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Um retrato claro de como a sociedade lida com pessoas gordas

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Guilherme Sobota AE

Americana conta, em autobiografia, que comeu para engordar até ficar indesejável após sofrer um estupro aos 12 anos. (Foto: Divulgação)

A história do corpo de Roxane Gay não é, segundo a própria, “de triunfo, mas é uma história que exige ser contada e merece ser ouvida”. O livro mais recente da escritora americana de 43 anos, “Fome: Uma autobiografia do (meu) corpo”, é presença em várias listas de melhores livros do ano no mundo anglófono. “Fome” saiu em junho em inglês e tem edição brasileira pela Globo Livros.

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Sua autobiografia é uma história brutalmente honesta sobre as relações que criou com o próprio corpo depois de ter sofrido um estupro quando tinha 12 anos de idade.

“Eu comecei a comer para mudar meu corpo. Fui obstinada. (…) Eu sabia que não conseguiria suportar outra violação daquele tipo e comia porque achava que se meu corpo se tornasse repulsivo, eu poderia manter os homens à distância”, escreve.

O livro é também um retrato claro de como a sociedade lida (muito mal) com pessoas gordas e como, para Roxane Gay, a gordofobia afeta muitas atividades triviais, como o fato de comprar roupas, embarcar num avião ou comer em público. “Gente como eu não pode comer essas coisas em público”, ela diz afirmar para uma amiga que lhe ofereceu um pacote de batatas fritas, certa ocasião. “Essa foi uma das coisas mais verdadeiras que já falei”, relata. Roxane Gay, autora, entre outros livros, do romance “Má feminista” e colaboradora de “The New York Times” e “The Guardian”, respondeu a algumas questões por e-mail.

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AE – Você diz no livro que não foi fácil escrevê-lo. Como foi a feitura dele?
Roxane Gay – Meu processo de escrita é muito similar. Eu gasto muito tempo pensando sobre o que quero e preciso dizer e então eu escrevo. Certamente, para “Fome”, eu fiz alguma pesquisa sobre obesidade nos EUA, como o establishment médico decide quem é “obeso” etc. Em termos de estrutura do livro, eu estava realmente impressionada com a brevidade do livro “Argonautas”, de Maggie Nelson, e como os capítulos eram tão curtos e poderosos. Em muitos dos capítulos em “Fome”, eu busquei uma brevidade semelhante. Não queria elaborar demais esse livro.

No livro, você menciona que, em algum ponto, você não estava em posição de encarar seu próprio privilégio, ou mesmo o fato de que você subestimava seu privilégio. O que você queria dizer exatamente? Você certamente nos contou muito sobre o que passou…
Quando você está sofrendo, é realmente difícil tomar conhecimento de que, mesmo com o sofrimento, ainda há alguns privilégios. Nos meus 20 e poucos anos, quando estava no fundo do poço emocionalmente, eu não tinha capacidade de tomar conhecimento do meu privilégio social ou educacional, e como esses privilégios sempre garantiram para mim uma rede de proteção, sem importar o quão ruim minha vida estava. Felizmente, quando fiquei mais velha e madura, fui capaz de reconhecer tanto os jeitos que sofri quanto os muitos privilégios dos quais me beneficiei.

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Enquanto escrevia o livro, você pensou sobre as reações que ele causaria para você, como escritora e ativista, especialmente nas redes sociais?
Sim. Normalmente, eu tento não pensar na audiência, mas, ao escrever tão intimamente sobre meu corpo, eu não poderia deixar de pensar em tanta vulnerabilidade na mão de estranhos. Era assustador imaginar isso e pensar na munição que daria aos trolls. Mas tentei não deixar esse medo me controlar. Eu precisava escrever esse livro e escrevi.

Como é uma pessoa muito ativa nas redes sociais, só posso imaginar o tanto de lixo que as pessoas dizem para você. Como lida com isso para não perder a sanidade?
Fica mais difícil conforme meu perfil público cresce. As pessoas são incrivelmente cruéis, e estou sempre impressionada com a profundidade dessa crueldade. Tento me lembrar de que essas pessoas estão usando palavras, que elas não me conhecem realmente, e que a crueldade delas é mais sobre elas do que sobre mim. É mais fácil falar do que fazer. Eu tenho um bom sistema de suporte na minha vida e sempre faço intervalos de redes sociais quando preciso.

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Você diz em outra entrevista que o sucesso não pode te proteger dos babacas nas ruas, ou das criancinhas malvadas que repetem merdas que ouvem dos pais. Você acredita que esse livro pode ser uma ferramenta para criar empatia?
Espero que o livro expanda a conversa sobre “fatness” (gordura) e dê coragem para as pessoas serem mais empáticas sobre como elas veem e tratam o corpo dos outros.

Você acredita que as acusações contra Harvey Weinstein, Kevin Spacey e tantos outros são apenas as primeiras? Quão longe você acha que esse tópico vai chegar? Deve se espalhar para outras áreas?
Acho que vamos continuar a ver mulheres e homens que foram atacados sexualmente virem a público. Vai levar muito tempo e não será um processo ordenado e agradável, mas eu acredito que um reconhecimento está acontecendo. Homens cometem a maior parte dos ataques sexuais. Se vamos abordar o problema, são os homens que devem aprender a se controlar. Não há nada que as mulheres possam fazer para interromper os homens de cometer ataques sexuais.

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