Na mala não deixe faltar sombrinhas e guarda-chuvas. Também não deixe de lado biquínis, sungas e filtro solar. Os casacos e as camisetas, acomode lado a lado. Visconde de Mauá é um destino complexo durante o verão. E intenso o bastante. “Agora é época das cheias. O verão é sinônimo de águas, então, tem dias que vai ter sol sem chuva nenhuma, em outros dias, na manhã o tempo fica firme e na parte da tarde chove. Dezembro e janeiro é nossa alta temporada por conta das férias, dá para aproveitar os rios, mas sempre digo: venha preparado para a chuva! Ela é muito benéfica para a nossa região, deixa as cachoeiras bem mais bonitas, a grama verdinha e o ar fica maravilhoso. Não haverá chuva o dia inteiro”, garante a guia Júlia Remorini, da Remorini Aventuras.
A força da água forma nas pedras um véu, e a Cachoeira Santa Clara, no vale homônimo composto por três grandes morros, ganha um visual completamente diferente ao longo das cheias. “Esse vale é chamado de Berço das Águas porque tem a maior concentração de nascentes por raio”, explica Júlia. Ganhando em profundidade, o Poção, relativamente perto, também tem sua beleza acrescida. Na pedra com 7 metros de altura, as pessoas costumam pular no poço de 5 metros de profundidade. Em dias quentes forma-se uma fila. Para os que gostam de banho, o Vale do Pavão também deve ser parada obrigatória.
Pela situação das estradas nos vales, o ideal é contratar receptivos ou seguir com carro tracionado. De jipe é possível acessar cachoeiras de 200 metros de altitude e mirantes de 1.800 metros. Dentre as muitas sugestões de passeios, há aqueles com meia hora de trilhas e os com 7 horas de duração. Disponível apenas com os rios mais cheios está o Boia Cross, um relaxante passeio em uma boia circular pelos trechos mais calmos dos cursos d’água. Ainda que os dias se mantenham muito quentes, a temperatura da água é a mesma, fria, devido à altitude. E muito limpa, também.
Cachoeira do Escorrega
Na Escorrega, considerada a mais famosa cachoeira de Mauá, é possível subir por estreitas trilhas, encontrar pequenas piscinas naturais e beber a água do rio. “É seguro”, garante Júlia. Ao redor, o cuidado e a limpeza do local confirmam. Um restaurante e uma pequena feira de artesanatos conferem infraestrutura para se passar um dia inteiro no local que integra o Parque Nacional do Itatiaia, o primeiro parque nacional brasileiro. Só não é indicado, nos dias em que o rio estiver com nível muito alto, escorregar na pedra que nomeia o lugar. A correnteza pode impulsionar demais o escorregador natural.
“O Escorrega é fruto da pior enchente que tivemos na região. Esse rio nasce a 2.200 metros de altitude. Ele desce serpenteando a serra. Em 1966 a serra sofreu muito com as chuvas. E naquele ano, um pedaço cedeu, o rio foi represado. Foram 11 horas de uma chuva torrencial. E quando estourou veio muita pedra lá de cima. Ela tirou a vegetação das rochas, mudou o fluxo do rio e formou o escorrega. O Parque Nacional de Itatiaia é um dos maiores agrupamentos rochosos do planeta. Cenário igual não tem em nosso país”, ensina e elogia a turismóloga credenciada pelo Governo federal e guia há 13 anos na serra que conhece como a palma da mão. Nascida e criada na região, Júlia, 32 anos, saiu apenas para estudar em Resende e retornou. Havia muito trabalho a fazer no lugar que teve sua estrutura ampliada nos últimos anos e seu acesso bastante facilitado.
Recantos encantadores
Saindo de Juiz de Fora é possível seguir pelas estradas rumo ao Sul de Minas ou pela BR-040 até Três Rios e, dali, pelo interior até chegar à Via Dutra, um tapete tão seguro quanto febril. Chegando em Mauá, a subida da serra é tranquila e agradável, e as opções de pousadas espalham-se aos montes, das mais acessíveis às mais sofisticadas. A Casa Bonita, no Alto da Maromba, é uma das mais antigas da região. E suas suítes e área comum conjuga modernidade com o charme rústico. O Rio Preto passa por dentro dela e é possível tomar banho de ofurô ouvindo o ruído das águas. Ou deitar-se à beira do rio. Ainda, um passeio pela pequena floresta no interior do espaço pode render lindas fotos. E o ateliê da artista plástica Cássia Freitas, no interior da pousada, fica aberto durante todo o dia.
Se para os momentos de sol as cachoeiras são os principais destinos, para as horas de chuva as pousadas estão bastante equipadas, e os restaurantes e cafés também podem ser interessantes recantos. Durante o verão, por exemplo, o Rosmarinus prioriza o uso do deque com almoços nos jardins. Mas o interior da casa vale a visita, bem como o sofisticado cardápio do estrelado chef paulista Júlio Buschinelli. O sofiote recheado com muçarela de búfala e gratinado com molho pomodoro é uma experiência tão sublime quanto a proporcionada pelo tomate confitado com mascarpone, uma surpreendente sobremesa. Segundo Buschinelli, trata-se de uma releitura de uma tradicional compota de tomate baiana do século XVIII. “Durante dois anos ou mais essa sobremesa não estava no cardápio. Eu fazia uma brincadeira. Dizia: ‘prova, se souber o que é, não paga a conta!’. Nunca descobriram, até que, um dia, uma mulher pôs na boca e falou que era tomate. Então, pus no cardápio.”
Há 18 anos no local, o chef de olhos claros tomou da tradução latina para alecrim (Rosmarinus officinalis) o nome de seu restaurante que trabalha com folhas colhidas da própria horta e produtos da região. “Não somos um restaurante puro italiano, com pratos e ingredientes italianos, que não gostaria nem de ver uma água brasileira. O Rosmarinus tem a base francesa, com alguns molhos, e também um pouco da Itália e do Brasil. A Itália não tem uma culinária, mas várias cozinhas. Alguns pratos têm cara italiana e influência minha, do belgo, do austríaco. O sofiote, por exemplo, existe, mas é uma coisa minha. A coisa mais difícil de alguém que não é profissional da área entender é que o restaurante não faz o prato para cada pessoa. O prato representa o que gosto de comer, com o meu paladar. Faço o que gosto e que talvez você também goste. Tenho que fazer de modo harmônico, que espero que agrade”, comenta ele, logo em seguida apontando para o lado de fora: “Um homem andando a cavalo a 40 km da Via Dutra. É o máximo. Isso preserva essa Visconde de Mauá.”
À mineira
O brejeiro ganha seu ponto máximo em outra cozinha, que também busca a harmonia dos sabores sem distanciar-se da diretriz dos fogões de lenha mineiros. Comemorando 25 anos em 2019, o Gosto com Gosto, da chef Mônica Rangel, considerado um dos melhores restaurantes de comida mineira do país, lança neste mês de janeiro uma cachaça comemorativa e um intercâmbio com o Banana da Terra, de Paraty. O projeto, segundo Claudio Rangel, marido de Mônica, que também coordena o local, recebe o nome de Gosto no Mar e Banana na Serra. O restaurante também terá um prato especial na Associação Boa Lembrança, com um prato que leva um miniqueijo produzido pela chef com leite cru e maturado por 30 dias. Para completar a festa, a casa da chef que por anos foi jurada do reality “Cozinheiros em ação”, no GNT, lança a safra 2018 do vinho Almaunica Mônica Rangel.
Terra múltipla: Visconde de Mauá fica entre Minas e Rio e na companhia dos paulistas
Em uma mesma frase é possível ouvir a guia Júlia Remorini puxando o “R” do paulista, escorregando no “S” do carioca e alongando vogais como faz o mineiro. Filha de Visconde de Mauá, é a prova concreta da potência de uma fronteira. “Quando dava os dias de nascer, minha tia ia para a casa da minha mãe, matava uma galinha e deixava lá. Chegava a hora e ela fazia o parto e a canja para minha mãe. Tenho irmãos que são mineiros, com naturalidade de Bocaina de Minas, e irmãos que são de Resende, no Rio de Janeiro. Só eu e meu irmão fomos para o hospital, e nosso registro é de Resende. O resto nasceu em casa e foram registrados em Mirantão, um distrito de Bocaina”, conta ela, apontando para o curso d’água que determina endereços. “O Rio Preto é divisor natural dos dois estados. Independentemente de onde passarmos, ao atravessarmos o rio estaremos em outro estado. Ele nasce no Itatiaia, a uns 2.000 metros de altitude, e é o rio mais importante de nossa região. Segue até Três Rios, onde deságua no Paraibuna.”
Destino turístico singular por sua complexidade, o lugar usa o prefixo 24 como DDD, mesmo no lado cujo estado é Minas Gerais. “Há uns dez anos uma norma da empresa telefônica dizia que os telefones do lado de lá teriam o prefixo de Minas. Mas foi uma maluquice, porque ninguém fica hospedado no lado mineiro que não seja vindo do lado do Rio de Janeiro. Nossa associação comercial entrou em contato com a Anatel e pediu para manter o 24 porque aqui é uma região limítrofe”, recorda-se Júlio Buschinelli, citando, ainda, não receber correspondências em sua porta. As cartas chegam num CPF único e são enviadas de Resende para um ponto central no lugarejo.
A solução encontrada para que o turismo se desenvolvesse sem grandes confusões na região foi a criação de um mapa, há quatro anos. “Resolvemos aplicar uma regra que tem muito a ver com o turista e nada a ver com a política. Somos três municípios, dois estados, o Governo federal por causa da área de preservação ambiental e isso faz tudo se tornar muito difícil. Aqui é uma região com um nome que atrai, Visconde de Mauá. O turista hoje chega e diz que alugou um chalé em Mauá, mas quando chega e descobre que está em Maringá, Minas, pensa que foi enganado. Por isso, fomos atrás do turista e definimos que, para eles, trata-se do nome Região de Visconde Mauá. Tudo aqui é a Região de Visconde Mauá, que é onde há a influência turística de Mauá”, explica Buschinelli. “Conceitualmente isso é novo e é uma evolução da ideia de turismo. A questão é dar garantias ao turista de que ele comprou gato por gato. O turista só quer saber onde está”, comenta o chef de cozinha, como a justificar o nível de sofisticação turística que o local alcançou, tanto no acolhimento do visitante quanto no zelo com a comunidade e com a coisa pública.
“Visconde de Mauá não é do Rio de Janeiro. Quem frequenta não é só o carioca. Não estamos em Itaipava, onde 99% dos turistas são cariocas, ou Campos do Jordão, onde 99% é paulista. Aqui, para o bem e para mal, é uma região do Brasil”, acrescenta Buschinelli. “O Rio de Janeiro tem a fatia maior do bolo do nosso público. Em feriados grandes vêm muitos paulistas. A menor quantidade é de mineiros, porque serras vocês já têm muitas”, confirma Júlia Remorini. Mauá, em Minas ou no Rio, é mesmo única. E muitas, com muitos climas!
O repórter viajou a convite da MauaTur