A lua estava entediada no céu. Era uma noite de outono. Ela não via mais o mesmo brilho das estrelas. Já não escutava o silêncio do universo. Então, desejou ser flor e foi prontamente atendida pelos deuses do infinito. Tornou-se uma Lua-flor. E ficou muito feliz. O problema é que, depois de algum tempo vivendo aqui embaixo em um jardim supercolorido e cheio de bichos, olhou para cima e sentiu falta do antigo lar. Escrito pela brasileira, radicada em Dubai, Wiana Kell, e ilustrado por Ana Matsusaki, “O jardim da lua” (Tigrito, 32 páginas) chega para o leitor infantil trazendo uma verdadeira metáfora da nossa vida.
“Quantas vezes queremos tanto algo e, quando esse desejo acontece, nos damos conta de que não o queríamos tanto assim? Isso acontece quando nos ludibriamos por diversas razões e, consequentemente, saímos do percurso que deveríamos percorrer. Nós nos distanciamos do nosso verdadeiro propósito de vida e, lá na frente, sentimos um vazio danado, e, muitas das vezes, não sabemos o porquê e levamos um tempo para nos conhecer. Nem sempre temos o entendimento e a coragem de voltar atrás, mas, no livro, a Lua-flor faz esse movimento de volta”, reflete a autora, que estreou na literatura com “Pepa & Keka: quem viu rimas por aí?”
Por anos, Wiana trabalhou no mundo corporativo de Dubai, na área de gerenciamento de conteúdo digital. E foi fazendo revisão de textos e traduções do conteúdo para o site em português que ela foi se reaproximando de sua língua materna, da qual ela havia se distanciado por algum tempo. Mãe de duas meninas, escolhia livros em português para ler para elas. Dessa forma, aproximou-se da literatura voltada para os pequenos.
Marisa Loures – O livro trabalha com metáforas. As decisões que a Lua toma ao longo da história são relacionadas com suas fases. Se levarmos em conta que há diferentes repertórios que os pequenos autores trazem, é possível dizer que o seu livro é acessível a todas as crianças?
Wiana Kell – Sem dúvida alguma. Não podemos subestimar a capacidade de entendimento das crianças. Elas, além de mais sensíveis que nós, adultos, são bastante observadoras e indagadoras – as crianças não entendem somente o óbvio. Por ser um livro assim, cheio de camadas de entendimentos, e retratar uma questão da condição humana, eu acredito que a interpretação acontecerá naturalmente nas cabecinhas das crianças, independentemente, da sua idade.
– E é um livro que chega para as crianças, mas traz uma história que poderia, muito bem, ser escrita para os adultos. Como decidir um tema para um livro infantil?
– Quando estou escrevendo, não decido o tipo de público-alvo. Deixo as palavras me guiarem para o texto fluir naturalmente. Já tentei fazer diferente, mas não funciona, acho que isso faz parte do meu processo criativo. Portanto, só escolho para que público se destinará aquele texto após a finalização do conteúdo.
– Wiana, você é brasileira, mas vai para quase duas décadas que vive fora do Brasil. Atualmente, mora em Dubai com as duas filhas e o marido. Como é a sua relação com a literatura brasileira?
– Apesar de morar por muito tempo fora do Brasil, jamais me distanciei da nossa literatura brasileira. Sempre que volto de férias do Brasil, trago muitos livros na mala comigo. E, ultimamente, a tecnologia também tem me ajudado a ter um acesso mais rápido aos livros através do formato e-book. Recentemente, li livros de autores contemporâneos e me maravilhei com a riqueza em cada narrativa. Entre eles: “Torto arado”, do Itamar Vieira, “A cabeça do santo”, de Socorro Acioli, e “Pequena coreografia do adeus”, de Aline Bei.
– Morar em Dubai interfere na sua literatura?
– Digo que sim. Acredito que o meio onde um autor vive tem certa influência na sua escrita. No meu caso, por morar num lugar desértico, passei a valorizar mais ainda a natureza. Sinto falta do verde do nosso Brasil. Como consequência, tive uma obsessão em começar a escrever sobre flores e natureza em geral. Além disso, costume ir ao deserto para observar a lua, presencio o calendário lunar seguido pelos muçulmanos – a lua é um símbolo muito aparente na cultura árabe.
– O que você espera provocar na criança com “O jardim da lua”?
– Não quero dizer para que ela aprenda “isso ou assado”. Eu quero que cada criança tenha a sua própria experiência de leitura e interpretação. Acredito que esse é o papel da literatura, que cada leitor tem o seu deguste. E que, depois de alguns anos, quando estiver grandinha ou até adulta, que essa criança leia o livro novamente e tenha outro tipo de reflexão.
“O jardim da lua”
Autora: Wiana Kell
Ilustradora: Ana Matsusaki
Editora: Tigrito, 32 páginas