É “Sob a luz da poesia” (Paratexto, 184 páginas) que J.R. Amorim convida o leitor a olhar o mundo. Você, leitor, pode ver o mesmo que ele vê. Ou, o que é mais provável, pode ver coisas completamente diferentes. “Tudo vai depender da luz a ser absorvida pelos olhos de sua alma”, dispara o poeta sandumonense, confessando como a poesia o faz enxergar a realidade em que ele está inserido.
“Com os pés no chão e a cabeça nas nuvens. Às vezes, a luz da poesia me revela o pior do mundo e com precisão cirúrgica. Nesses momentos, os versos são armas de protesto, fruto da análise racional e da indignação. Em outros instantes, a luz da poesia me faz ver o belo. É quando tenho o olhar entorpecido de otimismo e fé. Momento da emoção, do maravilhoso, do transcendente. Assim, a poesia me faz ver o mundo na sua pior face e, ao mesmo tempo, me revela o potencial escondido, a beleza oculta e me faz olhar com esperança”, conta o autor, que, na nova obra, traz reflexões sobre temas, como vida e morte, convenções, sociedade, sentimentos, relacionamentos e pandemia.
“Alguns poemas deste livro foram escritos antes da pandemia, mas é inegável que o momento acentuou minha sensibilidade e me levou a muitas reflexões. De certa forma, confesso isso através do poema ‘O lado luz do isolamento’ quando escrevo: ‘Ao isolar-me mudei minhas lentes’ e ‘Ao isolar-me intensifiquei minha análise’. Ainda assim, não quero apequenar meus versos a este momento, pois eles têm relação com toda a minha jornada existencial”.
O lançamento de “Sob a luz da poesia” está programado para a próxima sexta-feira (23), às 20h30, no canal da editora Paratexto, no YouTube. Apesar de este ser o primeiro livro de poesias de J.R. Amorim, esta não é a primeira vez que ele escreve em versos, pois já participou de antologias poéticas ao lado de outros literatos. Membro da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora (LeiaJF), José Renato também é autor de “Escola de cereais: o sentindo da vida” e “Um, dois, feijão com arroz”, ambos voltados para as crianças.
“Bala perdida”
Por J.R.Amorim
Bala perdida
Vírus oculto
Indiferença
Armas letais.
Mão estendida
Amor declarado
Compaixão
Antídoto eficaz.
Marisa Loures – Em “Poema do nada”, você me faz pensar que a poesia é o que faz o poeta conseguir lidar com a dureza da vida, já que ele sofre ao assistir ao espetáculo de horror que se desenha diante dele…
J. R. Amorim – Você está certa. A poesia não deixa de ser uma catarse. Algo incomoda o poeta, perturbando sua mente e suas emoções. Então, ele vai escrever para lidar com esses sentimentos. Como gostava de dizer Rubem Alves: “ostra feliz não faz pérola”. Os irritantes do nosso interior são geradores de muita poesia.
– A pandemia é um dos assuntos da sua poesia, e não há como fugir desse tema, pois é o que estamos vivendo e muito se discute sobre como vai ser a vida depois disso tudo. Em “Insanidade”, por exemplo, você nos lança uma pergunta, e eu a devolvo ao poeta: “O corona será vencido, mas e este homem de caráter moribundo?”
– É um paradoxo ver como a inteligência humana nos levou a um progresso tecnológico científico inimaginável observando apenas os últimos 50 anos de história. Contudo, não evoluímos como “gente”. Um enorme abismo social no mundo, fome, pessoas vivendo em condições sub-humanas e as feridas da intolerância, do racismo, do autoritarismo ainda estão abertas, provocando convulsões. A pandemia evidenciou esses fatos. Enquanto alguns morriam por falta de atendimento adequado, outros superfaturavam equipamentos, falsificavam álcool em gel e até vacina. Também a polarização política que impede qualquer discussão profunda e geradora de resultados benéficos e concretos. Deste modo, as mudanças palpáveis pós-pandemia estão relacionadas a procedimentos de trabalho como o home office, ao uso de tecnologias virtuais, dentre outras. Porém, as mudanças de comportamento ético e a inclusão do amor nas relações, infelizmente, não dão sinais de alteração pós-pandemia. Portanto, o diagnóstico não é bom. As milhões de mortes no mundo não mudarão o comportamento do homem. Contudo, ainda acredito na mudança pela educação. Por isso a importância de se investir na criança, ainda que seja um enorme desafio.
“Escovas na pia”
Por J.R . Amorim
Uma escova de dente na pia…
Solidão
Duas escovas de dente…
Paixão
Três escovas de dente…
Fruto
quatro escovas de dente…
Completude
Três escovas de dente na pia…
Perda
Duas escovas de dente…
Fluxo
Uma escova de dente…
Recomeço
– Você começa o livro versando sobre a vida, mas também versa sobre a morte, que é implacável. Aliás, você nos lembra que “a vida é um morrer diário”, mas você confessa que não tem medo da morte. E, por falar nisso, quando lançou “A escola dos cereais”, emocionou-me mencionando a morte do seu primogênito. E ele está presente na sua poesia também. De onde vem a força para escrever e para viver após essa perda tão dolorosa?
– O poema “Não tenho medo da morte” surgiu de uma conversa entre amigos, concluindo que mesmo os que dizem não temer, gentilmente, querem passar a outro sua vez. Hoje tenho meu projeto “120 anos”. Chegar lá com saúde física, mental, espiritual e produzindo coisas relevantes. Se é ousadia, o tempo dirá. Até lá, vou aproveitando meu “morrer diário”. Em 2018, ao aposentar-me, uma psicóloga questionou-me sobre meu maior medo. Respondi prontamente: “acordar e não saber pra que”. Assim, enquanto achar sentido para a vida, eu quero viver. Sobre a perda do meu filho Guilherme, de fato, foi e é muito doloroso. Não sei se há dor no mundo maior do que a de perder um filho. Assim, o levo vivo na memória e na poesia, para amenizar a dor que vezes ainda brota. A fé, inexplicavelmente, resistente em mim, é outro remédio. Mas, uma coisa aprendi nesta separação precoce do meu filho: não há padrão para se lidar com essa dor. Cada um sente e se comporta de um jeito. Já tive amigos que passaram pela mesma experiência. Levei meu abraço silencioso, porque jamais saberei o que eles estão sentido, assim como ninguém viveu minha dor.
– É falando sobre esperança que você termina o livro. Uma mensagem de otimismo ao se despedir do leitor?
– Otimismo sim. O mundo sem esperança é o caos. Contudo, a esperança vem do verbo “esperançar”, como disse certa vez Paulo Freire, ou seja, não se conformar, buscar a realização. Ter fé, mas agir para construir um mundo melhor, sem a expectativa que tudo cairá do céu.
– E seu “Poema derradeiro” não quer ser o último. Pelo contrário, “quer ser o início. Porta aberta pro futuro.” Quais são os planos que você, poeta, faz para o amanhã?
– Além do projeto “120 anos”, que mencionei anteriormente, estão em andamento vários trabalhos. Estarei nas antologias “Múltiplas palavras II”, organizada pela União Brasileira dos Trovadores (UBTJF); “Juiz de Fora ao luar IV” (Griphon Edições) e “Elos de aldravia”, coordenado pela Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora (LeiaJF). Através da Sociedade Brasileira do Poetas Aldravianistas (SBPA), participarei de duas antologias, sendo uma de aldravias e outra de quintas. Porém, não me afasto das obras infantis, aliás, estou cursando uma Pós-Graduação de literatura infantil e juvenil. Nessa linha, estarei na antologia “Confabulando” (Editora PSIU) e na antologia bilíngue (português/francês) “Aventuras deste mundo e além” (Editora Helvética). Também está em fase de revisão um livro meu sobre liderança, pois quero fechar um ciclo de 40 anos de convívio em organizações empresariais e filantrópicas. Entre um trabalho e outro, continuo levando “A escola dos cereais – o sentido da vida” a muitos lugares, numa parceria de sucesso com a Editora Paratexto. E, por fim, aproveitar a felicidade quem vem nos momentos de distração, como disse Guimarães Rosa, sob a luz da poesia.
Sala de Leitura – Toda sexta, às 11h35, na Rádio CBN Juiz de Fora (FM 91,30).
“Sob a luz da poesia”
Autor: J.R.Amorim
Lançamento: 23 de abril, às 20h30, no canal da editora Paratexto, no YouTube.