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De olho na TV e na tela do celular

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A jornalista e professora juiz-forana Melissa Ribeiro lança “TV Social: o telespectador como protagonista na televisão em múltiplas telas”, livro que analisa como as redes sociais mudam os hábitos do público enquanto assiste à TV – Foto divulgação

Outubro de 2016. Por volta das 23h30. Ao meu lado, Marcos, meu marido, aguarda ansiosamente que “Pai herói”, um dos grandes sucessos de Janete Clair na década de 1970, entre no ar no Canal Viva. André Cajarana, personagem de Tony Ramos, aparece na telinha ao lado de Carina, vivida por Elizabeth Savalla, e, imediatamente, Marcos pega o celular. Descubro que, enquanto a novela vai ao ar, milhares de fãs do folhetim discutem os rumos da trama através do Facebook. Mesmo conhecendo o final da história, eles querem, de alguma forma, participar dela. Opinar a cada nova movimentação dos personagens. Meses depois, para minha surpresa, fico sabendo que alguns dos fãs, de várias partes do Brasil, ainda combinam de assistir ao final da reprise em um bar no Rio de Janeiro. Percebi que, enquanto a novela ia ao ar, outra narrativa estava sendo contada nas redes, ganhando rumos, às vezes, até mais curiosos. Por que discutir sobre o que estava sendo exibido na TV já que bastava acionar o Google para saber o final daquela história?

A resposta para o que acontecia ao meu lado diariamente chegou até mim na última semana, com o lançamento do livro “TV Social: o telespectador como protagonista na televisão em múltiplas telas” (Appris, 375 páginas), da jornalista, professora e pesquisadora juiz-forana Melissa Ribeiro. Resultado da tese de doutorado defendida em 2018, na Universidade Federal Fluminense, a obra traz uma análise de como as redes sociais modificam a forma de ver TV e como o público lida com diferentes telas enquanto assistem à programação. Melissa pensa em atingir não só o público acadêmico, mas também fãs do The Voce Brasil e do MasterChef Brasil (programas analisados por ela) e todos os aficionados por TV. Para isso, fez alterações na linguagem do texto e cortou partes que são importantes apenas dentro da formalidade de uma tese de doutorado.

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“A obra trata de um assunto muito atual: o modo como grande parte do público assiste à televisão e vivencia experiências audiovisuais em nossos dias. A ideia do livro é entender um pouco desse comportamento dos telespectadores na internet e fazê-los refletir sobre seus hábitos de consumo. A nossa forma de consumir conteúdo da mídia diz muito de nossa identidade, daquilo que acreditamos, de nossos valores, nossos interesses e afinidades. Entender os nossos hábitos diante da TV pode nos revelar muito de quem somos. Postar comentários na Internet sobre um programa televisivo enquanto ele é exibido na TV pode ser simplesmente uma forma de diversão, mas pode também evidenciar a necessidade de criar mais seguidores e alcançar certa ‘notoriedade’ na rede, a necessidade de reconhecimento, por exemplo”, conta Melissa, que em nosso bate-papo, avalia a nossa experiência com o audiovisual neste momento em que vivemos e no pós-pandemia. Se, hoje, o telespectador consegue, por meio do voto, até eliminar um candidato em programas de TV, que “poder” ele terá amanhã?

Marisa Loures – Seu livro analisa como as redes sociais mudam os hábitos dos telespectadores enquanto assistem à TV. Eles, agora, passam à condição de protagonistas. Como você diz na obra, as teorias sobre televisão parecem não mais dar conta desse novo modelo televisivo. Como é essa TV social? Quem é esse novo telespectador?

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Melissa Ribeiro – Na internet, há a construção pelos telespectadores de uma narrativa paralela àquela que está sendo exibida na TV. Muitas vezes, ela é até mais interessante do que a narrativa principal. Mas sem essa narrativa paralela nas redes sociais não há TV Social. E quem desenvolve essa narrativa é a audiência. Portanto, a participação ativa do telespectador é fundamental. Nessa nova forma de consumir televisão, o telespectador é protagonista porque, se ele não interagir, se não se manifestar nas redes sociais, se não produzir conteúdo, a experiência de TV Social não existe. Esse novo telespectador é aquele que quer participar, se envolver, produzir conteúdos em forma de texto, imagens e vídeo e fazê-los circular. Há um sentimento de coprodução, ou seja, de que os telespectadores também produzem o programa. As próprias emissoras constroem o discurso de que parte do programa é de responsabilidade do público.

– A Melissa Ribeiro é uma dessas pessoas que gostam de interagir com outros telespectadores enquanto assiste à TV?

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Não. Não tenho muito esse hábito de interação, porque não sou muito de me expor nas redes sociais, sou uma pessoa mais reservada. Eu acabo me relacionando nas redes sociais com quem eu já me relaciono fora da internet. Eu não gosto de discutir com as pessoas de forma on-line, de criar conflitos na internet. Viu, já revelei um pouco do meu jeito de ser nessa resposta por conta do meu modo de estar nas redes sociais (rss). Mas, na pesquisa, que teve inspiração etnográfica, como o objetivo era entender esse comportamento do telespectador, eu me inseri em grupos de fãs dos programas The Voice Brasil e MasterChef Brasil no Facebook e no WhatsApp e acompanhei publicações no Twitter. Eu busquei me aproximar da experiência que eles viviam e, para isso, interagia, postava comentários, participava das discussões. Essa experiência não foi fácil para mim justamente porque eu precisei me expor, o que não é muito do meu temperamento.

– Por que escolheu estudar o The Voice Brasil e o MasterChef? Por que o reality show faz tanto sucesso com o público?

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Quando eu comecei a estudar mais profundamente sobre a TV Social, eu percebi que os reality shows ofereciam experiências muito mais ricas desse modo de consumir televisão. Então eu entendi que, se eu analisasse reality shows, eu poderia conhecer melhor esse fenômeno. No livro, eu apresento alguns elementos que esse tipo de programa tem que faz com ele tenha grande repercussão na internet. São sete elementos. Mas, de forma geral, a gente pode dizer que a participação de pessoas comuns nesses programas gera uma autoprojeção nos indivíduos, que se colocam no lugar dos participantes e imaginam suas possíveis atitudes diante das situações vivenciadas, num processo de reflexão e de problematização pessoal e social. Além disso, a alta competitividade entre os candidatos e os conflitos gerados ao longo da disputa provocam o desejo dos telespectadores acompanharem os embates travados a cada episódio na expectativa da resolução dos conflitos ou na revelação de resultados. Em geral, esse tipo de programa provoca maior envolvimento emocional dos espectadores ou simplesmente possuem um alto potencial de entretenimento.

– Como relatou, durante a pesquisa, você participou dos ambientes on-line de interação utilizados pelos telespectadores para discutir sobre os programas assistidos. Como são esses ambientes? Como os telespectadores se comportam? Há muita divergência?

Eu participei de três ambientes diferentes (Twitter, Facebook e WhatsApp). Há diferentes tipos de comportamentos. Isso varia não só por conta dos recursos de cada plataforma, mas também em função da forma como os usuários utilizam esses recursos. É claro que o modo de comportar depende muito de cada pessoa. Mas, de forma geral, no Twitter, por exemplo, como não há nenhum tipo de filtro em relação às postagens, há mais impessoalidade e uma liberdade na postagem dos conteúdos. Há mais palavrões, palavras de baixo calão e postagens ofensivas. Nos grupos de Facebook e de WhatsApp, isso não acontece porque há moderação. Então, quem tem esse tipo de comportamento, é expulso do grupo. No WhatsApp, como os grupos têm menos participantes, as pessoas têm mais intimidade e acabam conversando até mesmo sobre assuntos que não fazem parte do universo do programa.  Eles conversam muito sobre a vida pessoal, pedem conselhos amorosos, falam de sua relação com familiares e contam sobre as suas atividades rotineiras. Já no Facebook, o número de participantes é muito grande (mais de 50 mil no grupo do The Voice Brasil e mais de 120 mil no grupo de MasterChef Brasil). Para controlar o volume de postagens, a moderação acaba sendo muito forte, e isso influencia no tipo de conteúdo que pode ser postado. Spoilers, por exemplo, são proibidos. Em todos esses ambientes, presenciei diversos tipos de conflitos: dos telespectadores entre si, dos telespectadores com participantes/apresentadores e entre os próprios participantes dos programas.

– Consegue visualizar aonde essa nova forma de assistir TV vai nos levar? Hoje, o público consegue, por meio do voto, até eliminar um candidato em programas, como o The Voice Brasil. Desta forma, sente que tem o poder em mãos. Quais vão ser os novos passos dessa TV social?

Uma grande tendência no campo da Comunicação é a chamada “internet das coisas”. São os objetos “inteligentes”, como os relógios que enviam e recebem mensagens, os óculos que acessam internet, geladeiras que revelam ao proprietário da casa o produto que está em falta, casas que interagem com as pessoas. Enfim, esse tipo de tecnologia vai crescer muito, e eu acredito que isso vai favorecer um tipo de interação diferente com o conteúdo audiovisual como um todo. Talvez isso implique em novas formas de contato com a televisão e com outros telespectadores. Outra tendência é o aproveitamento cada vez maior do conteúdo produzido pelo público, como os memes, os gifs e outros elementos próprios da internet, que hoje acontece ainda de forma muito tímida e limitada.

“Algumas práticas que passaram a ser feitas pelo vídeo durante a pandemia poderão se intensificar, como a realização de perícias médicas, sessões de terapia, depoimentos de réus em processos, trabalho em home office. Isso significa que o audiovisual estará cada vez mais atravessado em nossas práticas cotidianas e poderá também funcionar como documento e forma legítima de comunicação, assim como a escrita.”

– Com a quarentena, em razão da pandemia, o audiovisual tem sido o meio pelo qual a vida tem seguido seu rumo. Exemplo disso são as teleconferências, as aulas on-line, o home Office, os encontros familiares pelos aplicativos. Como essa experiência de se conectar com o mundo e com os outros, pelo audiovisual, irá impactar nossa sociabilidade pós-pandemia?

A situação de isolamento social acabou acelerando um processo que já estava em curso, mas que certamente demoraria mais tempo para acontecer. Uma mudança importante é a perda da inibição perante a câmera. A pessoa “comum” está aprendendo a se ver no vídeo, está aprendendo a se comunicar pelo vídeo porque está sendo obrigada a fazer isso. Isso não é pouco! Estamos desenvolvendo novas habilidades de comunicação com o uso do audiovisual. Assim como nós aprendemos a nos comunicar através da escrita ao longo dos últimos séculos, por cartas, ofícios, e-mails, documentos, processos judiciais, contratos, memorandos, em nossa relação interpessoal, estamos aprendendo a nos comunicar por vídeo, e isso possibilita vislumbrar uma série de transformações. Algumas práticas que passaram a ser feitas pelo vídeo durante a pandemia poderão se intensificar, como a realização de perícias médicas, sessões de terapia, depoimentos de réus em processos, trabalho em home office. Isso significa que o audiovisual estará cada vez mais atravessado em nossas práticas cotidianas e poderá também funcionar como documento e forma legítima de comunicação, assim como a escrita.

Sala de Leitura – Novo dia e horário: sexta-feira, às 11h35, na Rádio CBN Juiz de Fora (FM 91,3)

“TV Social: o telespectador como protagonista na televisão em múltiplas telas”

Autora: Melissa Ribeiro

Editora: Appris (375 páginas)

Live de lançamento disponível aqui.

Onde adquirir o livro?

 

 

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