A sensação entre o prazer e o medo pode definir bem o se passa com as mulheres que engravidaram durante a pandemia. Em um momento tão frágil, diante do isolamento imposto, da solidão de horas, muitas mães tiveram que se reinventar e encontrar alívio nos pequenos detalhes. Grávidas compartilharam a barriga e as mudanças com os familiares por meio das videochamadas, tão utilizadas nesses tempos. Mães, que já passaram pela experiência de ter um filho, sentiram falta das comemorações feitas para a chegada do novo rebento, do apoio de perto da família. Outras lamentaram não poder escolher o enxoval nas lojas… Mas uma coisa é certa: todo esse isolamento fez com que elas se sentissem ainda mais conectadas a seus bebês. E descobrissem um amor incondicional, ainda mais forte, que, de acordo com os relatos apresentados à Tribuna, só cresce com o passar do tempo.
“A gestação é uma situação específica. Ninguém tem placenta sem ser gestante, é um órgão a mais que a pessoa tem. Então, tudo é assustador”, comenta Giselle Barandier, obstetra que acompanhou de perto as inquietações das mães e futuras mães. Para ela, esse momento também não foi fácil: desde a paramentação até os cuidados nas consultas, as preocupações eram constantes e reforçadas pelas dúvidas diárias entre o que fazer, atender ou não no pré-natal, afinal gestantes são consideradas grupo de risco, e o puerpério, fase do pós-parto, exige resguardo, já que as taxas de imunidade ainda não foram restabelecidas.
Período de solidão
Por outro lado, Laura Kitamura, que há tanto sonhava com esse momento e se viu
Covid-19 em casa
A obstetra Giselle Barandier conta que o medo do desconhecido reside também nos médicos: “Entre os médicos, existe ainda muita discussão para se chegar a um consenso do que é melhor. Não tem uma conduta exata ainda”. Mas, nas mães, a insegurança aumenta ao entrar em casa, como foi o caso de Laura Kitamura. Seu marido é médico e testou positivo para covid-19 quando ela estava com 15 semanas de gravidez. “Foi um período de bastante medo, afinal de contas, nós não sabíamos quais eram os riscos efetivos para uma grávida. Passamos uma semana muito difícil para nós dois, pois ao mesmo tempo que eu queria dar toda assistência a ele, que precisava de ajuda para os cuidados diários, eu não podia me expor e correr o risco de me contaminar e gerar algum malefício para os nossos bebês. Mesmo assim, decidi que permaneceria em casa, perto dele, mas com o máximo possível de isolamento.” Roberta passou pelo mesmo, e, graças às medidas restritivas dentro de casa, ambas testaram negativo. “Nossas condutas de isolamento, dentro de casa, deram certo”, disse Laura.
Falta de rede de apoio
O puerpério é um momento delicado e é nele que as mães precisam de mais ajuda e companhia. Ayanna, terceira filha de Priscila, nasceu prematura. No hospital, apenas um acompanhante era permitido. Seus outros filhos ficaram em casa, enquanto ela e seu companheiro dividiram esse momento. “Foi mais de uma semana só nós dois no quarto, com quantidade de enfermeiros reduzida. O parto foi com o mínimo de pessoas possível, apesar de uma equipe muito acolhedora. Mas eu me sentia sozinha, porque não tinha familiares por perto, com pessoas desconhecidas. Minha filha ficou 15 dias internada, e a gente não recebe visitas. Então grande parte da minha família, a maioria mesmo, só conhece minha filha por foto.” Mas a falta que Priscila mais sentiu foi da rede de apoio, tão consolidada nas outras gestações: “Eu podia contar só com meus filhos e meu companheiro. Foi tudo diferente de tudo o que eu já tinha vivenciado, por causa do distanciamento, principalmente”, conta.
Desafio e amor inesgotáveis
Depois de períodos turbulentos e tantas incertezas, elas agora curtem as crianças e tentam aproveitar ao máximo cada momento. Roberta, que é professora e enfermeira, durante toda a gravidez, já temia o fim da licença maternidade. “Eu tentei o máximo possível me preparar para voltar ao trabalho. Todo mundo me falava que era difícil, mas eu não tinha dimensão do quanto – ainda mais na pandemia, porque eu fico com ela 24h por dia mesmo, grudada na cria”, brinca. Por isso, ela começou a estocar leite para que a Liz continue se alimentando exclusivamente de leite materno, e, juntamente, escreveu cartinhas para as duas lerem posteriormente, juntas, e reviverem esse momento. Isso, mais o apoio de seus alunos, colegas e grupos de mães, fez com que ela se tranquilizasse, mas o coração ainda fica apertado: “Eu tento me apegar à qualidade do tempo que tenho junto com ela. É um amor louco que cresce a cada dia e, hoje, eu consigo entender o sofrimento das mães no retorno. Eu tenho sempre tentado me preparar e fazer com que ela entenda que eu faço o que eu amo”, conta.
Laura, por sua vez, conseguiu tirar uma conclusão disso tudo e relata aliviada sua experiência do hoje: “Com eles, tenho aprendido sobre paciência, espera, simplicidade e amor incondicional. Com eles, vejo que o verdadeiro valor da vida mora nos pequenos detalhes do dia a dia e não no evento do fim de semana que se espera ansiosamente chegar. Com eles, vejo que as nossas batalhas são vencidas a cada dia e não naquele sucesso pontual alcançado por conta de uma única experiência. Nunca a dor do outro fez tanto sentido como agora, e poder ensinar isso aos meus filhos faz parte de um legado que quero deixar marcado em nossas vidas”.
Enquanto a distância continua, as mães de 2020 e 2021 aguardam o dia em que seus filhos poderão conhecer pessoalmente aqueles que iniciaram, com elas, essa trajetória, que não para por aqui. Giselle espera pelo abraço das mães, que motivam seu ofício. “Sinto muita falta do abraço das pacientes. Antigamente, era um abraço mais gostoso que o outro. Por um lado, sinto que hoje tem um senso muito maior de preocupação com a contaminação, mas, por outro, isso distancia muito mais as pessoas. A gente vê que falta alguma coisa ali, né?!”. O que falta é a festa na recepção e o carinho de cada familiar que vibra com o nascimento de mais um ente no mundo.