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‘Gente que fez a Tribuna’: as outras ideias de Mauro Morais

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Uma aula com Seu Max

Mauro Morais, repórter da Tribuna entre 2012 e 2021

A Rua Diva Garcia vista do alto é bem bonita. Mas onde estávamos era tão, mas tão alto, que o medo espreitava. Quando chegamos, sob o sol quente, no final daquela rua, a casa onde nos esperavam ficava muitos degraus abaixo do nível da rua. Uma escorregadela na escada de terra batida e a Diva Garcia se tornaria leito. A criança com o traquejo no subir e descer do dia a dia foi o que nos encorajou, fotógrafo e eu, a chegarmos até a residência de tijolos expostos e chão de terra. Seu Max nos esperava com um sorriso no rosto e alguma timidez. Há alguns dias da Páscoa, estávamos ali para traçar o perfil de um criador de coelhos. Os bichos, de muitas cores e muito bem cuidados, ficavam em grandes gaiolas quando não estavam a pular pelo terreno com cercas improvisadas. No lugar, além dos 23 coelhos, ainda cabiam 25 galinhas, 15 patos, quatro porquinhos-da-índia, dois cachorros e dois pintinhos. Na casa, de cozinha, quarto e banheiro, viviam o casal, quatro filhos adolescentes e três crianças, sobrinhos-netos que já chamavam Max de pai.

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A escassez era muita. E antiga. Seu Max somava, naquele já distante 2016, cinco décadas de vida, quatro delas trabalhando. Os pais se separaram logo cedo, e a família se partiu, com o irmão indo para a casa da avó e ele ficando com a mãe. Na vida, acabou aprendendo o que não deveria fazer, e, quando o sobrinho não deu mais conta de cuidar dos filhos, ele os adotou. Oferecer abrigo também era o que ele admirava nos coelhos, espécie cuja fêmea faz o ninho com os próprios pelos. Seu Max era assim e fazia o ninho da família com o que tinha. Contada por ele, a história sensível dos coelhos era a metáfora para a própria vida de Max. Os olhos se encheram de lágrimas. A voz embargou. Tirei do bolso a frágil noção de que o repórter deve se conter. Na Redação, e durante a escrita daquele perfil, não me contive e me emocionei seguidas vezes. Não era incomum que eu me levantasse durante a escrita de histórias como aquela para respirar fundo e me equilibrar diante de uma forte emoção.

Outras Ideias, a seção na qual retratei um pouco do gigantismo de Seu Max, foi uma sequência de aulas de jornalismo, de ética, de responsabilidade social, de dedicação, de generosidade e, sobretudo, de superação. E a superação não era percurso artificial perseguido, mas caminho natural, na compreensão de que minuto a minuto superamos algo, principalmente o tempo. Em pouco mais de cinco anos de existência da seção, que perfilava anônimos e não tão anônimos da cidade, conheci mais de duas centenas de pessoas e me reconheci em muitas delas.

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Falava do outro e falava de mim. Falava do Seu Max, de sua capacidade surpreendente de construir ninhos, e falava da alegria que tive ao encontrar tantos e tantos ninhos pela estrada, lugares que me aqueceram nos muitos dias frios que precisei enfrentar. Falava do Seu Max, de sua invisibilidade numa sociedade que segrega pela cor da pele e pelo peso do bolso, e falava de um jornalismo que se faz na fresta, subvertendo regras e apostando nas narrativas individuais como importante via para a construção da história coletiva. Falava da casa do Seu Max e falava de minha casa, das ruas e das casas onde morei, da Tribuna, onde trabalhei por oito anos. Tribuna que me ampliou a paisagem e me mostrou a Rua Diva Garcia, que vista do alto é bem bonita.

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