Dani Ferreira intitula-se, antes de tudo, uma sonhadora. Isso porque, desde pequenina, deixou sua imaginação levá-la para o mundo da lua. Foi brincando sozinha que começaram a surgir seus primeiros personagens. Sempre amou as histórias, sejam as que chegavam até ela por meio de livros, filmes ou musicais. Mas o fascínio pelo mundo do faz-de-conta não é só dela. Durante as refeições em família, ela, o pai e a irmã têm o hábito de comentar as histórias que os encantam. E não é que foi em uma dessas reuniões ao redor da mesa que surgiu uma ideia para um livro? Ali, com a ajuda deles, nasceu a escritora, hoje autora de uma trilogia, já com dois volumes lançados – “Derek Dustin e as crônicas do rei – A irmandade secreta” e “Derek Dustin e as crônicas do rei – O cristal perdido”, além da obra “Conto para você”. Em outubro nasce o quarto livro – “O Herói herege”.
A propósito, o terceiro título da série está sendo produzido e, logo logo, estará a caminho. Nessa aventura com pegada de ficção científica, gênero do qual a autora é fã, o protagonista é Derek, “um adolescente excluído por uma sociedade corrompida pela busca incessante pelo poder supremo. Essa sociedade surgiu de remanescentes de um mundo pós-apocalíptico, abatido por catástrofes climáticas devastadoras muito além do que previmos atualmente”, conta Dani, fazendo questão de reforçar que essa história traz importantes reflexões sobre questões da atualidade, como o cuidado que devemos ter com o planeta e com a formação das gerações futuras.
“Em meio a tanta tecnologia e avanços científicos, não podemos deixar de cultivar princípios básicos, como empatia, o contato humano direto sem artifícios como as redes sociais; e outros aspectos de nossa estrutura humana, não apenas a razão, mas nossas emoções, as carências da alma e do espírito. Não podemos esquecer que não somos meramente máquinas que executam ações sem parar. Somos mais complexos e precisamos de mais do que viver dia após dia sem um propósito maior. Derek é um guia do leitor para a história e para essas reflexões, claro com uma dose de aventura, ação e humor, senão, a leitura não teria muita graça.” Já em “Conto para você” (2018), Dani traz nove contos, em que ela recicla elementos dos contos clássicos, utilizando-os em novos enredos, protagonizadas por criaturas já conhecidas pelos leitores, como anões, príncipes e animais falantes.
Neste dia em que conversa comigo aqui no Sala de Leitura, Dani Ferreira é a convidada da Semana Literária do Colégio Granbery, onde falará sobre processo e criação, escrita e edição de livro. E nossa conversa começa, justamente, por aí. Dani conta como funciona o projeto de Mentoria Literária que ela criou e revela seu passo a passo para produzir ficção.
Marisa Loures – Como funciona a Mentoria Literária e por que a criou?
Dani Ferreira – Depois que eu publiquei meus livros, muitos escritores e interessados em livro em geral passaram a perguntar várias questões do universo literário. Muitos se surpreenderam com alguns pontos, entendendo que algumas coisas são mais simples do que imaginavam, como, por exemplo, a publicação de um livro: todo mundo pode se autopublicar por meio de alguns passos trabalhosos, mas viáveis. Por outro lado, também se surpreendiam com outras questões, como, por exemplo, com o processo criativo de um livro. Se você apenas sentar para escrever esperando a ideia cair do céu, vai ser difícil continuar escrevendo capítulo após capítulo. Assim, montei a Mentoria Literária para compartilhar a experiência que adquiri até aqui e ajudar novos escritores a desenvolverem sua própria trajetória literária. São dicas e orientações que eu gostaria de ter recebido quando comecei minha carreira como escritora. Assim, idealizei a Mentoria Literária para ser realizada por meio de sessões online, nas quais eu entendo as principais dificuldades do autor e o ajudo a vencê-las, seja na área de organização, conhecimento dos processos editoriais ou até mesmo com dicas de escrita. Essas sessões duram em média 60 minutos, podem ser adquiridas pontualmente ou em pacotes. Em seguida, agendamos os encontros online e, a partir daí, compartilho meu conhecimento tendo em vista os interesses do autor.
– Nas redes sociais, você publica dicas de como escrever livro de ficção. Qual é o seu passo a passo nessa tarefa?
– Observei meu próprio processo criativo e identifiquei quatro etapas fundamentais: Incubação (quando o escritor busca em sua mente uma ideia com significado e a deixa crescer naturalmente em sua mente. Essa ideia tem que ser importante para o autor e motivá-lo de alguma forma a continuar escrevendo, pois assim será algo verdadeiro e abrirá um caminho empático e genuíno até o leitor. A ideia é captada pelas experiências pessoais do autor, suas crenças, valores, gostos, mas não deve ficar apenas nisso, daí as próximas etapas); Descoberta (quando o escritor faz perguntas à ideia que já foi incubada, a fim de torná-la mais clara e compreensível. A pesquisa está no centro da descoberta, a partir dela construímos algo além de nossas experiências e tornamos a narrativa mais rica); Planejamento (fase em que o escritor junta técnicas e ferramentas para formar o esqueleto da narrativa e o escopo de capítulos do livro); e Escrita (etapa em que o autor reúne o trabalho anterior e escreve página por página). Isso funciona como algo cíclico, ou seja, o escritor pode (e provavelmente vai) voltar na etapa anterior a fim de entender melhor a história que deseja contar e criar a melhor experiência de leitura possível.
– Nesta terça-feira, você vai estar na Semana Literária do Granbery. Como é, para o escritor, ter esse contato com o público?
É maravilhoso! São para eles que eu escrevo e estar junto deles é uma dádiva. Eu acredito que um livro, depois de publicado, é parcialmente do leitor. A opinião e a reação do público são muito importantes e devem ser consideradas sempre. Muitos dos meus aprendizados vieram de feedback de leitores. Aprendo continuamente com o público e procuro adaptar meus processos criativos mediante esse feedback.
– “Conto para você”, seu mais recente livro publicado, traz 9 histórias em que você recicla elementos dos contos clássicos, utilizando-os em novos enredos, protagonizadas por criaturas já conhecidas pelos leitores, como anões, príncipes e animais falantes. Quais são os clássicos com os quais seu livro dialoga e o que sua obra traz de novo para encantar aqueles leitores que já conhecem a história original?
– Essa obra aborda personagens por vezes já encontrados nos contos clássicos, como heróis, príncipes e princesas, criaturas mágicas, animais falantes e etc. Mas, em “Conto para você”, são novos personagens, novas tramas e novos desfechos. Assim, os clássicos foram uma inspiração. Por exemplo, em “A menina invisível”, senti uma inspiração muito forte de “A pequena vendedora de fósforos”, de Hans Christian Andersen, um dos meus contos e autores favoritos. Esse meu conto se trata de uma história “no mundo real”, de uma órfã que mora na rua e busca saciar sua fome pelas redondezas. Outro conto que traz um personagem semelhante, mas diferente, é “O carrasco do dente”. Nele, faço uma brincadeira com a conhecida Fada do Dente. Só que, na minha história, trata-se de uma criatura mágica que vem capturar o dente das crianças que não escovam os dentes de forma alguma ou incorretamente. Assim, a protagonista fica em apuros, pois, sem os dentes que o Carrasco do Dente tomou, fica óbvio que ela não está escovando os dentes como a mãe pede. Enfim, são por meio desses elementos fantásticos e mágicos que pretendo cativar o leitor, prender sua atenção numa leitura prazerosa e, assim, passar reflexões simples e também profundas, como amizade, amor, lealdade e etc., que possam ser lembradas durante toda vida.
– O crítico e escritor paulista Nelson de Oliveira, organizador da recém-lançada antologia “Fractais tropicais: o melhor da ficção científica brasileira”, disse, em entrevista, que a ficção científica está vivendo um ótimo momento no Brasil. No entanto, esse gênero ainda permanece à margem e tem que conquistar as grandes instâncias legitimadoras: os prêmios e as feiras importantes, as grandes editoras, o prestígio acadêmico. O que você acha que acontece com a ficção científica brasileira? Por que ela não disputa os mesmos espaços com os títulos estrangeiros?
– Eu acho que o Brasil é um país novo. Ficção científica não é um gênero popular no sentido de despertar grande volume de pessoas. É um nicho um pouco restrito, poucas pessoas de fato gostam e tem paciência para acompanhar esse tipo de obra, principalmente as que não combinam atributos de outros gêneros. Assim, esse gênero tem seus desafios em todo mundo. Como o Brasil é jovem, creio que ainda esteja no início desses desafios, mas, sem dúvida, serão vencidos com o tempo. Há espaço para o gênero e com certeza ainda veremos seu crescimento em território nacional.
“Eu escrevo aquilo que acredito. A ficção não é sinônimo de mentira. Muito pelo contrário, é uma realidade próxima a nossa, que fala com aquilo que a gente vê no “mundo real”, mas com um toque especial, sem a monotonia do dia a dia. Eu só consigo dar sequência a uma história fictícia se ela tiver sentido para mim, se tiver relação com meus valores e crenças.”
– Qual a sua relação com as histórias que escreve? Acredita nas situações que cria?
– Eu escrevo aquilo que acredito. A ficção não é sinônimo de mentira. Muito pelo contrário, é uma realidade próxima a nossa, que fala com aquilo que a gente vê no “mundo real”, mas com um toque especial, sem a monotonia do dia a dia. Eu só consigo dar sequência a uma história fictícia se ela tiver sentido para mim, se tiver relação com meus valores e crenças. Assim, eu posso ser genuína e criar algo novo, mesmo que a partir de coisas pré-existentes. Inclusive, na minha Mentoria Literária, eu recomendo que os escritores façam isso, só escrevam aquilo que seja importante para eles e aquilo que realmente acreditam, pois o público reconhece a falsidade, a hipocrisia e ninguém quer ter essa experiência de leitura.
– E quando escreve, pensa e planeja que tipo de reflexões e diálogos quer criar e possibilitar ao leitor?
– Sim, sempre pergunto por que essa história devia ser contada, qual a moral dela e o que o leitor deve lembrar após concluir a última página. É uma viagem que quero fazer junto com o leitor. Quero fazer diferença na vida deles, mesmo que seja só uma ideia a ser discutida e considerada por eles.
– Consome a ficção científica nacional? Gostaria que dividisse conosco os títulos que te despertaram para a literatura. Por que os indicaria para quem lê seus livros?
– Para falar a verdade, meu apreço pela ficção científica vem mais de produções audiovisuais. E eu aprecio mais a ficção científica com o toque de outros gêneros. Por exemplo “Star wars” que tem raízes da ficção científica, mas é também uma “fantasia espacial”, como o criador George Lucas afirma. Outro exemplo que me fascina, desta vez na literatura, é “20 mil léguas submarinas”, em que o brilhante Júlio Verne usa diversos conceitos científicos aliados à aventura, compondo uma “aventura de ficção científica”, como eu chamaria. “Viagem ao centro da terra”, do mesmo autor, também tem esse toque. Outro projeto que me inspirou muito nessa área foi o seriado “Fringe”, que também mistura ficção científica com um drama doméstico — minha combinação favorita. Em se tratando mais especificamente de livros, alguns dos títulos que guardo com carinho especial são: “O Pequeno príncipe” (o primeiro livro que li), “O Hobbit”, “O Senhor dos anéis”, “Peter Pan”, “Da Terra à Lua”. Tolkien é meu escritor favorito e recomendo todos seus livros, pois vejo genuinidade em suas obras e valores preciosos em suas aventuras. O que mais gosto nos livros que eu citei é que eles me ajudaram a imaginar mundos melhores e me proporcionaram alta dose de emoção e entretenimento. Foram minha porta de entrada para leituras mais complexas, como os livros técnicos que lemos na faculdade, artigos científicos, etc. Quanto à literatura nacional, gosto especialmente de Machado de Assis, pois admiro sua genialidade e versatilidade, sendo “Dom casmurro” minha obra favorita do autor. Portanto, reconheço que viajo um pouco entre os gêneros e não tenho preconceitos com a origem da obra, seja internacional ou nacional. Boas histórias não têm endereço, elas vêm de qualquer lugar e podem misturar diversos gêneros literários.
– Conte-nos sobre os livros que estão vindo por aí.
– Em Outubro deste ano lançarei um livro de um conto em um ambiente de Idade Média, “O herói herege”. Minha irmã faz História na UFJF e me ajudou com as pesquisas. Trata-se de um uma história curta de um rapaz que busca seu próprio caminho na luta contra um monstro marinho que tem destruído seu condado. O pai foi um herói e o rapaz teme não conseguir realizar feitos tão grandiosos. Mas, o passado de seus ancestrais esconde segredos que vão surpreender o protagonista e tirá-lo de sua inércia. A premissa é: “O que você sacrificaria por quem mais ama?”.
Além desse lançamento, estou trabalhando na escrita de outro título, que quero terminar ainda este ano, o qual mistura mistério de assassinato com drama familiar e, novamente, ficção científica. Estou pesquisando sobre física quântica para compor detalhes da trama, então, tem sido um desafio! Fora o fato de tentar criar algo diferente do que já fiz até aqui. Estou animada e espero que o resultado seja positivo.
Ainda tem a conclusão da série “Derek Dustin e as crônicas do rei”, que estou produzindo com calma. Além desses, tenho outras ideias guardadas e gostaria de escrever um romance puramente de fantasia no futuro.
“Derek Dustin e As Crônicas do Rei – A Irmandade secreta”
Autora: Dani Ferreira
304 páginas
“Série Derek Dustin e As Crônicas do Rei – O cristal perdido”
Autora: Dani Ferreira
466 páginas
“Conto para você”
Autora: Dani Ferreira
130 páginas