Pelé é sepultado em jazigo dourado em cerimônia restrita a familiares
Velório durou 24 horas, e cortejo fúnebre passou pelas ruas de Santos por cerca de três horas e meia antes do sepultamento
Após velório com 24 horas de duração na Vila Belmiro e cortejo fúnebre pelas ruas da cidade de Santos, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, foi sepultado no início da tarde desta terça-feira (3), no Memorial Necrópole Ecumênica, cemitério situado a 900 metros do estádio do Santos.
A cerimônia foi restrita a 140 pessoas, entre familiares e amigos próximos, e só aconteceu depois de um novo velório, mais curto e reservado também somente para a família, que não participou da marcha fúnebre e chegou cedo ao Memorial. A viúva Márcia Aoki foi a primeira a chegar.
O corpo do Rei do Futebol foi colocado em um jazigo dourado construído há quatro anos. Esse túmulo é personalizado, com uma foto do atleta em alto relevo, e permanecerá em um mausoléu no primeiro andar do edifício, homologado pelo Guinness Book, o livro dos recordes, como o cemitério mais alto do mundo.
O pai de Pelé, João Ramos do Nascimento, o Dondinho, que morreu em 1996, e o irmão, Jair Arantes do Nascimento, o Zoca, morto em 2020, também estão sepultados no mesmo cemitério, mas no nono andar. Eles estão em lóculos, uma espécie de gaveta que abriga os caixões.
Mas com Pelé foi diferente. Pepito Fornos, ex-assessor pessoal que acompanhou o Rei e amigo durante mais de cinco décadas, deu a ideia de alterar o planejamento e Pelé gostou da sugestão anos atrás.
Foi erguido, então, um mausoléu – monumento funerário grandioso – no primeiro piso do prédio, que é facilmente acessado por uma pequena rampa, para que o ídolo santista tivesse paz. No nono andar, a logística durante o sepultamento também seria consideravelmente mais complicada, bem como as visitas.
Pepito modificou outros detalhes, como a elaboração de uma nova cruz que Pelé usava em substituição a uma antiga. A administração do Memorial mantém boa relação com a família do Rei. Ele era amigo pessoal do idealizador do cemitério, o empresário argentino Pepe Altstut, que morreu em 2021 e era um conhecido apoiador do esporte.
“Paz espiritual e tranquilidade”
Além da boa relação com Altstut, Pelé escolheu ser enterrado no Memorial porque considerou que o local não se parece com um cemitério e transmite “paz espiritual e tranquilidade”. “A pessoa não se sente deprimida, sequer parece com um cemitério”, disse ele em entrevista ao Jornal A Tribuna, em 2003.
Wilson Simoninha foi convidado à cerimônia de sepultamento de Pelé. Seu pai, Wilson Simonal, era grande amigo do Rei. O cantor fez, inclusive, um megashow no Maracanãzinho em tributo ao milésimo gol do jogador em 1969.
“É nosso personagem mais importante. Pelé é a história”, disse ele ao Estadão. Simonal foi convidado para integrar a delegação da Copa do Mundo de 1970 e o artista comandou o espetáculo em que is jogadores celebraram o tricampeonato mundial.
“Pelé foi uma figura que fez parte da minha vida, desde a infância. Foram ótimas memórias. Representou muito e representa pra mim e para o Brasil. Viva Pelé. Pelé eterno”, exaltou o cantor.
A solenidade aconteceu sob o som do canto das araras e papagaios, já que 90% da área total de 40 mil m² é do cemitério, na encosta do morro do Marapé, é formada por reserva nativa e preservada de Mata Atlântica.
O cemitério é cercado de natureza nas áreas comuns, com pequenos lagos com carpas, patos, além do aviário com araras e outras espécies nativas da Mata Atlântica. No térreo, há um museu de automóveis antigos.
Rodeado por antigas casas e situado em frente a uma acanhada igreja evangélica, o cemitério também tem serviço de cremação, cinerário, ossário, mausoléu e tributum. O bairro residencial na encosta do morro do Marapé nunca havia recebido tanta gente.
A ideia, depois do enterro de Pelé, é que o Memorial se torne atração turística de Santos. O espaço será aberto ao público para visitas dias depois da cerimônia. A administração ainda não definiu as datas.
Ausência de atletas do penta e outros jogadores é sentida
O velório de Pelé atraiu mais de 200 mil pessoas na Vila Belmiro, em Santos, e mobilizou autoridades e personalidades do esportes. No entanto, nenhum dos principais jogadores da atualidade nem ex-jogadores pentacampeões mundiais foram pessoalmente à cerimônia dar o último adeus ao Rei.
Do grupo do tetra, apenas Mauro Silva marcou presença. Mas o ex-meio-campista é vice-presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF) e esteve representando a entidade que comanda o futebol paulista.
No Catar, onde acompanhou a Copa do Mundo, Kaká disse que os brasileiros, no geral, não valorizam os ídolos do esporte que Ronaldo, no Brasil, era “só um gordo andando pela rua”. No entanto, nem ele nem outro ex-jogador do penta foi ao velório, bem como a um evento organizado pela Conmebol durante o Mundial em homenagem ao Rei.
Ronaldo, Romário e Neymar foram ausências sentidas. Os três mandaram coroas de flores, mas os dois primeiros não explicaram porque não puderam estar na solenidade. Neymar, revelado pelo Santos, não pôde comparecer à Vila Belmiro, porque, segundo o pai do atleta, Neymar da Silva Santos, que o representou na solenidade, não foi liberado pelo PSG. O problema é que o clube, mais tarde, negou a não liberação.
Essas ausências, sobretudo dos principais nomes do penta, incluindo também Ronaldinho Gaúcho e Cafu, provocaram críticas aos ausentes e geraram estranhamento. Amigos, ex-atletas históricos do Santos e a família de Pelé não entenderam algumas das ausências.
Por outro lado, ídolos do Santos e companheiros de Pelé, como Manoel Maria, Clodoaldo, Lima, Lalá, e Aguinaldo, goleiro que carregou o Rei no colo quando ele anotou o seu milésimo gol, foram dar adeus ao amigo e se emocionaram. Outras figuras importantes do Santos, como Narciso, Leo, Elano, Zé Roberto e Serginho Chulapa foram se despedir do Rei. Chulapa, em particular, chorou muito. Zé Roberto carregou com Edinho, filho de Pelé, o caixão.
Atual técnico do Santos, Odair Hellmann também esteve presente, além do coordenador de futebol Paulo Roberto Falcão. Entre a madrugada e a manhã de terça-feira passaram pelo velório do Rei Pelé mais alguns ex-jogadores, entre eles Neto, Careca, Aranha e Marcelinho Carioca, todos que defenderam o Santos. “O que está acontecendo é muito pouco. As pessoas precisavam entender quem foi Pelé”, criticou Neto em depoimento à Santos TV.
Se faltaram atletas e ex-atletas de peso, sobraram autoridades importantes no velório do maior nome da história do futebol. Os presidentes da Fifa, Gianni Infantino, da Conmebol, Alejandro Domínguez, e da CBF, Ednaldo Rodrigues, além do ministro do STF, Gilmar Mendes, do governador do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e dos prefeitos da capital paulista, Ricardo Nunes, e de Santos, Rogério Santos, apareceram na Vila.
Infantino foi que mais exaltou o Rei e disse que a Fifa pedirá a todos os países-membros da entidade que batizem pelo menos um estádio em cada país com o nome de Pelé.
Presidente Lula
O presidente Lula chegou ao velório às 9h, acompanhado pela primeira-dama, Janja Silva, e pelo Ministro dos Portos e Aeroportos Márcio França (PSB). Algumas pessoas presentes no velório saudaram Lula e fizeram elogios a Janja. Lula percorreu o mesmo corredor especial de outras autoridades pela lateral do gramado em direção ao centro do campo onde está a estrutura principal montada para o velório. Logo após a chegada de Lula, foi iniciada uma breve missa católica. O presidente ficou no local até o fim da celebração e saiu sem falar com a imprensa.
Na segunda-feira, os súditos do Rei do Futebol enfrentaram filas de aproximadamente duas horas, além de um calor de mais de 30°C. Esta terça-feira, no entanto, teve clima mais ameno na cidade de Santos até o término do velório. Os termômetros marcavam 26°C.
O caixão com o corpo de Pelé saiu do gramado às 10h15 e foi colocado em cima do caminhão dos bombeiros às 10h19. Deixou a Vila Belmiro pelo portão 4, partindo às 10h25 para dar início ao cortejo fúnebre sob aplausos dos fãs.
A marcha fúnebre em Santos começou no canal 2, passou pelo canal 6, onde mora em condomínio de casas a mãe do Rei, Celeste Arantes, que recentemente completou 100 anos, e terminou no Memorial Necrópole Ecumênica.
O trajeto foi feito com escolta especial, incluindo batedores da Polícia Militar e do segundo Batalhão da Polícia do Exército. Sob um sol escaldante, os fãs não se importaram com o forte calor – fez mais de 30 graus em Santos – e gritaram repetidas vezes o nome de Pelé e algumas músicas alusivas ao Santos antes e assim que começou o cortejo.
Dona Celeste
No dia 20 de novembro, Dona Celeste completou 100 anos. Ela se mudou para Santos com o filho e a família em 1956. Uma de suas frases preferidas de Pelé sempre foi que Dona Celeste e Seu Dondinho, seu pai, o fizeram e jogaram a fórmula fora. Falava isso para dizer que ele era único, como se viu dentro de campo com a camisa do Santos e da seleção brasileira.
Sua mãe sempre esteve nos bastidores de sua vida e carreira. Discreta, dona Celeste nunca apareceu. Preferia quase que o anonimato não fosse o fato de ter o filho famoso. Uma das paixões de Pelé sempre foi reunir a família para grandes almoços aos domingos, com a presença da matriarca.
Com a idade avançada, Dona Celeste vive “em seu próprio mundinho” como explica a filha Maria Lúcia, que acredita que a mãe de alguma forma sabe da morte de Pelé. Nas vozes dos narradores esportivos do Brasil, ao longo da carreira de Pelé, Dona Celeste sempre foi uma espécie de mulher abençoada por ter dado ao futebol o melhor jogador de todos os tempos. Era a forma de agradecer a ela cada jogada genial do seu filho. Dona Celeste sempre cuidou da casa e ajudava no que podia também para sustentar os filhos.