O secretário especial de Direitos Humanos da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), Gabriel dos Santos Rocha, o Biel, e entidades de Juiz de Fora comentaram, na noite desta sexta-feira (6), o vídeo que circula nas redes sociais mostrando um homem intimidando e agredindo moradores em situação de rua. Pelo menos três pessoas passavam a madrugada de quinta embaixo de marquises na Rua Santo Antônio, no trecho entre a Avenida Itamar Franco e a Rua Rei Alberto, onde há lojas e restaurantes, no Centro, quando foram surpreendidas por um agressor. A cena foi gravada e compartilhada por diversos perfis de Juiz de Fora nas redes sociais, inclusive pelo padre Júlio Lancelotti, que tem um trabalho conhecido nacionalmente junto à população em situação de rua em São Paulo.
Com a legenda “Homem aparentemente sem motivo, desce de veículo e agride moradores de rua na Rua Santo Antônio na madrugada desta quinta”, uma postagem do vídeo no Instagram do perfil Eu Curto JF teve mais de 21 mil visualizações e mais de 300 comentários em menos de 24 horas. Pelas imagens, é possível perceber que o homem cruza a rua, segue na direção das pessoas abrigadas ali sob a marquise e aborda uma por uma, questionando de forma violenta: “Quem é que tá falando? É você?”, enquanto agride com empurrões e até desfere um tapa na cara de um dos moradores.
Na noite desta sexta, aPrefeitura publicou um vídeo do secretário Biel Rocha. “A Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), através da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), vem a público manifestar sua indignação, o seu repúdio a uma agressão sofrida por Wellington Rogério, pelo Mussunzinho e pelo Russinho que, na última quinta-feira, foram brutalmente agredidos por um cidadão em nossa cidade”, disse Biel. “O fato de estarem em situação de rua não justifica nenhum tipo de violência, nenhum tipo de agressão a essas pessoas”, ressaltou.
O secretário assegurou que a PJF, desde o primeiro momento, usou toda a estrutura de governo para acionar políticas públicas para atender essas pessoas, sujeitas de direitos. “Não admitimos em nossa cidade qualquer tipo de violência. Já buscamos contato com esses cidadãos, oferecemos os nossos acolhimentos e nossa estrutura de apoio”, garantiu.
De acordo com Biel, também estão sendo tomadas providências junto às polícias Civil e Militar, “para que garantam o direito dessas pessoas a permanecerem na rua”. O titular da SEDH complementou que, desde o ano passado, estão sendo construídas políticas públicas, por meio de um comitê formado por quem trabalha com a população em situação de rua, de forma a garantir acesso à saúde, educação, habitação e ao emprego. “Ampliamos nossos abrigos e as vagas de atendimento e acolhimento, e criamos estruturas emergenciais para enfrentar os períodos chuvosos.”
ONG Anjos da Rua lamenta agressão
Exposta a muitas violências, como essa divulgada no vídeo, e, ao mesmo tempo, temida por muitas pessoas, a população em situação de rua divide opiniões. Nas redes sociais, houve comentários de todos os tipos, alguns questionando se o agressor estaria drogado ou em surto psiquiátrico, e também muitos a favor dos moradores: “Esse pessoal que dorme na rua sofre dobrado: sofre pelo desconforto e miséria e sofre humilhações e agressões.” Em outra frase, um usuário diz: “Depois falam que moradores de rua que são agressivos.”
A coordenadora da ONG Anjos da Rua, Lúcia Moreira, disse ter ficado “muito chocada e triste” com o vídeo. “Vi, inclusive, porque o padre Júlio Lancellotti, lá de São Paulo, mandou para mim. Fiquei muito triste mesmo, porque os moradores em situação de rua vivem constantemente com medo.” Segundo ela, que trabalha há dez anos junto com um grupo de voluntários dando assistência a essa população, os moradores procuram sempre um lugar “seguro” para dormir, por onde passam mais pessoas e há mais iluminação, justamente para não sofrerem esse tipo de violência. “É muito lamentável. Por outro lado, também temos que ver o que realmente houve com esse cidadão (agressor), porque o mundo está muito doente, e as pessoas estão muito sem paciência. Realmente não sabemos o que houve. Mas os moradores são indefesos, não têm a Justiça e a política a favor deles.”
Após tomar conhecimento do caso, Lúcia contou ter ido com outros voluntários até o local, na Rua Santo Antônio, na tentativa de localizar as vítimas de agressão. “Ficamos bem consternados com isso, e ontem mesmo fomos até lá tentar conversar com os moradores, mas eles já não estavam lá mais. Mas sabemos quem são e estamos aqui para apoiá-los.”
A ONG Anjos da Rua desenvolve trabalho para ajudar essa população, famílias em vulnerabilidade social e crianças carentes. Segundo a coordenadora, todas as segundas-feiras os voluntários saem às ruas para partilhar e oferecer um pouco de conforto aos moradores em situação de rua. “Levamos roupa, comida, água, chinelo, muito bate-papo. Tentamos, ao máximo, que tenham dignidade, que voltem para a realidade deles e para a família.”
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Pernoite na porta de estabelecimentos
Muitos moradores em situação de rua optam por passar as noites nas portas de estabelecimentos comerciais, sobretudo de bares e restaurantes. Embora isso represente incômodo para alguns comerciantes, enquanto outros se sensibilizam, a presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel/Zona da Mata), Francele Galil, defende que atos de ofensa e agressão como os que aparecem no vídeo jamais devem ser permitidos.
“É importante ressaltar que não apoiamos qualquer tipo de ato violento. A situação de vulnerabilidade desses moradores é algo que realmente nos preocupa, inclusive já foi abordada junto ao poder público, para que se crie políticas de melhoria.” Ainda conforme Francele, o maior transtorno causado por aqueles que pernoitam em frente aos estabelecimentos acontece pela manhã. “No dia seguinte eles saem do espaço, mas ficam alguns resquícios, como fezes, urina, restos de comida e, em algumas vezes, até roupas e cobertores.”
Nesse sentido, ela avalia que a permanência da população em situação de rua nesses locais pode dar “mão de obra” para alguns empresários, quando esses chegam para iniciar suas atividades. “Principalmente pelo fato de lidarmos com alimentação, essa questão da (falta de) higienização é muito complicada. Temos que lavar o local, porque o cheiro de urina permanece impregnado nas redondezas. Isso causa um transtorno muito grande. Mas a violência é inaceitável em qualquer circunstância, em relação a qualquer cidadão. Nós não vamos, jamais, concordar com algo dessa natureza.”