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“Uma volta às origens do gótico, da ficção científica e do horror”

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A professora Carolina Magaldi comanda um grupo de alunos da UFJF que lança financiamento coletivo para publicação do livro “Alter mundos: uma jornada ao coração do insólito” – Foto Arquivo Pessoal

Preparem-se, leitor e leitora, pois vai ser dada a largada para um verdadeiro mergulho no universo do horror, da ficção científica e do gótico. Isso porque, na próxima sexta-feira, um grupo de alunos da Universidade Federal de Juiz de Fora, capitaneado por Carolina Alves Magaldi, professora da Faculdade de Letras da instituição, vai fazer o lançamento do financiamento coletivo, pelo Catarse, do livro bilíngue “Alter mundos: uma jornada ao coração do insólito” (Paratexto). A proposta é reunir traduções, para o português, de contos de autores, como Algernon Blackwood, Arthur Machen, H.P. Lovecraft e Bram Stoker, mas também traduções, para o inglês, de textos de escritores brasileiros, como Machado de Assis e Lima Barreto.

“O meu sonho é que o Alter Mundos seja visto no futuro como a estreia de uma geração fantástica de tradutores. Tenho muito orgulho dos 16 bacharelandos, bacharéis, mestrandos e doutorandos que participaram dessa construção. Tenho também esperança de que ele renove o interesse nacional e internacional nos escritores clássicos brasileiros e que o modelo da Paratexto de respeito e reconhecimento para com os tradutores se torne o padrão para o mercado editorial brasileiro”, afirma Carolina, adiantando que o leitor deve ter, em mãos, uma edição de luxo, com capa dura e 496 páginas.

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“Nós pretendemos alcançar aproximadamente 23 mil reais no financiamento. As recompensas vão variar com a faixa, mas vão envolver marcadores de livros, ecobags, um conto traduzido que vai integrar o segundo volume da coleção e um volume extra para doação a bibliotecas públicas. Caso o valor não seja alcançado, vamos entrar em contato com os apoiadores com a possibilidade de uma edição brochura. A capa dura foi escolhida para essa empreitada por ser um volume de 496 páginas e porque os autores contemplados merecem um tratamento especial”, assevera a professora.

Se “Alter mundos: uma jornada ao coração do insólito” está prestes a chegar às nossas mãos, é porque, em 2018, foi fundado o grupo de pesquisa Prisma Interculturalidade e Tradução, registrado junto ao CNPQ, em diálogo com o bacharelado em tradução e com o PPG Letras: Estudos Literários, da UFJF. O livro nasce a partir dos projetos de pesquisa: Polissistemas em Tradução e Exportando a Literatura Brasileira, conduzidos por Carolina, e os tradutores responsáveis pela empreitada são, além da professora, Davi Cunha, Paulo Henrique Migliorelli Ribeiro, Mariana Fernandes, Mariana Mello Alves de Souza, Isabella Cunha, Mairon Morelli, Larissa Daroda, Luisa Arantes, Arthur Moreira, Eduardo Ferreira, Gian Carvalho, Luísa Bergo, Thiago Montes, Eduardo Lacerda, Isabella Schiavon, Mateus Lima.
Quem quiser acompanhar a live de lançamento do financiamento, ela está agendada para as 20h, via YouTube da editora Paratexto.

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Marisa Loures – Em breve, vocês lançarão “Alter mundos: uma jornada ao coração do insólito”. O que prepararam para os leitores? Como será essa jornada?
Carolina Magaldi – O subtítulo foi sugerido pelos próprios alunos que participaram do volume, porque nós traduzimos os autores que criaram os mundos de sonho e pesadelo com que convivemos até hoje. Quem mergulhar na leitura vai ter contato com uma infinidade de referências que chegaram ao cinema, às séries e aos livros contemporâneos. É uma volta às origens do gótico, da ficção científica e do horror.

“Alter mundos: uma viagem ao coração do insólito” reúne contos de autores, como Algernon Blackwood, Arthur Machen, H.P. Lovecraft e Bram Stoker, Machado de Assis e Lima Barreto

– Neste livro, haverá traduções, para o português, de textos de autores estrangeiros; e traduções, para o inglês, de textos de autores brasileiros. Gostaria que destacasse a importância de uma iniciativa que reúne brasileiros e estrangeiros em uma só obra.
Eu venho pesquisando a recepção de escritores brasileiros em países de língua inglesa há quatro anos e, infelizmente, notei que, normalmente, nossos autores só são tratados como “brasileiros” sem grandes discussões de estilo ou mesmo momento histórico. Por isso, decidimos criar uma coleção em que eles fossem colocados em pé de igualdade com os estrangeiros, que preenchesse lacunas de autores que nunca chegaram à língua inglesa e, assim, atingir também um público internacional, aumentando o interesse por novas traduções para a língua inglesa.

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– Por falar nisso, a pesquisa capitaneada por você e intitulada Exportando Literatura Brasileira tem a proposta de estudar como tem sido a recepção de nossos autores em países de língua inglesa e como essa recepção pode ser melhorada e ampliada. O que o grupo de pesquisa descobriu sobre as condições de recepção de autores brasileiros nesses países?
A pesquisa já contou com cinco bolsistas, o Lucas Medeiros, a Isabella Cunha, a Sophia Martins, e atualmente conta com a Luisa Bergo e a Gabriela Detoni. O que esse pequeno exército descobriu foi que as iniciativas de tradução de autores brasileiros para a língua inglesa são muito dependentes de projetos da Biblioteca Nacional, que não há um acompanhamento sistemático das traduções já realizadas, que a cobertura da mídia estrangeira normalmente foca somente no fato de serem brasileiros, sem muita ênfase em estilo ou mesmo momento histórico, que normalmente não temos retraduções, mesmo em ocasiões em que as primeiras traduções de nossos textos tenham sido escritas há mais de um século, e que há lacunas imensas na produção brasileira traduzida, com um foco maior em textos do século XX, publicados no eixo sul e sudeste por escritores homens. Por isso, esse grupo também se dedicou a traduzir obras do romantismo brasileiro para o inglês, de forma a criarmos uma apresentação mais completa da nossa literatura. Essa é mais uma parceria nossa com a Paratexto.

– No prefácio do livro, o professor Adauto Vilela confidencia não ser nada fácil selecionar os autores e textos que serão traduzidos. Essa tarefa apresenta-se como um grande desafio para o tradutor. O que é preciso observar ao fazer essa seleção? E como vocês chegaram aos textos de Blackwood, Arthur Machen, H.P. Lovecraft, Machado de Assis e Lima Barreto, entre outros?
De fato, o trabalho de tradução começou com a escolha do sumário. Eu vou inclusive apresentar um trabalho no congresso da American Comparative Literature Association em abril exatamente sobre a construção do sumário do “Alter mundos”. Isso porque, ao selecionarmos os contos, estamos construindo referências para esse repertório universal. No nosso caso, seguimos três critérios: os contos teriam que ser textos fundacionais de temáticas ligadas ao insólito; precisavam ter influenciado outros textos e autores, como Machen e Blackwood a Lovrecraft, e precisavam ter um estilo próprio. Nesse último fator, os brasileiros se destacaram, sem dúvida, seja na fina ironia do Machado, nas descrições dramáticas de Álvares de Azevedo ou na crítica social de Lima Barreto.

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– Lidar com textos escritos em outra época é outro desafio para o tradutor, conforme Adauto Vilela aponta. O profissional fica entre modernizar e arcaizar. Dois extremos que trazem prejuízo para o leitor. Como o equilíbrio deve ser encontrado? É importante atualizar o texto para o público de agora?
Com certeza. Nos textos selecionados para o segundo volume, nós tivemos até que transcrever arquivos que só existiam em microfilme. É quase como uma arqueologia literária. Para a tradução, é preciso que os textos sejam prazerosos para o leitor contemporâneo, mas sem silenciar o momento histórico em que foram escritos, porque isso faz parte da viagem.

– Você disse que, durante os trabalhos do grupo, chegaram a criar um novo método de projeto tradutório. Como é esse método elaborado por vocês?
A proposta do grupo de pesquisa Prisma é reflexiva, ou seja, nós traduzimos para pensar sobre tradução. Por isso, buscamos criar um modelo próprio de projeto tradutório. Ele foi formulado a partir da Teoria dos Polissistemas, das correntes funcionalistas e do próprio conceito de Prisma, que elaborei na minha tese de doutorado. A ideia é traduzir a partir da análise do texto, de seu contexto histórico e cultural, da recepção do original e do público que pretendemos alcançar com o texto traduzido.

– Estamos acostumados a ver muito sobre o autor, seu estilo, técnica e habilidades, mas dificilmente vemos algo sobre o tradutor. Aquele que teve o trabalho de transpor a obra para outro idioma. Por que será que o tradutor, nessas horas, acaba sendo deixado de lado?
No passado, existia um silenciamento do trabalho do tradutor porque havia um receio de que a obra traduzida fosse entendida como menor, ou manipulada. Hoje, já caminhamos para um reconhecimento de que o tradutor é um profissional fundamental para a construção de pontes entre culturas, para a difusão de textos e até para a construção de sistemas literários nacionais, ao incorporar estilos e gêneros criados em outros países. Por isso, dar mais visibilidade a esses profissionais beneficia não somente o campo da tradução, mas também o nosso entendimento do universo literário como um todo. Felizmente, esse lugar subalterno do tradutor vem mudando e o trabalho da Paratexto conosco demonstra que o mercado editorial brasileiro pode ficar na dianteira desse processo, com mais visibilidade e reconhecimento ao ofício do tradutor.

– Há os que defendem ser possível ser um excelente tradutor sem ter qualquer formação teórica na área de tradução. Como você se posiciona frente a essa afirmação?
Há cinco competências principais no campo da tradução: a bilíngue, que aborda com a relação entre as duas línguas com que o tradutor lida, a extralinguística, que engloba os elementos culturais, sociais, históricos e afins, a declarativa, que traz os conceitos teóricos do campo da tradução, a instrumental, que lida com dicionários, softwares e afins, e a estratégica, que auxilia a decidir como e quando aplicar cada uma. Os “diplomados” e os “descolados”, para usar a nomenclatura estudada pela Maria Clara Castellões, fazem percursos diferentes na construção dessas competências. Na universidade, a própria sucessão de disciplinas e os projetos de extensão e pesquisa possibilitam essa construção, enquanto os descolados precisam buscar essa formação sozinhos, na prática, em fóruns de discussão e outros. Ambos podem alcançar a excelência e têm muito a aprender uns com os outros.

“Alter mundos: uma jornada ao coração do insólito”

Organizadora: Carolina Alves Magaldi

Live de Lançamento dia 19 de fevereiro, às 20h, via YouTube da Editora Paratexto

 

 

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