Em tempos em que a resistência é tão discutida, o Coletivo Marielle Franco, projeto de extensão da UFJF, incorpora o termo (inclusive na nomenclatura), com a realização do evento “Sororidade e Resistência – enfrentamento às violências contra a mulher na universidade”, das 14h às 21h, no anfiteatro Christiano Degwert, na Faculdade de Engenharia. A iniciativa traz a apresentação de diversas pesquisas com recortes variados sobre a temática, apresentação de documentário e manifestações artísticas de mulheres de diferentes expressões culturais. O seminário é aberto à comunidade e as inscrições podem ser feitas até o dia do evento, pelo link . Também será aceito o cadastro no local, estando a entrada sujeita à capacidade do anfiteatro.
Segundo a professora Carolina Bezerra, integrante do coletivo e uma das organizadoras, o encontro tem o objetivo de dar visibilidade ao assédio e outras violências contra mulheres nas universidades, tanto no âmbito local/regional, quanto no nacional, tarefa “extremamente desafiadora”, para ela, no atual momento político. “Precisamos pensar as discussões na perspectiva de defesa dos direitos humanos, de luta pela democracia e de luta pela defesa dos direitos das mulheres. Penso que as mulheres são aquelas que primeiramente serão alvo, a partir deste discurso racista, machista e homofóbico que está se configurando dentro de um setor e grupo político da sociedade brasileira. Discutir assédio é discutir o papel da mulher na sociedade contemporânea neste contexto político. “Uma das grandes atrações do evento é Anielle Franco, irmã da vereadora Marielle Franco, discutindo “O que a Maré nos ensinou” em uma mesa-redonda. A programação completa pode ser conferida no evento vinculado à página do coletivo no Facebook.
‘Basta ser mulher para ter uma história de assédio para contar’
Durante a tarde, o documentário “Precisamos falar do assédio (2016)”, dirigido por Paula Sacchetta, será exibido, seguido de bate-papo com a diretora. O filme é resultado de um experimento social realizado nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Uma van-estúdio estacionou em nove locais para coletar depoimentos voluntários de mulheres que tivessem sido vítimas de algum tipo de assédio. Ao todo, foram 140 relatos de mulheres com idades variando de 15 a 84 anos, de zonas nobres ou periferias das duas cidades, que nada têm em comum além de terem sofrido alguma violência. “Como documentarista, falo das coisas feias da sociedade para poder mudar alguma coisa, acredito muito no documentário como arma de transformação do mundo”, pontua ela, que já abordou em seus filmes a Comissão da Verdade e o sistema penitenciário. “Mas sempre me acho ‘mais profissional’ do que sou, e depois lido com as conseqüências disso. Neste trabalho, as mulheres ficaram 100% sozinhas na filmagem, com alguém controlando a imagem muda e as ondas de som do lado de fora. Ver aquelas mulheres chorando sem saber o que estavam dizendo foi desesperador e é claro que, depois dos depoimentos, a gente dava algum acolhimento, de alguma forma. Como mulher e como diretora, lidar com tanta dor me impactou muito.”
Segundo a diretora, os relatos são os mais variados possíveis e mostram que a violência de gênero contra a mulher, embora seja agravada por recortes sociais, de raça, de orientação sexual, entre outros, atinge a todas nós. “Claro que existem mulheres em situação de muito mais vulnerabilidade do que outras. Mas basta ser mulher para ter uma história de assédio para contar. Vivemos uma cultura que permite a violação dos nossos corpos generalizadamente. Lembro-me de quando as mulheres que deram depoimentos assistiram ao filme, houve uma sensação dupla, de decepção, por ver que fazem parte de um contexto generalizado de violência, que ‘a grama da vizinha não é mais verde’, mas também de muito acolhimento e empatia, que vem da sensação de se reconhecer na dor da outra e se sentir fortalecida para dizer ‘não’, dizer ‘chega’. Porque não estamos sozinhas.”
Para Paula, apesar de ainda haver muito silenciamento sobre todos os tipos de abuso, existe, por outro lado, um movimento de nomeá-los. “Acho que um grande marco disso foram os movimentos #Meuprimeiroassédio e #Meuamigosecreto, em que centenas de milhares de postagens denunciaram vários tipos de agressão. A gente não falava sobre isso, não tinha coragem. Para você ter uma ideia, foi em uma destas campanhas que a minha própria mãe me contou sobre um assédio que ela sofreu. Por que será que ela não conseguiu me contar antes, por que nunca falamos com as mulheres próximas, até para contermos essa violência? Acho que hoje estamos mais unidas, com mais voz e mais força”, diz ela, que avalia encontros como o promovido pela UFJF essenciais. “A forma como nos constituímos como nação é extremamente violenta. Estávamos começando a ter avanços, e hoje há uma deslegitimação e desmonte mesmo de tudo que construímos no sentido de assegurar direitos e a própria existência de tudo que não é hétero, branco, cisgênero e classe média alta. Precisamos destes espaços fortalecedores, para pensarmos coletivamente, promovermos debates e assegurarmos nossa existência e resistência.”