No dia 22 de março de 2020, o mundo contabilizava 340.843 casos de Covid19 e 14.582 mortes. No Brasil, eram 1.604 pessoas contaminadas e 25 haviam perdido a vida, sendo 22 delas somente na cidade de São Paulo. Em Minas Gerais, o número de pessoas que haviam contraído o vírus era 83. Já, em Juiz de Fora, não havia casos confirmados. Os dados precisos foram registrados pelo médico e escritor juiz-forano Artur Laizo, e as atualizações diárias abrem cada uma das trinta crônicas que preenchem as páginas de seu novíssimo livro “Diário do confinamento” (Litteris Editora), lançado oficialmente na última sexta-feira.
Laizo lançou-se na escrita da obra em um momento de muitas incertezas em relação ao que ainda estava por vir. Era o sexto dia de confinamento quando o primeiro texto foi escrito trazendo relatos de uma rotina que se arrastaria por muito tempo: levantar, inteirar-se das novidades na internet, tirar dúvidas de pacientes, correr até a farmácia ou ir ao banco bem rápido e voltar para casa. “Os dias são iguais para nós que estamos trancados em casa, mas bastava ver televisão ou ler um jornal e víamos que o mundo estava sendo invadido pela contaminação do vírus e, como em um filme ou em um livro, estamos vivendo uma distopia horrível. O número de mortes e de contaminados sempre crescendo e fatos também novos, como morte de vários médicos e profissionais da saúde, a Itália transportando cadáveres em caminhões para serem cremados em outra cidade, a Venezuela deixando corpos enrolados em sacos plásticos nas calçadas. O dia a dia em casa precisava ser reinventado. Eu escrevi muito, estudei muito, pintei alguns quadros, dei aulas on-line. Acompanhei passo a passo essa onda devastadora de doença e mortes”, conta o autor.
Presidente da Liga dos Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora, Artur aproveitou a quarentena para lançar o projeto da LeiaJF de lives semanais de entrevistas com escritores. Criou a coletânea “Poesia na pandemia”, terminou a escrita do terceiro volume da trilogia “A mansão do rio vermelho”, além do livro “O vampiro Douglas”. Ele é autor de romances, contos, crônicas e poesias e escreve no blog http://paodecanelaeprosa.com.br.
Marisa Loures – O “Diário do confinamento” começou a ser escrito no início da pandemia, dia 22 de março. O primeiro texto recebe o nome de “Dia 6”. O que aconteceu nesse dia que o fez tomar a decisão de escrevê-lo?
Artur Laizo – O D1 – primeiro capítulo é, na realidade, o sexto dia de confinamento. Eu estava em casa, sem cirurgias, sem aulas presenciais há exatamente seis dias. Comecei a ficar angustiado. Eu sou uma pessoa hiperativa e meus horários são todos preenchidos com alguma atividade. Eu estava em casa sem uma perspectiva de “como será amanhã?” – pelo visto seria a mesma coisa. Resolvi escrever para chamar a atenção das pessoas para uma situação séria na qual poucos estavam acreditando. O D30 é na realidade o 123º dia de confinamento – março a julho.
– E o que entrou para as páginas desse diário?
– Eu falo das minhas sensações e sentimentos, tais como medo, ansiedade, incertezas. Começo o capítulo colocando os índices do dia de contaminação e morte no mundo, no Brasil, em Minas Gerais e em Juiz de Fora. Falo um pouco dos acontecimentos mais importantes do dia, seja na política, na vida comum, cito filmes e músicas. Eu publiquei o Diário no meu Blog (http://paodecanelaeprosa.com.br/), e um grande amigo e escritor, Marcelo Aceti, se interessou e levou para a Litteris Editora avaliar. Agradeço muito ao Marcelo, ao Artur Rodrigues e ao Deucimar Cevolela todo o trabalho para a publicação desse livro.
–Você diz que o diário surgiu em um momento de grande ansiedade. Você é médico. Mais do que nós, sabe avaliar melhor a gravidade e as consequências da doença. Ainda assim, sentia-se inseguro como qualquer outra pessoa? Escrevê-lo ajudou a enfrentar esses dias de pandemia?
– Talvez, até por ser médico, a ansiedade foi maior. O conhecimento de uma doença, uma pandemia como essa e as consequências de tudo isso nos levam a uma grande ansiedade que a população leiga muitas vezes não tem, por desconhecimento. O Coronavírus causa uma devastação orgânica não só pulmonar, mas também vascular, sanguínea, entre outras coisas, e pode deixar sequelas importantes. E como e onde se contaminar? Será que saindo às ruas, será que o fato de ir ao banco, ao supermercado, nos trará a doença? No caso dos médicos, estamos dando plantão, fazendo cirurgias de urgência, enfim, na linha de frente ao combate de um inimigo que desconhecemos. A insegurança está presente ainda. Com certeza a escrita ajuda em qualquer situação. Quando podemos externar o que sentimos em palavras, o peso fica mais leve. A literatura é uma grande aliada na vida do escritor.
– Como presidente da Liga dos Escritores, você tem comandado uma série de entrevistas com escritores no Instagram. O que essa experiência tem trazido para você enquanto autor?
– Eu preparei duas lives semanais para também preencher o tempo do confinamento e, ao mesmo tempo, levar informações às pessoas e divulgar escritores nacionais. Nas sextas-feiras, sempre às 19h30, eu entrevisto no Instagram da LeiaJF um escritor nacional – já foram 30 escritores de todos os lugares do Brasil -; aos domingos, às 17:00, eu comecei o Projeto Poesia Brasileira. Nesse projeto, eu falo da vida e obra de um poeta brasileiro, discutindo o estilo de época e declamando as suas melhores poesias, já foram 32 poetas desde o arcadismo até o pós-modernismo que estamos vivendo. Nos dois projetos, eu tenho aprendido bastante com a experiência de outros escritores e tenho estudado muito para apresentar os poetas.
– Já que falamos da LeiaJF, percebo que vocês estão superatuantes nas redes sociais nesse período de pandemia. Quais são as ações que estão desenvolvendo? Precisaram se reinventar nesse momento?
– Fizemos, como sempre, muitas atividades. O que mudou foi a presença tão gostosa das pessoas nas feiras, nas escolas e bienais, onde podíamos abraçar o nosso leitor para a live, para as atividades on-line. Fizemos declamações de poesias dos membros da Liga através do Instagram, fizemos lives, como a de contação de histórias infantis, contação de histórias adultas e contação de histórias de terror, no dia do Halloween. Desenvolvemos projetos de coletâneas de textos. Divulgamos atividades e obras de nossos membros através de um jornal de distribuição on-line com a agenda da Liga e os principais feitos. A Liga, hoje, com cinco anos de existência, é uma força na literatura de Juiz de Fora sendo conhecida em todos os cantos desse país.
– De certa forma, o período de confinamento foi um aliado da criatividade?
– Eu escrevi muito. Eu terminei um livro que estava parado há mais de dois anos – “O vampiro Douglas” – e escrevi mais outro livro também de vampiro. No livro, Douglas é um vampiro de Juiz de Fora, ele foi transformado quando a cidade recebeu o nome de Juiz de Fora e viveu e interferiu na vida da cidade durante algum tempo. Foi muito bom escrevê-lo, porque tive também que estudar sobre Juiz de Fora desde sua criação. Tenho, no momento, três livros novos inéditos esperando publicação. Durante o confinamento, também criei uma coletânea “Poesia na pandemia”, onde, em dez dias, eu reuni 61 poemas de 27 poetas e publiquei em formato digital na Amazon. Esse trabalho vai sair agora em formato físico.
– Muito se fala sobre como será o amanhã depois dessa pandemia do coronavírus. Fala-se em um mundo diferente, muito melhor do que o de hoje. “Há quem espera poder voltar ao antigo normal semana que vem e há quem preveja que teremos um novo normal em 2021”, escreve você no último texto do livro. Naquele 27 de junho, “rezas, feitiços e mandingas é tudo que se pode ainda usar para que Deus nos dê forças para continuar lutando pela nossa sobrevivência.” Hoje você está mais otimista?
– Eu sou sempre otimista. Mas como profissional da saúde eu não posso deixar de estar apreensivo com o relaxamento das regras de distanciamento social, uso de máscaras, álcool gel, entre outras. A população parece que acredita que a pandemia já acabou, e nós estamos, na realidade, no meio da primeira onda – a Europa está vivendo a segunda – e tudo está retrocedendo. Aqui em Juiz de Fora, já estivemos em onda verde, hoje estamos em onda amarela e com risco de voltar à onda vermelha com fechamento de tudo novamente. O grande problema é a população não acreditar que pode adoecer e, pior, contaminar quem é de grande risco, como os mais velhos e portadores de outras doenças graves. Mas, como eu disse, eu sou otimista e acredito que passaremos por mais essa confusão mundial. Quanto a estarmos melhores depois que tudo isso acabar, vai depender de cada um. Nosso objetivo no mundo é crescer e nos tornarmos pessoas cada vez melhores. Algumas pessoas ainda continuam com o preconceito à flor da pele, como temos visto violência contra negros e a comunidade LGBT, por exemplo.
“Diário do confinamento”
Autor: Artur Laizo
Editora: Litteris.
Trecho de “Diário do confinamento”
Por Artur Laizo
Dia 6
22 de março de 2020 [D6]
Mundo: Confirmados: 340.843, Mortes: 14.582;
Brasil: Confirmados: 1.604, Mortes: 25 (22 em SP);
Minas Gerais: Confirmados: 83
Juiz de Fora: 0
Somente hoje comecei a escrever esse diário do confinamento do coronavírus.
Para que escrever tal coisa!?
Para que todos saibam que há mais pessoas passando pela mesma ansiedade e sensação de prisão domiciliar. Hoje, eu saí de casa uma vez, de carro, e não desci dele , exceto na minha garagem. Fiz compras ontem no supermercado. O suficiente para nosso fim de semana, e vou ter que voltar a me expor amanhã novamente para comprar comida.
Expor-me em um supermercado – lugar que adoro ir – é uma coisa até boa de fazer. Sexta-feira, quando eu fui, no entanto, minha vontade era de brigar com um bando de “velhinhos sorridentes”, que não tinham nada para comprar de necessidade e estavam passeando pelo mercado. Eram todos, com certeza, do maior grupo de risco: mais de setenta anos todos, com uma doença crônica ou mais de uma. Difícil controlar o idoso dentro de casa!? Difícil, mas não impossível. Temos que tentar fazer a nossa parte. […]”