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Fernanda Bittar: “Gosto de explorar a ambiguidade humana”

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Radicada em Paris há 13 anos, a juiz-forana Fernanda Bittar estreia na literatura voltada para os adultos com o livro “Contos do avesso”, obra que será lançada dia 27 de julho – Foto Divulgação

“Contos do avesso” (Paratexto, 168 páginas) é o novo livro da juiz-forana, radicada em Paris, Fernanda Bittar, e é com ele que ela estreia na literatura voltada para o público adulto. Com lançamento previsto para o próximo sábado, às 19h, no Planet Café e Cultura, a obra apresenta escritos nascidos da observação de pessoas e situações, ou de leituras que inspiraram a escritora. “Acho que sempre é uma mistura de ficção e realidade”, conta Fernanda, explicando sua opção por escrever com o olhar voltado para o avesso. “Esse é o lado de dentro das roupas, aquele que ninguém vê, mas que guarda a costura, os segredos do molde e corte do tecido, o que faz a roupa ser o que ela é, vai além da aparência. A ideia é justamente esta, olhar para o avesso da vida.”

Os 22 contos tratam de vivências cotidianas sobre amor, amizade e experiências familiares. Em “O convite”, por exemplo, texto que abre a publicação, a protagonista é uma mulher que foi convidada para o casamento do ex. Passa dias matutando se deve ou não comparecer à cerimônia, mas acaba cedendo, e a experiência torna-se um momento de reflexão para ela.  Já em “A espera”, uma mulher está ao lado da mãe morta no caixão, remoendo o fato de ela nunca ter-lhe contado quem é seu pai. Em “Não morrer”, a personagm principal é uma criança e seu medo é dormir, e as pessoas acharem que ela está morta, enterrando-na viva. Os escritos de Fernanda fazem o leitor transitar entre o real e o imaginário. E o que eles pretendem trazer para os leitores, num primeiro momento, é entretenimento, conforme diz a contista. “Depois, um pouco de empatia com os personagens e situações. E a empatia faz a gente olhar para o nosso avesso, mas sem pretensões ou julgamentos”.

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Fernanda Bittar também é autora dos infantis “Maria Borboleta e suas aventuras” e “O vale das corujas/La ValléedesHiboux”, este, traduzido para o francês por ela mesma. A escritora juiz-forana diz que espera de “Contos do avesso” mais retorno sobre o livro, pois é da opinião de que o público adulto é mas crítico. No entanto, em 2012, ela já havia experimentado o sabor de escrever para os mais crescidos, pois foi premiada no concurso “Nelson Rodrigues, 100 anos de aventura”, organizado pela Unesco, Universidade de Sorbonne Nouvelle Paris III e Consulado-Geral do Brasil em Paris, com o conto “O casamento”, o qual integra a obra que agora é lançada.

 Com o novo livro, a escritora repete a dobradinha com o ilustrador, cartunista e artista plástico Paulo Talarico. Ela é formada em pedagogia pela UFJF e tornou-se mestre em Literatura Lusophone pela Universidade Sorbonne Paris III. Em Juiz de Fora, seus três livros podem ser encontrados no Planet, na livraria Leitura e no Espaço Excalibur, sendo que “Contos do avesso” também pode ser adquirido no site da Editora Paratexto (www.editoraparatexto.com.br) e na Amazon (www.amazon.com.br).

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Marisa Loures – Por que escolheu o gênero conto para conversar com o público adulto?

Gosto de contos, é o meu gênero literário favorito. Dentro do mesmo livro, temos a liberdade de escrever tantas coisas, de pontos de vista tão diferentes e situações diversas. Acho esse leque de possibilidades de uma riqueza imensa.

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– Como nascem seus personagens? São pessoas reais que já cruzaram seu caminho?

Alguns sim, outros não. Mesmo que seja inspirado em alguma situação que vivi ou presenciei, sempre vou ter a possibilidade de contar ou  terminar a história como eu quiser. Essa é a magia da ficção.

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– Por falar nos seus personagens, com qual deles você mais se identifica? Por quê?

O livro é ficção, mas sempre tem alguma coisa do autor. Não consigo eleger um, talvez eu esteja em um pouquinho de cada.

O ilustrador, cartunista e artista plástico Paulo Talarico assina as ilustrações de “Contos do avesso” – Foto Divulgação

– Na primeira parte do conto “Nem Piaf, nem Elis”, Luís é um homem que mora em Paris há 10 anos.  Primeiro, saboreia as delícias de viver na cidade francesa. Depois, ela perde o charme.  Na segunda parte, o personagem está no Rio de Janeiro, saudosista, relembrando momentos da infância. Em seguida, conclui que “toda essa mistura”, no Brasil, também “não tem gosto de nada”. Resultado: “Nem Piaf, nem Elis”. Não sei se o conto é inspirado em sua vida, que é uma brasileira que mora há 13 anos em Paris. No entanto, pergunto: para você, Piaf ou Elis?

O conto é inspirado em toda pessoa que não mora mais em seu país natal. Hoje, não sou mais aquela brasileira, porque vivo em outra cultura, aprendi outros códigos sociais e de relacionamento com as pessoas. Também nunca serei francesa, porque o lugar no qual vivemos a nossa infância e juventude é determinante na nossa história pessoal. Quem vive fora, sempre será essa mistura. Na realidade, aprendemos a apreciar os dois e a administrar a saudade.  Eu me sinto mais Elis que Piaf, apesar de adorar a França.

– Morando em Paris, como faz seus livros circularem? Seu público-alvo são os brasileiros, ou você conquistou leitores de lá também?

Meu público-alvo é a comunidade lusófona. Então, a maioria são brasileiros e portugueses que conhecem o meu trabalho. Ano passado, lancei um livro bilingue português/francês. (“O Vale das Corujas / La Vallée des Hiboux”). Penso em refazer um livro assim, a experiência foi bacana.

– Quais contistas você tem como referência e indicaria para os leitores do Sala de Leitura?

Descobri, recentemente, um autor mexicano que me encanta : Juan Rulfo. “Chão em chamas” , publicado no Brasil pela Record. Para quem gosta de contos, ler Rulfo é uma delícia, com seu estilo único. O francês Maupassant e o russo Tchekhov. Gosto pela clareza dos textos, a narrativa justa, sem  excesso de palavras. Aqui no Brasil, temos contistas excelentes, mas o meu favorito é Nelson Rodrigues. Ele escrevia sobre o “avesso”, na minha opinião.

– Sergio Faraco declarou em uma entrevista que “quando escrevia ficção não ambicionava nada, nem escrever um bom conto e tampouco um conto que o leitor não desgostasse”. O que você ambiciona com seus textos?

Eu gosto de explorar a ambiguidade humana, um caminho que mexe com as emoções.

“Contos do avesso”

Autora: Fernanda Bittar

Editora: Paratexto, 168 páginas

Lançamento:

27 de julho, a partir das 19h, no Planet Café e Cultura (Rua Moraes e Castro 218 – Alto dos Passos).

 

 

 

Trecho de “O convite”

Por Fernanda Bittar

“Abri a porta de casa e me deparei com várias cartas no chão. Eram contas, extratos bancários, propagandas e um envelope branco perolado.

Peguei as cartas e coloquei sobre a mesa, exceto o envelope que abri imediatamente. Era um lindo convite de casamento.

Sempre adorei festas de casamento e seria só prazer, se não fosse um detalhe: o noivo era o meu ex-marido.

Deixei o convite na mesa e fui tomar um banho: quem sabe uma boa ducha refresca as ideias… pensei.

Não é todo dia que recebo um convite assim, para ser sincera, nem sabia que ex era convidada. Eu sei, eu sei, mantenho relações cordiais com o Roberto e com a atual dele, a Judith. Claro que faço um esforço enorme para o bem da nossa única filha, Sara, hoje com 16 anos.

Mas ser convidada para a festa de casamento do ex era muita ousadia! Ir, então…

Tomei meu banho e fui para a cozinha preparar o jantar. O convite era tão inusitado, que eu nem sabia o que dizer, nem o que pensar e nem o que vestir.”

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