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Flagrante aponta exploração irregular de frota de táxi em JF

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Taxistas de Juiz de Fora só são autorizados por lei a ter um veículo por pessoa em circulação na praça. No entanto, um provável esquema foi flagrado pela Tribuna, no qual uma única pessoa ficaria com parte dos lucros das corridas de vários condutores. A filmagem mostra um homem recebendo dinheiro de motoristas de oito veículos diferentes em menos de uma hora. O acerto é feito abertamente em área pública, podendo ser visto por qualquer pessoa, já que não há preocupação nem mesmo com o uso do uniforme. Todos aparecem com a camisa de taxista. O velho esquema envolvendo permissionários – entre eles há os que foram contemplados na licitação 007/2014 – havia sido denunciado pela Tribuna em reportagem especial publicada no mês passado. Na ocasião, a Settra minimizou o problema e representantes das entidades alegaram ausência de provas. Desde o ano passado, o jornal investiga a ação de financiadores na compra de veículos em troca do compartilhamento do uso do carro e do aluguel do táxi. Segundo o edital do último concurso público, “é terminantemente vedado transferir a permissão outorgada, sob qualquer argumento ou circunstância”.

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O flagrante do acerto junto ao gerente do negócio aconteceu no meio do pátio de um posto de combustíveis localizado na área central. No local, um homem que possivelmente trabalha para o dono da frota que alugaria mais de 20 táxis recebe o dinheiro de cada motorista em uma mesa que fica dentro do estabelecimento, onde as quantias entregues são conferidas.

Em menos de uma hora, reportagem flagrou acerto de pelo menos oito motoristas com um homem que também utilizava uniforme de taxistas

A mesa da lanchonete anexa ao posto foi transformada em escritório pelo responsável por receber e conferir o dinheiro. Com tranquilidade, o homem mantém sobre a superfície um caderno com anotações e, quando cada motorista se aproxima, a rotina se repete: o recurso é entregue junto com um pedaço de papel com anotações relacionadas à quilometragem percorrida durante o expediente. Após conferência, o dinheiro é colocado no bolso da camisa que ele usa e, por sinal, é o uniforme dos taxistas de Juiz de Fora. Embora a reportagem tenha flagrado, com uma câmera escondida, oito acertos, outros mais foram feitos. Isso porque, em algumas ocasiões, o homem foi até os veículos, estacionados do outro lado do posto. Outro detalhe é que ele não age sozinho. Durante a apuração do jornal, foi constatado que ele está sempre acompanhado de pelo menos outras duas pessoas, sendo uma, também, com o uniforme dos taxistas. A outra seria o “dono” dos carros. Fato é que o movimento é intenso e se repete dia após dia, e acertos semelhantes são feitos em outros postos da cidade. Um homem com 20 carros tira livre, por dia, R$ 1.600. Por mês, o faturamento chega a cerca de R$ 50 mil.

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Settra diz que todas as denúncias serão apuradas

Na última reportagem feita pela Tribuna, a terceirização foi levantada a partir da investigação de notas fiscais referentes a compra dos veículos. Elas mostram que carros no valor de R$ 45 mil a R$ 105 mil, por exemplo, foram adquiridos à vista por pessoas sem rendimento compatível com a aquisição e que admitiram não ter declarado o bem à Receita Federal. A prática, chamada equivocadamente de “consórcio”, consiste na compra do carro que será utilizado como táxi por alguém que não participou da disputa, mas com dinheiro suficiente para investir na aquisição do veículo. Em troca, o permissionário vencedor da licitação divide com o “investidor” o lucro das corridas, paga aluguel para o comprador ou “cede” para ele a exploração do serviço durante alguns dias da semana, geralmente aqueles com maior movimentação de passageiros, embora a cessão da permissão só possa ser feita pela Prefeitura.

Na ocasião, a Settra afirmou desconhecer a terceirização, dizendo ainda não ver crime no financiamento dos veículos por terceiros. Para a secretaria, o carro está em nome de quem participou da licitação o que daria um caráter de legalidade. “Esse terceiro entra no processo apenas como um financiador da aquisição do carro. Não existe documentação legal ou oficial que o resguarde quanto à propriedade desse veículo. Então, nesse caso, a Settra não tem o que fazer, porque esse financiador funciona como um banco. Talvez aquele permissionário não tivesse crédito para comprar o veículo através de um banco e recorreu a um financiador particular. No processo licitatório, em geral, não existe nenhuma forma de o poder público exigir comprovante de renda. A lei não prevê que se possa solicitar a declaração de imposto de renda como parte integrante do processo licitatório.”

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Diante das novas evidências, o secretário de Transporte e Trânsito, Rodrigo Tortoriello, informou que todas as denúncias serão apuradas pela Comissão de Inquérito do Táxi, cuja formação é multidisciplinar e inclui representantes da Polícia Civil, Polícia Militar, sindicatos do setor e funcionários da Settra. A comissão foi criada pela Prefeitura no mandato passado. Uma das investigações conduzidas pela comissão foi exatamente a do aluguel de carros por um permissionário. Na apuração, constatou-se a existência de contrato registrado em cartório. “Ele (o permissionário) foi autuado, porque a primeira penalidade não é a extinção da permissão, mas a autuação. Isso foi ano passado. Todos os processos analisados pela comissão são públicos e, para chegar na comissão, a denúncia tem que ser formal ainda que anônima. O nome do denunciante é protegido”, explicou Tortoriello.

Metade dos táxis ainda não instalou a biometria

“Embora a lei municipal proíba a Uber, o TJMG me impede de aplicar essa lei. O mesmo Tribunal que me mandou cassar todas as placas de táxi que não passaram por processo licitatório autoriza que uma empresa sem cadastro no município, que não paga um centavo de imposto, utilize as vias da cidade, mantidas com o dinheiro do IPTU , para ganhar dinheiro”. Rodrigo Tortoriello, secretário de Transportes e Trânsito

Um dos facilitadores para a permanência das fraudes pode ser o descumprimento no uso da biometria. Mais da metade das 640 táxis em circulação nas ruas de Juiz de Fora ainda não instalaram o equipamento que visa, exatamente, a exercer maior controle sobre a atividade. A biometria já deveria estar em uso desde o final do ano passado. De acordo com o secretário de Transporte e Trânsito, Rodrigo Tortoriello, a Settra não tinha empresa que conseguisse preencher todos os requisitos, homologar todos os equipamentos, desenvolver todo o sistema e entregar para a secretaria. Isso resultou no adiamento do início da cobrança da biometria que começou a ser feito agora.

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Pelas regras, a biometria deveria ser instalada até 90 dias após a publicação da assinatura do contrato. A data final era 31 de outubro. “Como não tinha fornecedor, como ia fazer uma cobrança de algo que não tinha?”, questionou o secretário que afirma: a fiscalização já foi iniciada. “Os permissionários que ainda não instalaram o equipamento serão notificados pela Settra, podendo inclusive ser penalizados e até mesmo perder a concessão, de acordo com as normas do edital”, explicou. Até agora, 30 táxis já foram notificados pela ausência do equipamento.

Taxistas reclamam de endividamento e de concorrência com a Uber

A terceirização não é o único problema enfrentado pela categoria. Taxistas contemplados pelo último concurso público estão cogitando devolver a concessão ao município por não terem condição de honrar com as parcelas dos veículos financiados e até com o pagamento dos R$ 20 mil exigidos pela Prefeitura, valor que foi dividido pela administração municipal. A principal reclamação é o endividamento na compra do veículo zero e a drástica redução das corridas, em função da circulação da Uber.

“Está muito difícil honrar com as parcelas do carro e também as exigidas pela Prefeitura. A minha prestação é mais de R$ 2 mil por mês. Se eu não conseguir pagar, vou devolver a ‘placa’ e ficar com o nome sujo”, lamenta um permissionário que se queixa da falta de clientes. “Estamos parados nos pontos”, diz ele, que prefere não ser identificado. A Settra informa que, até o momento, nenhuma permissão foi devolvida, mas reconhece as dificuldades no setor.

“Com a questão da Uber, a concorrência ficou extremamente desleal para os taxistas. Os pontos estão cheios. No entanto, atualmente, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) me impede de fazer qualquer fiscalização em relação à Uber, um serviço que, teoricamente, em um primeiro momento, trouxe a concorrência, despertando os taxistas para a questão da qualidade. Embora a lei municipal proíba a Uber, o TJMG me impede de aplicar essa lei. O mesmo Tribunal que me mandou cassar todas as placas de táxi que não passaram por processo licitatório autoriza que uma empresa sem cadastro no município, que não paga um centavo de imposto, utilize as vias da cidade, mantidas com o dinheiro do IPTU , para ganhar dinheiro. A Uber não paga um centavo em Juiz de Fora ou para qualquer municipalidade. E o TJMG me tira o poder de fiscalização sobre uma coisa que a Constituição determina que é obrigação do município, ou seja, cuidar do transporte público individual e coletivo. Então, a decisão judicial cria um desequilíbrio em todo o sistema e gera isso aí que está acontecendo. A gente quer tentar arrumar uma solução”, analisa o secretário de Transporte e Trânsito, Rodrigo Tortoriello.

Belo Horizonte, por exemplo, adotou a regulamentação e esse pode ser um caminho a se pensar em Juiz de Fora para se criar condições menos discrepantes entre os táxis e outros transportes por aplicativos. A regularização obrigaria a Uber a pagar ISS ao município. “Só que a nossa lei municipal tem que mudar, porque ela proíbe o transporte para aplicativos que não sejam de táxi. Pode-se fazer uma emenda e alterar, isso se for o caminho que os taxistas queiram adotar conosco”, considera Tortoriello.

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