Hoje, proponho uma volta a um passado não muito distante. Há quase três décadas – era o ano de 1993 – a população brasileira foi convocada a participar de um plebiscito. A missão era decidir se o país deveria ter uma forma de governo republicana ou monarquista. E ainda se o governo seria presidencialista ou parlamentarista. A realidade está aí para comprovar que a maioria votou a favor do regime republicano e do sistema presidencialista. E se a Monarquia tivesse levado a melhor nessa?
No livro “Dom Pedro III: o começo da história” (184 páginas), de autoria do jornalista Aurélio Figueiredo, os brasileiros têm a oportunidade de fazer essa escolha novamente. Calma! Trata-se de uma obra de ficção inspirada em fatos reais da História do Brasil e que será lançada, não por acaso, no dia 7 de setembro. “Eu gosto muito de história contrafactual (uma situação que não ocorreu, mas que poderia ter acontecido). ‘Ah, e se os nazistas tivessem ganhado a Segunda Guerra Mundial? Ah, e se não tivesse tido a independência do Brasil?’”, conta o autor, que, por meio de uma narrativa ágil e que envolve qualquer um que gosta de História, apresenta-nos Pedro Leopoldo.
Esse personagem fictício é bisneto da Princesa Isabel, chefe da Família Imperial Brasileira e herdeiro de um trono extinto há cem anos. Ele vive em um país envolto a profundas transformações depois de duas décadas de regime militar e vê nascerem as chances de, finalmente, tornar-se Dom Pedro III, o novo imperador do Brasil. Todo plano é arquitetado pelos membros da Santa Aliança, que conta ainda com uma deputada pertencente a uma família de políticos conservadores, um jornalista e um padre.
Aurélio é natural de Lorena/SP, mas possui laços com Juiz de Fora, pois cursou Comunicação Social na UFJF. Trabalhou em emissoras de televisão e é fundador do instoria, empresa especializada em projetos audiovisuais e culturais. Ah, e é óbvio, é um apaixonado por História.
“Dom Pedro III: o começo da história” pode ser adquirido aqui.
Marisa Loures – Como surgiu a ideia deste livro?
Aurélio Figueiredo – Em 2019, eu estava trabalhando num projeto com o History Chanel, fui produtor executivo e roteirista de uma série chamada “Guia politicamente incorreto”. Eram oito temas sobre História do Brasil. E, na época, pesquisei muito, entrevistei muita gente. Fiquei fascinado com as descobertas que fiz e, ao mesmo tempo, tinha acabado de ver uma série no Amazon Prime chamada “The Man In the high castle”. É uma série fantástica, que é de história contrafactual. Basicamente, tem uma guerra mundial. A invasão do Dia D não funciona. A Alemanha descobre a bomba atômica antes dos americanos, os alemães bombardeiam Washington, ocupam a faixa Leste dos Estados Unidos, e o Japão, a faixa Oeste. Então, estava ao mesmo tempo estudando História do Brasil, assistindo a uma série de história contrafactual, e eu ficava viajando, pensando em como é interessante esse tipo de raciocínio. Sei que foi nesse momento, mas não sei exatamente qual foi o start para “nossa, e o plebiscito? E se tivesse acontecido diferente?”
– Conte como foi o processo de pesquisa…
– Sou um Historiador frustrado. Na época do vestibular, passei na primeira fase de Comunicação Social na UFJF e na primeira fase do curso de História, da Unicamp. Sempre gostei muito de História, mas acabei optando pela faculdade de comunicação aí na federal. Sempre li muita coisa de História e pesquisei bastante por causa da série do History Chanel, mas já tinha um conhecimento prévio. Em 1993, eu tinha 12 anos de idade e lembro que, na minha escola, os professores quiseram replicar o plebiscito e, por coincidência, não sei por qual motivo, fui da chapa monarquista.
– Em um momento do livro, você relaciona uma das estratégias para restaurar a monarquia ao escândalo do Fernando Collor. Como foi feito esse trabalho de entrelaçar realidade e ficção?
– A gente não vive a época da teoria da conspiração? Então, acho que também foi uma inspiração para mim. A teoria da conspiração no presente é muito chata, mas, se você olhar para o passado, não tem nenhum efeito mais da realidade, então, beleza. Aí eu falei: “Nossa, o plebiscito foi em 1993, o impeachment foi em 1992. Imagine se uma coisa tivesse a ver com a outra? E se tivesse alguma conspiração em torno disso?” A proximidade das datas é que me chamou atenção. Eu não tinha prestado atenção nisso antes. Ou seja, por que a monarquia não ganhou? Em 1992, um ano antes, a República mais uma vez foi castigada. Depois de tanto tempo de Ditadura Militar, vem um presidente eleito e o impeachment. Então, eu me lembrava desse sentimento enquanto criança e via proximidade das datas e, inspirado na teoria da conspiração, construí o enredo
– O plano de ressuscitar a monarquia estava sendo arquitetado não só por Pedro Leopoldo, mas também por um padre, uma deputada conservadora e um jornalista. Por que pensou nessas quatro figuras para estabelecer esse plano?
– Quando a gente escreve, por mais que a gente seja um autor em início de carreira, a gente escreve muito da gente mesmo, das nossas experiências e influências. Por que os quatro personagens? O jornalista, porque é minha formação. Então, tenho conhecimento do universo, fica fácil transitar. A deputada, porque sou muito indignado com a política desde sempre, e agora não é diferente. Então, na minha conspiração, tinha que passar por Brasília. A questão da igreja é que eu trabalhei em duas emissoras de TV católicas, tenho um conhecimento muito grande do universo da igreja e, por mais que existam padres muito bons, também existem padres muito ruins, porque é um reflexo da sociedade. Já conheci padre carreirista, padre que quer ser bispo, enfim, tenho intimidade com o assunto. E, com relação a Pedro Leopoldo, à família imperial brasileira, eu amo o assunto. Inclusive, quando me mudei para Juiz de Fora, cheguei a visitar o Mariano Procópio e ficava fascinado, porque ele é o segundo maior museu imperial do Brasil. Só perde para Petrópolis. Para chegar a esses quatro personagens, que representam quatro setores da sociedade, eu me baseei nas minhas experiências pessoais e profissionais.
– Acredita, de verdade, que uma possível restauração da monarquia passaria por esses quatro setores?
– Em 1993, o Brasil era muito mais católico do que hoje. Hoje, a pluralidade religiosa é bem grande. A Igreja Católica continua muito importante no país, mas os evangélicos cresceram demais. As religiões de matriz africana têm crescido em respeito, em entendimento. Se, naquela época, a princesa Isabel tivesse sido beatificada, que impacto teria numa população que era majoritariamente católica, né? Naquela época, a Igreja Católica tinha esse peso, que não tem mais. Uma coisa que em 1993 não tinha e hoje tem é o seguinte. A Monarquia Brasileira remete a um período do país em que havia escravidão. Pelas minhas pesquisas, vejo que o Movimento Negro não era tão organizado e tão abrangente quanto é hoje. Então, qualquer proposta de restauração na atualidade, e olhe que há muitas páginas monarquistas nas redes sociais, uma ideia como essa num país cuja maioria da população é negra, com movimento organizado, invariavelmente vai remeter a um período escravocrata que é difícil você superar. Para quem é branco e não sente na pele o racismo, é muito fácil simpatizar com a Monarquia, mas, para quem é negro e vive todos os problemas na sociedade atual, retomar uma ideia do passado que é marcado pela escravidão é muito complicado. Acho que tudo isso impediria, na minha opinião, qualquer tipo de restauração da monarquia.
– Há quem clame pelo retorno da monarquia. Como um autor que escreveu um livro sobre isso vê essa questão?
– O Movimento Monarquista existe no Brasil ainda por alguns motivos, na minha avaliação. Primeiro deles: a nossa identidade foi construída de maneira muito profunda durante o Império. Por exemplo, qual é a data mais importante do ano? Não é a Proclamação da República. É 7 de Setembro, que é uma data monárquica. Quem é o grande estadista que ainda desperta curiosidade e respeito em boa parte da população que tem acesso à História do Brasil? Dom Pedro II. Claro que acho que Getúlio, por mais que seja polêmico, tem um peso republicano grande, mas um grande estadista que é elogiado pelas pessoas é Dom Pedro II. Então, a identidade nacional foi muito formada depois de mais de 300 anos como colônia, a gente virando país independente, é um regime monárquico e o começo da construção de uma identidade nacional. Os nossos grandes heróis, nossos grandes feitos remontam ao período imperial na minha avaliação. Tanto é que, na semana passada, Dia do Soldado, 25 de agosto, é aniversário de Duque de Caxias, e até hoje, quando o pessoal do Exército vai comemorar a data, está relembrando o Duque, o único nobre elevado ao ducado no Segundo Reinado. E o segundo ponto é a insatisfação das pessoas com o modelo atual da política. A gente vive uma realidade muito chata, muito ruim, de descrença, e, quando a gente não encontra soluções na realidade, tende a olhar para o passado.
– O livro é publicado no ano do centenário de morte da princesa Isabel. Nele, nós nos deparamos com um padre e um cardeal tramando um plano ardiloso para que a princesa seja beatificada a qualquer custo. O que o inspirou nessa trama específica?
– Não tenho contato pessoal com os Isabelistas, mas me contaram que existe um culto à princesa Isabel nesse ponto de ser uma pessoa que mereceria a glória dos altares das igrejas. Aí a gente vai remontar a questão da Lei Áurea, que hoje é muito revisada, muito polêmica. A gente aprende errado na escola. Não foi um decreto. Não foi ela quem chegou e, do nada, falou “olha, vou libertar os escravos.” Foi um projeto de lei que passou pela câmara, pelo senado, e teve negociação política. Aí ela, como regente do Império, assinou a Lei Áurea. Historicamente, ficou que ela é a grande santa, a grande redentora. E não é bem isso. Ela tem um papel importante, mas ela não fez a abolição sozinha. Mas, por conta dessa imagem que ficou (ela era muito católica), muita gente tem essa visão de que ela mereceria um degrau acima na Igreja Católica. Como disse, trabalhei em emissoras católicas e conheci de perto a rotina de padres e bispos. A instituição católica é reflexo da sociedade. Então, tem pessoas boas e más como qualquer setor da sociedade. Ficou fácil escrever sobre o tema. Não conheci qualquer história sobre arquitetar uma beatificação a todo custo. Sendo os padres humanos, como nós somos, as ambições acontecem. Então, é uma parte ficcional, mas me inspirei numa realidade que vivi quando trabalhei em emissoras católicas.
– “Dom Pedro III” termina com um “continua”. O que já está planejado para um próximo volume?
– Vou dar um pulo no tempo. Vou mostrar Pedro Leopoldo em 2022, já com 81 anos. Nessa época, imperador do Brasil. Na verdade, vou dar um pulo para mostrá-lo a partir dos anos 2010. Na minha história, que é contrafactual, para criar uma monarquia do Brasil, o palácio da Quinta da Boa Vista volta a ser a residência do imperador no país. Então, em 2018, o que aconteceu lá não foi um incêndio, foi um atentado. O imperador vai ter um filho, o herdeiro do trono, e ele vai se assumir gay.
– Fiquei curiosa para saber como você vai fazer a costura com fatos mais recentes. Se a monarquia foi restaurada no primeiro livro, não passamos pelos governos Fernando Henrique, Lula, Dilma e Bolsonaro…
– Eles podem ter sido primeiros ministros. Ainda não tenho clareza de alguns passos, mas sei que vou avançar no tempo. Rio de Janeiro vai ser a segunda capital do Império. E o legal do segundo livro é que vou poder brincar com algumas questões. Por exemplo, voltou o Império. Vai continuar o feriado de 15 de novembro? A gente vai continuar celebrando Tiradentes, que é um herói republicano? Um cara que foi condenado por lesa-majestade, conspiração contra o rei na época.
– Você sabe que vão chamá-lo de monarquista…
– Eu não sou, admiro muito a história, mas não acredito na monarquia como solução para o presente. Mas o que a gente escreve não nos pertence mais, pertence a quem lê. Por mais que eu tenha uma intenção, sempre quem lê vai ter outra ideia, outra opinião. Eu respeito.
“Dom Pedro III: o começo da história”
Autor: Aurélio Figueiredo
184 páginas
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Lançamento no dia 7 de setembro.