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Festival discute ativismo, desinformação e polarização

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Evento ocorreu na sede do Instituto dos Arquitetos do Brasil (Foto: José Cícero da Silva/Festival 3i)

As paredes centenárias do prédio que abriga a sede do Instituto dos Arquitetos do Brasil, no Rio de Janeiro, vibraram com ideias, debates, pensamentos e diálogos no último fim de semana, quando ocorreu o Festival 3i de Jornalismo. Os três “i”s que batizam o evento foram o horizonte das conversas: inovação, inspiração e independência. E os assuntos que mais afloraram ao longo das mais de 20 horas de discussão sobre os rumos da atividade jornalística giraram em torno de ativismo e polarização.

Articulado por oito veículos – Agência Pública, Nexo, Ponte, Lupa, Brio, Nova Escola, Repórter Brasil e Jota -, com apoio do Google News Lab, o Festival 3i propunha-se a debater a nova realidade em que o jornalismo está inserido, a partir de vários pontos de vista, desde modelos de gestão até novos formatos narrativos, passando por ativismo, política, engajamento e impactos na sociedade, entre outros aspectos. E foi o que fez.

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O primeiro dia de evento começou com a discussão sobre novas maneiras de gerir e financiar as empresas jornalísticas, estendeu-se sobre modelos de abordagem, narrativas, tecnologias e distribuição de conteúdos e teve Mariana Santos, portuguesa fundadora das Chicas Poderosas – coletivo que trabalha para a formação de mulheres que liderem novas iniciativas de mídia independente na América Latina – aclamada. O momento “quente”, todavia, estava reservado para o final do dia.

Mariana Santos, da Chicas Poderosas (Foto: José Cícero da Silva/Festival 3i)

Na mesa de encerramento foram reunidos o humorista Gregorio Duvivier, do Greg News; Dríade Aguiar, da Mídia Ninja; Pedro Doria, do Meio; e Cecília Olliveira, do Intercept. Um debate acalorado sobre jornalismo ativista e responsabilidade política foi travado, especialmente entre Pedro Doria, colunistas dos jornais “O Globo” e “Estado de São Paulo” e da Rádio CBN, e Dríade e Cecília.

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Acho que o que o Mídia Ninja faz é jornalismo, sim. A gente não é mídia de massa, a gente faz parte de uma massa de mídias que fala sobre pessoas que foram invisibilizadas. É impossível que um veículo seja imparcial, pois todo jornal tem seus interesses, suas parcialidades.

Dríade Aguiar, Mídia Ninja

 

Jornalismo x ativismo
Doria, que se colocou “radicalmente” contra a impossibilidade de um jornalismo objetivo, não acredita que se possa normalizar a relação jornalismo/ativismo. “Quando se opta pelo ativismo, o jornalista torna-se um ator político, atuando politicamente em nome de algum objetivo. Isso foi possível no século XIX, com o abolicionismo, por exemplo, mas numa democracia polarizada não funciona. É preciso ouvir todos os lados, com ceticismo, mas todos os lados. Jornalismo ativista em época de polarização não é eficaz.”

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Gregorio, Cecília, Dríade e Pedro ouvindo o mediador Fausto Salvadori

Cecília Olliveira alinhou-se com Dríade. “Somos todos ativistas de um jeito ou de outro. No Intercept cobrimos pautas que não são muito cobertas. A gente tem opinião mesmo, nosso lado é o nosso partido, e o nosso partido é o do direito, o de quem não detém o poder.” Gregorio substituiu sua fala pela exibição de um vídeo de seu programa, no qual tratava de notícias falsas, checagem de dados e desinformação propagada pelo Movimento Brasil Livre. O clima ficou especialmente tenso quando Doria trouxe à mesa a morte do cinegrafista Santiago Andrade, da Band, morto por um rojão atirado por manifestantes durante protesto no Rio de Janeiro no início de 2014. Segundo Doria, aquele foi o fruto trágico de uma política de fomento de ódio aos veículos de imprensa tradicionais. Apesar do acirramento dos ânimos, o debate transcorreu de forma harmônica e respeitosa.

Assista ao primeiro dia de festival aqui:

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De quebrada para a quebrada

No segundo dia de debates brilhou a presença de Kaique Dalapola, da Ponte Jornalismo. Estudante de jornalismo e morador da periferia de São Paulo, ele participou da mesa sobre jornalismo de impacto, mediada por Leonardo Sakamoto, junto com o documentarista Caio Cavechini, do Profissão Repórter, da TV Globo, e Elizabeth Salazar, do Ojo Público, coletivo de jornalistas baseado no Peru. Kaique relatou um trabalho recente em que sua atuação fez com que a Justiça revisasse a prisão de um vendedor ambulante preso em um processo cheio de vícios e irregularidades. “Jornalismo de quebrada para as pessoas da quebrada”, orgulhou-se Kaique, longamente aplaudido.

Num dia que começou com as presenças dos gigantes Google e Facebook debatendo com Sérgio Amadeu, do Comitê Gestor de Internet no Brasil, questões de segurança de dados, poder de influência e direcionamento, e abordou-se a questão da independência dos veículos de comunicação – da grande mídia aos alternativos -, a mesa de encerramento condensou de maneira muito forte um assunto que perpassou todo o festival: polarização e eleições.

 

Global

Checagem de fatos, desinformação, polarização e transparência foram preocupações externadas por Tamoa Calzadilla, venezuelana da Univisión, rede de TV norte-americana que transmite em espanhol; a britânica Claire Wardle, do projeto colaborativo de checagem de fatos CrossCheck; Angie Holan, do americano Politifact, também de checagem de fatos; e do filósofo e professor brasileiro Pablo Ortellado, do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso à Informação da Universidade de São Paulo. Todos foram unânimes em admitir que, para as eleições – as de 2018 no Brasil, mas qualquer outra em qualquer país -, será muito importante checar as informações que são repassadas torrencialmente por verdadeiras tropas de choque ideologizadas na defesa de um ou outro ponto de vista.

Checagem de dados e desinformação foi a tônica da mesa de encerramento

“Essa coisa de ‘imprensa marrom’ e ‘fake news’ é velha”, afirmou Ortellado. “O problema é o contexto de hoje em dia, quando há essa polarização da sociedade civil e um crescimento enorme do número de pessoas que se informam pelas redes sociais. O Facebook já é a segunda fonte de informação jornalística do brasileiro, atrás apenas da televisão. E os algoritmos fazem com que as pessoas recebam sempre a mesma opinião”, reflete, lembrando que o alcance desse tipo de publicação é imenso justamente porque atende ao anseio do que o indivíduo polarizado deseja ler.

É ‘Toma, coxinha’, ‘Toma, petralha’, e as pessoas compartilham isso como um ato de guerra.

Pablo Ortellado,  filósofo e professor da USP

Segundo Ortellado, há 5 milhões de usuários de Facebook postando e compartilhando, como ato político – ou de guerra -, opiniões contra a direita e a favor da esquerda. E 7 milhões a favor da direita e contra a esquerda. E aí vão desde notícias genuínas descontextualizadas até informações puramente inventadas. “A polarização no parlamento é muito comum há bastante tempo. O PT propõe algo, e a bancada do PSDB automaticamente nega. E vice-versa. Isso infelizmente é comum. O incomum é, desde 2014, a sociedade brasileira repetir esse comportamento.” Uma observação para se refletir e fomentar novas e necessárias discussões, não só no âmbito do jornalismo, mas do país como um todo.

Assista ao segundo dia do festival aqui:

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