métodos tradicionais que já vem adotando nos últimos anos. De acordo com ele, a expectativa é que, nas provas de Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Matemática e suas Tecnologias, o mesmo parâmetro de avaliação e grau de dificuldade com relação aos últimos anos sejam mantidos.
Falta de preparo pode diminuir notas da redação
Muitos candidatos consideraram o tema “Desafios da formação educacional de surdos no Brasil” uma surpresa. Porém, para a professora de Português e Redação do Ensino Médio do Colégio Academia, Priscila Maini Pinto, o que causou espanto entre os candidatos foi a particularização do tema em uma minoria específica, no caso, os surdos. Mas tanto a inclusão como a educação eram assuntos cotados para a redação.
“Houve uma particularização com relação à questão dos surdos, mas a questão da inclusão não foi uma surpresa. Mas nem a ideia de particularizar o tema é uma novidade no Enem. Quando se diz acerca da persistência da violência contra a mulher, já é uma especificação grande. Quando o tema foi a publicidade infantil, é outro exemplo. Achei o tema muito feliz, e justamente por manter essa referência aos surdos foi excepcional, pois auxilia no processo de alteridade e coletivo”, pontua.
“Achei o tema muito feliz e, justamente, por manter essa referência aos surdos, foi excepcional, pois auxilia no processo de alteridade e coletivo”, Priscila Maini Pinto, professora de Português e Redação do Ensino Médio do Colégio Academia
Priscila acredita que a falta de preparação pode interferir nas notas dos candidatos, tanto com relação ao tema como ao treinamento da escrita ao longo do ano. “Acredito que o aluno que foi fazer a prova inseguro e não teve uma preparação adequada e não tinha treinado para isso vai ter uma nota bem baixa, o que pode contribuir, inclusive, para diminuir as notas de forma geral, principalmente porque o aluno que se assustou com a particularização pode ter tangenciado o tema, permanecendo focado na generalização das deficiências como um todo, sem apontar para os dois elementos básicos obrigatórios na temática: a área educacional e a questão dos surdos.”
Tema dá visibilidade aos surdos
Para a professora do atendimento educacional especializado para alunos surdos da Prefeitura de Juiz de Fora, Lúcia Helena Tosetti, a proposta de redação auxilia no sentido de levar o debate sobre a educação dos alunos surdos para a sociedade, dando visibilidade à questão. “Esse tema dá visibilidade à causa surda de fato, porque a inclusão pura e simples não funciona para o sujeito surdo. Não basta colocá-lo na escola. O povo surdo luta pela educação bilíngue, pois a Língua Brasileira de Sinais (Libras) deve estar presente em todos os espaços da sociedade. Mas não é isso que acontece.”
Segundo Lúcia, o maior problema está nos primeiros anos da educação de um aluno surdo. “Na maioria das vezes, a família não tem conhecimento de Libras, porque 95% dos surdos têm pais ouvintes. A escola contrata um intérprete, o que não adianta nada, pois o próprio aluno não sabe Libras.” Além disso, há a questão dos docentes surdos, que poderiam colaborar nesse processo. De acordo com a professora, essas são só algumas das problemáticas que envolvem a educação dos surdos no país.
“É sempre um impasse quando um surdo entra no Ensino Superior ou até mesmo no ensino regular. Muitas vezes, há questionamentos sobre de quem é a responsabilidade de pagar o intérprete nas instituições privadas: dos pais ou das escolas. No ensino público, o ideal era que os professores fossem bilíngues para, só assim, repassar de forma didática o conhecimento das disciplinas. São questões já previstas no Plano Nacional de Educação, mas, na realidade, nada disso é cumprido”, lamenta.