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‘Gente que fez a Tribuna’: Tairone Vale e a gravação bombástica

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O começo do fim da minha carreira

Tairone Vale, repórter da Tribuna entre 1999 e 2001

(Foto: Fernando Priamo)

Era o último dia de campanha das eleições em Juiz de Fora. A disputa estava acirrada entre os dois candidatos do segundo turno para prefeito, e eu, recém-formado em jornalismo, fui escalado para cobrir os últimos esforços de angariar votos de um dos pleiteantes ao cargo.
De todas as responsabilidades que já haviam sido atribuídas a este novato, esta pesava. Eu que, ainda em 1999, antes mesmo de pegar o canudo, já havia ingressado no caderno Boa Viagem da Tribuna para falar de turismo, logo fui escalado para a editoria de Política. Minha empolgante tarefa cotidiana era cobrir a Câmara de Vereadores. Mas neste dia, depois de quase dois anos na editoria, a missão era colar no tal candidato e narrar minuto a minuto do dia mais importante de toda sua campanha.
Cheguei cedo na casa do homem, acompanhei seu café da manhã, o “boa sorte” da família, a oração na grutinha da santa de devoção. Cada passo do sujeito anotado na minha caderneta. Antes de sair, porém, me puxou pelo braço, me levou para sua biblioteca e trancou a porta. Pediu para guardar a caneta e implorou sigilo para o que viria.
Abriu a gaveta enquanto falava o quanto admirava meu trabalho, que respeitava minha visão jornalística e que, só por isso, confiaria a mim seu segredo mais íntimo. E sacou um saquinho preto, bem amarrado e, dentro dele, um gravador. De fita, segundo a tecnologia disponível no século passado.
Cabe aqui uma breve pincelada do panorama político. Naquela época, qualquer candidato colecionava ameaças e denúncias, partidos fechavam conchavos duvidosos, negociações de cargos públicos eram comuns e todo político, sem exceção, tinha uma lista extensa de rivais. Muito diferente do democrático mar de rosas em que vivemos hoje.
Antes de dar o play, ele me explicou que teve acesso a uma gravação de seu principal desafeto, também candidato a prefeito em outra cidade, cujo nome não vou revelar aqui por questões éticas. E porque não lembro. Minha memória anda péssima.
O áudio era devastador. Aparentemente, a gravação havia sido feita na surdina e o tal desafeto se entregava. Ficava claro que ele estaria envolvido em uma negociata das grandes. Ele apertou o stop, me lançou um olhar selando o laço de confiança, e fomos para a carreata.
Dentro do carro, senti que uma bomba caiu no meu colo. Segui com a carreata, acompanhei almoço, anotei discurso, conversei com eleitores. Mas, na minha cabeça, a gravação ecoava. A coisa era séria. Me lembrei de todos os filmes de investigação jornalística com perseguição, ameaças, denúncias, heroísmo. Me senti como o estopim de um escândalo de proporções épicas. Naquela hora eu, com meus vinte e pouquíssimos anos, era Dustin Hoffman e Robert Redford juntos.
Era muita responsabilidade para mim guardar um segredo daqueles. Eu teria coragem de publicar? Eu estava em perigo? Meu editor e mentor era a pessoa certa para tomar a decisão junto comigo. Subi ofegante as escadas da redação, sentei na mesa do chefe e, antes que eu abrisse a boca, meu colega de editoria perguntou: “E aí? Ele te levou pra biblioteca? Te mostrou a gravação? Te pediu sigilo?”, e começou a rir. Meu editor riu. A redação riu. A moça do café riu. Eu ri, também. Amarelo. Foi o início do fim da minha carreira de repórter.

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