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‘Gente que fez a Tribuna’: Kátia Dias, a paixão e as lutas

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De paixão e de lutas

Kátia Dias, editora da Tribuna entre 1981 e 2003

Kátia Dias fotografada na redação da Tribuna, em 1985, por Humberto Nicoline

Entre o sonho e a ousadia, a paixão e a obstinação, lá fomos nós, cheios de ideais, para um voo maior, sob as asas de dois visionários muito especiais, o jornalista Eloísio Furtado de Mendonça e o empresário Juracy de Azevedo Neves, com os quais convivi muito antes dos planos de “um novo jornal nas ideias e nos objetivos”. Participar da criação da Tribuna de Minas foi uma experiência que reforçou a certeza de que há sempre o bom combate a ser travado e que se engana imensamente quem pensa que, na arte e na cultura, as lutas são menores ou mais fáceis de serem encaradas.
Assumir o Caderno Dois aos 23 anos, já com uma bagagem de quatro anos como repórter no principal jornal da cidade até então, o Diário Mercantil, do lendário Assis Chateaubriand, foi uma verdadeira revolução pessoal e de trabalho, que trouxe ensinamentos diários sobre talento, criatividade, liderança e obstinação. Quatro décadas depois, a grande lição que fica pode ser traduzida nas palavras do duplo vencedor do Pulitzer, Walter Lippmann, ao colocar em uma única frase todo o ideário de uma redação: “Não há lei maior no jornalismo do que contar a verdade e envergonhar o diabo”.
A admiração por Lippmann veio muito antes de conhecer seus feitos como comentarista político e de guerra, talvez porque sua voz insista em ecoar sobre nós, os profissionais da informação, inspirando o papel da notícia na construção da democracia. E o que uma editora de cultura ao longo de um par de décadas saberia sobre isso? Simples, já que uma das primeiras matérias de capa do Caderno Dois resultou em um inquérito de Lei de Segurança Nacional ao registrar a opinião de Euro Arantes, um dos criadores do jornal “O Binômio – Sombra e Água Fresca”, uma espécie de “Pasquim” dos anos 1950, ambos sob o peso do humor e da crítica aos governantes.
Em meu tempo como editora do Dois, o arrebatamento pelas artes e pela memória de Juiz de Fora motivou importantes lutas nas páginas de cultura, transformando o destino de espaços vitais como o Cine-Theatro Central, a fábrica Bernardo Mascarenhas, a Capela Senhor do Passos da Santa Casa de Misericórdia, o Marco do Centenário de Juiz de Fora, os trevos das Quatro Estações e os cavalinhos do Edifício Club Juiz de Fora. Sem as bandeiras levantadas pelo Caderno Dois, em inúmeras sequências de reportagens, muitas dessas contendas se perderiam e, certamente, já estariam apagadas da história desta cidade.
Presenciar a efervescência dos anos 1980 e 1990, com o surgimento de autores, bandas, festivais, shows, grupos de teatro e de dança, assim como o período de 2000 a 2003, foi gratificante a ponto de cunhar a pessoa que hoje sou. Para isso, foi fundamental também assumir, em determinado ponto, os suplementos do jornal, que me proporcionaram ampliar os horizontes, conhecendo o Brasil de uma ponta a outra e realizando minha primeira viagem à Europa. O desafio de adentrar universos distintos, como o do Carro & Cia, permitiu o improvável, como uma viagem de balão no interior de São Paulo e me aventurar pela selva amazônica para chegar a uma aldeia indígena até então fechada à civilização.
Aprendi muito em 22 anos de Tribuna de Minas. Recordo com carinho e gratidão da confiança que me depositaram, particularmente o diretor Marcos Neves, para a participação em um leilão de artes plásticas, o primeiro que tive a oportunidade de presenciar. Diante do trabalho de grandes artistas brasileiros, como Tarsila do Amaral, Cícero Dias, Iberê Camargo, Aldemir Martins, o encanto foi tamanho que me deixei afetar pela atmosfera noir do antigo restaurante Padre Café, onde as obras eram apresentadas. O resultado foi que eu e a jornalista que me acompanhou, Izaura Rocha, incitadas pelo momento, levamos para casa alguns dos trabalhos sob o pregão do leiloeiro.
Como escrevi em prefácio para um querido amigo que conheci na Tribuna de Minas, o jornalista Geraldo Muanis, relembro aqui um tempo em que repórteres, fotógrafos, colunistas, editores faziam parte da distinta confraria do Quarto Poder. Os integrantes das equipes do Caderno Dois foram, e são, artífices de registros especiais na trajetória essencial da criação cultural diária, aquela que não se desvincula do peso das ações políticas.
Os equívocos e os acertos cotidianos resultam no futuro que acreditamos e que cunhamos ao usar a palavra como o arsenal indispensável à construção de um sonho. Essa lição, aprendi com Aílton Magioli, Bia Inhudes, Cláudia Nina, Denise Gonçalves, Fabiano Moreira, Gisele Simões, Gustavo Carvalho, Henrique Leal, Izaura Rocha, Jorge Sanglard, Júlio Coelho, Mônica Ribeiro, Tânia Heluey, Rodrigo Barbosa (autor da matéria com Euro Arantes), Rosa Lina Paiva, Walter Sebastião e Wendell Guiducci, entre tantos outros repórteres cujos nomes me fogem neste instante e que se tornaram, cada um a seu tempo, meus olhos, meus ouvidos e meu coração na percepção do Caderno e dos suplementos.

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