A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) abortou a intenção de instalar um trenó de montanha no Jardim Botânico. No último dia 2 de dezembro de 2021, a instituição tentou leiloar o equipamento, disponibilizado por um preço inicial de R$ 1.605.184,19. Não surgiram interessados, todavia. Segundo a UFJF, o trenó foi adquirido em 1º de setembro de 2013, por € 284.818,19 (euros). Na cotação da época, o custo do equipamento foi de cerca de R$ 889 mil. No preço atual, o mesmo valor em euros chegaria a R$ 1,74 milhão. Os custos com o projeto, no entanto, podem ser maiores, conforme relatório final da comissão de sindicância investigativa instaurada pela UFJF em novembro de 2017.
A sindicância foi instaurada para apurar e analisar os dados orçamentários e financeiros relativos ao contrato de número 192/2012, firmado pela UFJF com a Topus Construtora S.A, para a instalação de equipamentos de lazer no Jardim Botânico. Além do trenó da montanha, o contrato assinado, em 2013, previa a instalação de um teleférico no local. Até hoje, os dois objetivos não saíram do papel. Sobre o trenó da montanha, o relatório final mostra que as despesas podem ser ainda maiores do que a informada pela universidade, considerando, além dos custos de aquisição do equipamento, gastos com o projeto executivo e de importação.
“O valor total dos equipamentos para o Teleférico e o Trenó de Montanha, já incluídos gastos relativos aos projetos executivos e despesas de importação, estariam avaliados em reais, pelas cotações para o Euro e Franco Suíço do dia 18 de setembro de 2013, em R$ 7.725.357,75”, diz o relatório final da sindicância, conforme documentos obtidos pela Tribuna e relacionados a um processo movido pela Topus Construtora S.A., que busca na Justiça a rescisão do contrato e uma indenização por parte da UFJF.
O mesmo documento aponta que, em setembro de 2013, as despesas com o trenó de montanha chegavam a R$ 2.171.360,25. Corrigido pela inflação, com base no IPCA, calculado pelo IBGE, este valor correspondia a R$ 3.566.567,78 no final de 2021.
O relatório final da comissão de sindicância aponta que três ordens de compra compõem as despesas com o trenó de montanha, a OC 002/2013, no valor de € 257.195,30 (euros), referentes à compra do equipamento (valor que difere, para menos, do informado pela UFJF); a OC 003/201, de € 257.195,30 (euros), referentes ao projeto executivo; e a OC 006/2013, de € 207.199,39 (euros), referente à despesas de importação do trenó de montanha.
‘Projeto equivocado’
A reportagem questionou à UFJF sobre o total de gastos constantes no documento, a universidade pontuou que alguns valores “não se referem a equipamentos, mas a estudos e desenhos de montagem do equipamento levando-se em consideração a topografia e a flora do local”. “Não há condições técnicas nem ambientais para sua instalação. Foi equivocado o projeto e, por colocar em risco ambiental a flora e a fauna do Jardim, o Consu autorizou o fim do projeto, com o desfazimento (venda) dos equipamentos adquiridos”, diz a instituição.
Construtora quer rescisão do contrato e indenização de R$ 5 milhões
O contrato firmado entre a instituição e a Topus Construtora S/A foi assinado ainda na gestão do ex-reitor Henrique Duque, é objeto de ação cível proposta pela empreiteira. A ação tramita na 2ª Vara Federal de Juiz de Fora. A empresa pleiteia a rescisão contratual e indenização da UFJF por danos materiais na ordem de R$ 5 milhões.
Sem definição e sem a instalação dos equipamentos objeto do acordo entre as partes, os valores inicialmente previstos no contrato, somados a aditivos, chegaram a R$ 30.580.297,89. O Portal da Transparência do Governo federal aponta que, no contrato em questão, já foram repassados à Topus um total de R$ 12.850.990,90. Por e-mail, a Tribuna procurou a construtora para comentar o imbróglio judicial, mas não obteve retorno.
Venda foi aprovada em 2020 e novo leilão deve ser marcado
A UFJF afirma que as discussões sobre a instalação dos chamados “equipamentos de lazer” do Jardim Botânico têm sido tratadas há vários anos. Assim, algumas decisões já foram tomadas e aprovadas pelo Conselho Superior (Consu). “É o caso do chamado “trenó de montanha”, cujo desfazimento foi aprovado pela Resolução nº 54.2020, de 30 de outubro de 2020″, diz a universidade.
Para autorizar a alienação, a resolução cita avaliação realizada pelo Conselho Técnico do Jardim Botânico da UFJF. De acordo com o dispositivo, a análise considerou que “o equipamento é dispensável para as atividades e planos de Educação Ambiental vislumbradas pelo Jardim Botânico”.
Também foi apontado que a instalação do trenó “poderia causar impactos ambientais, especialmente sobre a fauna local”. Ainda foi considerado relatório sobre a viabilidade econômica e financeira apresentado pela Comissão de Análise de Viabilidade de Instalação do Teleférico e do Trenó de Montanha, instituída pela Portaria 1210, de 3 de agosto de 2018.
“A decisão de não instalação e o consequente desfazimento do equipamento baseou-se em parecer técnico da equipe técnica formada por especialistas do Jardim Botânico e que indicou que os impactos ambientais seriam negativos, prejudicando a fauna e flora do local (que é uma unidade de conservação e de pesquisa) com sérios riscos de acidentes”, reforça a UFJF, em nota encaminhada à reportagem. Segundo a UFJF, o equipamento está armazenado “sem custos”. em terreno próprio.
Novo leilão
Sem interessados na compra do trenó, uma revisão dos valores colocados para alienação podem ser feita. Assim, um novo leilão não está descartado.
“Como na primeira tentativa de venda não houve interessados, a Advocacia Geral da União, junto à UFJF, analisa o processo para orientar um novo leilão em data ainda por ser definida”. A universidade destaca que os valores mencionados acima referem-se à aquisição, pela UFJF, do equipamento. “Não estão aqui considerados eventuais valores referentes à possíveis obras de instalação, já que estas não existem”, pontua a nota.
Armazenado na Suíça, instalação de teleférico segue indefinida
Enquanto o trenó deve ser alienado em novo leilão ainda sem data definida, as cabines do teleférico já adquiridas permanecem, há sete anos, armazenados na Suíça. Em relação ao equipamento de lazer, a UFJF diz que os estudos de viabilidade técnica estão em fase de elaboração, e, só depois da conclusão deste relatório, o assunto será analisado pelo Consu, que tem o poder de decisão e de encaminhamento.
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A UFJF não informou possíveis valores gastos para manter o equipamento no país europeu, assim como aconteceu em questionamento feito pela Tribuna no fim de 2019. À época, a instituição disse que “só depois de vencida a questão judicial” haveria a possibilidade “de garantias institucionais para a importação”.
Cabe lembrar que, no âmbito do processo movido pelo Topus Construtora S.A., em junho de 2017, o juiz da 2ª Vara Federal, Marcelo Motta de Oliveira, concedeu tutela de urgência parcial favorável à Topus, suspendendo as obrigações da empresa em importar as cabines do teleférico. Conforme a decisão, a UFJF passou a ser responsável pelas “despesas e encargos decorrentes da manutenção do bem adquirido e armazenado junto ao fabricante; cabendo-lhe decidir e executar as medidas necessárias para sua guarda ou conservação; ou, ainda, proceder sua alienação ou importação”.
A instituição impetrou agravo de instrumento contra a decisão, mas o recurso ainda não foi julgado. “As estruturas do teleférico já fabricadas, e enviadas ao Brasil, se encontram depositadas no Campus. Como há uma questão judicial, com os serviços paralisados, algumas estruturas, ou componentes do sistema, não saíram da fábrica na Suíça ou não entraram em produção”, afirmou a universidade, nesta semana.
Obras inacabadas
Questionada pela Tribuna, a UFJF se posicionou sobre as obras já iniciadas que permanecem inacabadas. “Houve o início de uma montagem do sistema, com algumas obras de infraestrutura (postes da linha de transporte, estações, etc.). Porém, pelas razões constantes do processo, o serviço está parado, sub judice e em avaliação interna, analisando-se os possíveis impactos ambientais sobre a flora, fauna e até mesmo da paisagem do Jardim e da cidade”, diz a instituição.
Assim, ao contrário do trenó de montanha, a UFJF ainda não descarta uma possível instalação do teleférico. “Caso se conclua que há viabilidade técnica, sem o risco de causar danos ao Jardim Botânico, sua flora e fauna, e se possa contar com recursos orçamentários capazes de cobrir as despesas para execução da obra, pode-se optar por dar continuidade à instalação dos equipamentos e com isso, aproveitar toda a infraestrutura já iniciada”.