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A verdadeira Bibi Perigosa e um dos livros mais vendidos do Brasil

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A história de Fabiana Escobar atraiu a atenção da autora Glória Perez, que resolveu levá-la para “A força do querer”

Cansada de se ver estampada na mídia associada aos crimes do ex-marido, Fabiana Escobar, a verdadeira Bibi Perigosa, resolveu escancarar, em um blog, toda sua vida. As publicações começaram a chamar a atenção do público e logo foram parar nas páginas de um livro, lançado de maneira independente. No entanto, com a novela da Rede Globo “A força do querer”, a popularidade aumentou, e a obra atraiu o interesse de uma editora. “Perigosa” (Novo Século, 256 páginas) foi relançado na Bienal do livro, no Rio de Janeiro, e passou a figurar entre os livros mais vendidos.

O relato autobiográfico, narrado com uma linguagem simples, bem próxima da oralidade, e entremeado por partes ora engraçadas ora chocantes, começa com um retorno à adolescência de Fabiana, quando encontramos uma menina de classe média, de uns 12, 13 anos, filha de mãe diretora de uma escola. A paixão por Nem, um jovem traficante, foi tão avassaladora que a garota não conseguiu se desvencilhar daquele mundo em que se viu envolvida, assim como acontece hoje com muitas outras garotas da mesma idade. Seu amor foi interrompido, e de maneira bem dramática, com a morte dele. Fabiana não esconde a emoção em vários momentos da escrita, abrindo parênteses para dizer que chora enquanto escreve.

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“Ele não tinha rosto, só uma pele sem osso, estava destruído. Mas o corpo intacto. E eu conhecia cada milímetro do corpo dele. Ele tinha a pele bem lisinha, brilhosa… Eu não sei explicar o que senti olhando-o naquele estado. Algumas horas antes, ele estava vivo comigo, sorrindo, brincando, fazendo planos e, de repente, morto, estraçalhado. Fiquei ali sem conseguir me mexer, deitada em cima do peito dele, como aqueles animais que ficam ao lado dos parceiros mortos, velando o corpo. O policial teve que me tirar dali. Quando eu desci, a mãe dele me viu aos prantos e entrou em pânico, saiu correndo batendo nas portas chamando por ele. Nossa Senhora… horrível! Eu não quis sair dali por nada, fiquei até a hora de seguir pro cemitério, mas, antes de ir, o policial me entregou o cinto dele cheio de sangue. Eu quis, lógico! Era o cinto de que ele mais gostava”, escreve a autora na publicação, cuja proposta é ser isenta de falsos moralismos.

Bibi Perigosa já é avó. Os filhos estão casados, e ela se divide entra a casa da mãe e a Rocinha, onde é roteirista de um grupo de cinema. Sua história com a literatura não se resume a “Perigosa”. Escreveu um livro infantil, além do “Linha cruzada”, uma web novela disponível no blog bibi-perigosa.blogspot.com.br, e está terminando um romance. Nossa conversa passou pelos livros, projetos de cinema, exposição na mídia, críticas recebidas de todos os lados, volta por cima, Glória Perez e “A força do querer.” Se ela gostou do final reservado à Bibi?

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“Gostei, apesar de não existir e de não ter existido um Caio na minha vida. Gostei, porque é novela. Foi muito inspirado, porque muita coisa aconteceu. Até falas do livro estavam ali, mas é ficção também, é novela, tem que ter aquela fantasia. Mas eu achava que podia ter dado aquele choque térmico em todo mundo: “Olha, vai morrer”. Eu podia, no final, ter dado um depoimento, porque, só por Deus, estou aqui para contar. Não vou dizer que foi sorte, porque muita gente não tem essa chance. Tem gente que não tem nem a chance de tentar voltar atrás. Então, acho que valeria representar essas pessoas que não voltaram atrás, porque não quiseram, ou porque não tiveram chance mesmo. Mas esse caminho de volta é possível.”

Marisa Loures -A exposição na mídia fez o livro subir nas vendas, te deu uma editora. O que eu mais a novela te trouxe?

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Fabiana Escobar – A novela me trouxe visibilidade dos meus trabalhos, nos outros livros que tenho. Antes era uma coisa mais limitada. Agora, é em nível nacional e internacional, porque recebo muitos contatos de fora até do Brasil. E para outras coisas também. No blog, no meu grupo de cinema.

– O livro não foi sua primeira experiência na escrita. Na infância, você escrevia histórias para suas bonecas e já sei de um livro infantil e de um romance. Como começou sua história com as palavras?

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– Essa coisa de escrever eu sempre tive. Eu estava começando a escrever, devia ter uns oito anos. Inicialmente, eu brincava com os vidrinhos de esmaltes, minha tia era manicure e me dava. Eu guardava tudo na caixinha de sapatos, e cada um era um personagem fixo, já tinha até nome. Antes de eu brincar, eu escrevia a brincadeira toda, o que eles iam falar. Era como se fosse uma novela. Quando eu parava, botava na caixinha e continuava depois daquela parte em que eu parei. Depois, quando eu estava no Ensino Médio, cismei que ia escrever uma novela. Foi lá em 2001. Escrevi e era o “Linha cruzada”, que é o livro que publiquei agora. Quem lia era minha irmã, uma amiga minha, meu ex-marido e minha mãe. Ficou bem legal a história, todo mundo que leu se apaixonou pelos personagens. Depois veio o “Perigosa” e um infantil que fiz, que era uma historinha que contava para meus filhos quando eram pequenos. Agora, escrevo roteiros para curta-metragem e estou produzindo um longa também.

– Você troca o nome do seu ex-marido no livro. Por quê?

– Quando escrevi, pensei: “já fiz tanta homenagem para ele, não vou fazer mais essa, de eternizá-lo no livro. Não ia dar essa confiança para ele. É muita graça. Depois de tudo o que ele fez, ainda botar o nome dele no meu livro?

– Li uma reportagem dizendo que seu ex-marido não ficou muito satisfeito com a exposição na mídia durante a novela. A publicação do livro trouxe para você algum problema, já que relata fatos perigosos, inclusive relacionados a uma policial que, segundo você, tentou prejudicar seu ex- marido na época em que ele foi preso?

– Tirando as críticas de depois que a novela começou, não. O que chega até mim, que ele comenta com as crianças, com nossos filhos, é que não é do interesse dele. E não é mesmo. Ele não tem que se meter nisso. Esse depoimento que foi dado nessa matéria, foi o advogado dele quem falou. Quando falo dele no livro, estou falando do passado. Ele fez questão de trazer para o presente e prejudicou o cliente dele, porque foi negado o pedido de sair da prisão. Foi uma opção dele de ir lá dar uma entrevista. Agora, exposto ele está desde 2005, quando ele resolveu cometer os crimes que cometeu. Ali, ele saía nas páginas policiais dia sim, dia não, e, inclusive, me arrastou junto, porque minha cara aparecia no jornal junto com ele. Depois de separada, em 2010, esse tempo todo, eu aparecia no jornal como violenta, estressada, espalhafatosa, escandalosa,  e ele como um traficante supercalmo e superinteligente. Se for falar de exposição, ele é que me expôs quando resolveu entrar no crime. Eu o tirei das páginas policiais para novela. Quer coisa melhor do que isso?

– Por falar nessa exposição negativa na mídia, foi isso que te fez tomar a decisão de relatar toda sua vida em um blog. Com as publicações, o problema com sua imagem foi resolvido?

– Consegui sozinha. Não tive Caio para me ajudar não. Eu já estava separada na época em que comecei a escrever no blog, há quase dois anos, e não parava de sair meu nome no jornal.  A mídia tem essa coisa de rebobinar a fita e contar a história tudo de novo. Cada vez que iam falar dele ou da Rocinha, puxavam meu nome, e isso me atrapalhava de tentar recomeçar minha vida. Quem ia botar para trabalhar uma pessoa que estava lá na página policial, falando que é uma bandida? No dia da ocupação da Rocinha, eu já estava separada há mais de um ano, já estava até namorando outra pessoa, e minha cara apareceu no “Fantástico”. Fiquei louca com aquilo, fui para a Upa tomar uma injeção. Falei: “Estou ferrada, a polícia vai vir a minha casa.” E foi. Durante um mês, a polícia vinha de manhã e de tarde. Já nem estava arrumando as roupas mais. Vinha um de manhã, jogava tudo no chão. Vinha outro à tarde, jogava tudo no chão. Aquilo foi me esgotando. Falei: “Vou ter que pendurar o papel do divórcio aqui na porta? Vocês estão na casa errada.” Sempre gostei das redes sociais, aí começaram a me atacar no twitter. Decidi: “Vou escrever tudo no blog. Quem quiser ler, vai ler e depois expressar a opinião que quiser, mas vai expressar sabendo que as histórias acontecem, mas tem todo um contexto por trás daquilo. Tem uma motivação, mesmo que não seja algo que justifique”. Meu livro não fala só coisas boas de mim. O pessoal quer escrever livro falando só conquistas. As derrotas ninguém quer escrever.  Escrevi para tentar responder em massa. Só que comecei a receber respostas de pessoas que se identificaram com a minha história, porque isso acontece muito com muita gente. A diferença é que eu escrevi. Umas contaram que passaram por isso, que sabiam o quanto era difícil, sentiam orgulho de ver que eu estava tendo coragem de contar para ajudar outras pessoas. Recebia também de pessoas que estavam no problema, mas não se sentiam fortes para se reerguer, sair daquilo. Para você entrar num problema é fácil, porque não te exige nada. Agora, para você sair, você tem que ter uma força pessoal. Não é ninguém que te impede de sair, é você mesma. É a sua humildade de aceitar que você não vai ter mais as facilidades que tinha, que vai perder amigos, aceitar que as coisas têm um tempo para acontecer. Não é “quero agora e vai acontecer rápido”. Coloquei tudo ali, e muita gente se sentia inspirada. Não só quem estava envolvida com o tráfico, mas pessoas que tinham um relacionamento estranho, mas que não conseguiam romper esse laço afetivo e, às vezes, financeiro com o marido. Achavam que não iam conseguir sozinhas. Fiquei muito feliz de ver que, ao me expor, porque é uma exposição, ninguém quer ser referência de coisa feia, a minha exposição trazia uma coisa positiva.

Fabiana Escobar e Emilio Dantas, ator que, na ficção, deu vida ao ex-marido de Bibi Perigosa – Foto divulgação

– Com a novela, vejo que o Brasil ficou dividido entre os que acham que a obra fez uma apologia ao crime e os que defendem ser apenas o retrato da realidade.  Como você lidou com essas críticas?

– Acho que a novela ficou no ar mais ou menos sete meses. Foram sete meses de céu e de inferno. Quando a Glória Perez me falou,  lá em 2011 e 2012, pensei: “Cara, ela é louca, porque é um assunto tão polêmico. Eu já estou preparada, porque já estou acostumada a ser apedrejada e sobreviver.” Até falei para ela: “se prepara, porque você vai levar muita pedrada, porque as pessoas não gostam de falar sobre esse assunto como uma coisa que acontece.” E não é algo limitado a quem faz a coisa. Tem uma família, tem uma história. Tem um contexto, que até então não era abordado. Era resumido à prisão e à morte. Era aquele traficante bem caricatura. Agora, ela abordou algo real, que acontece com o vizinho, com o primo, com o cara do bloco da frente, que você só vê quando a polícia arromba a porta. O bom disso foi abordar um assunto que acontece muito nas casas, com os filhos, que começa a acontecer um pouquinho e vai aumentando, porque é uma bola de neve. Mas teve aquele outro lado das pessoas que não conseguiram entender a mensagem. A gente vê muito o pensamento de punição, e não pensa que, de repente, resgatar, além de sair mais barato para a sociedade, evita muita tragédia por aí. E tem muita gente que está no ponto para ser resgatada, porque não está ainda com problema com a justiça e tem família. Tem tudo para retornar desse caminho, mas aos outros preferem que essas pessoas sigam até o fim para poder falar: “ Morreu, benfeito?” Fiquei muito feliz com a novela. Primeiro, porque foi um sucesso pela Glória Perez. Para mim, alterou a visibilidade do meu livro, nas coisas que faço, no meu grupo de cinema, tenho muitos amigos, converso com todo mundo, mas eu não tinha esse vínculo todo com a novela, tenho com a Glória. Mas fiquei feliz por ela, porque ela apostou no escuro e foi bem sucedida, e ela merece.

– Quando você conta, no início do livro, sobre sua união com o Nem, um traficante por quem você se apaixonou ainda muito nova e que morreu por causa do envolvimento no crime, parece haver um tom saudosista. É com saudades que você escreveu essa parte da sua história?

– Já tinha passado muito tempo dessa história. Eu era quase uma criança, tinha 12 para 13 anos. E são aquelas armadilhas que falo muito com as adolescentes. Conheci o Nem numa festa, e sabe que adolescente se apega rápido, dá um beijo e está apaixonada. E eu só fui descobrir depois. Como minha família não tinha essas coisas, eu não tinha maturidade. Hoje tenho maturidade para reconhecer um perigo. A maioria dos adolescentes não tem noção de risco, nem nada. Ali foi meu primeiro trauma. Tanto que sempre falo que, até meu ex-marido se envolver nessa fase, em 2005, eu tinha pavor dessas coisas. Eu sempre falava: “Deus me livre, nunca mais vou me envolver com essas coisas, não vou enterrar mais ninguém.” Eu tinha trauma disso. É por isso que nossa vida foi sempre muito certinha até ele se envolver. A gente era aquele casal padrão que faz compras com ticket, recebe vale transporte, salário, roupinha só no natal e aniversário. A gente era assim por eu ter passado por essas coisas já na adolescência. E aí me jogaram de novo no meio disso. Foi muito traumático. A gente vê tantas mães enterrando filhos, morre muito jovem, é horrível. Eu lamento de ver o que aconteceu e acontece, porque nesse meio isso acontece o tempo todo.

Juliana Paes, a Bibi Perigosa de “A força do querer”, e a verdadeira Bibi – Foto Divulgação

– Consegue voltar ao livro sem se emocionar?

– Nunca li o livro inteiro. Não gosto de ler. Eu escrevia, dava para minha filha corrigir do jeito dela, dava para minha mãe corrigir. Na época em que eu estava escrevendo, não conseguia nem enxergar erros. Algumas passagens me dão uma coisa ruim. Eu sofri muito para escrever, chorava muito. Trabalhando na loja, as pessoas passavam e ficavam me olhando com aquela cara de choro. Não tem como escrever um livro verdadeiro, sem falar tudo. Tive que mostrar minhas feridas ali também e algumas bem doloridas.

– Como é sua vida hoje?

– Estou com o livro, vendendo, divulgando. O outro livro, até abri no blog, porque essa coisa de não ter editora dificulta e acaba que fica muito caro. E eu prefiro até mandar e-book de graça. Vender um livro por R$ 49 reais e ganhar R$ 3, prefiro dar de graça. E tenho um grupo de cinema na rocinha. Sou roteirista e faço de tudo. Só não sou atriz. A gente produz curta metragem, clip, já tivemos um curta premiado em Atibaia. Tem outro que já era para ter sido lançado há uns seis meses, mas deu problema na edição, que é o “Bala perdida”. E estamos no meio de um filme de terror, o “Vale dos espíritos”. A gente resolveu mudar um pouco o tipo de abordagem nos filmes. Esse é um longa totalmente produzido por todo mundo da Rocinha, com a galera que fez curso, se especializou nessa parte de produção, câmera e direção. São 17 atores no elenco, estão com DRT, estamos dando oportunidade para todo mundo. A gente só deu uma pausa, porque, na semana em que a gente ia começar a gravar o filme, foi quando começou a guerra na Rocinha. A gente ia gravar na mata, e ia dar de cara com o problema. A gente vai retornar agora dia 18. Tem um romance de ficção científica que estou escrevendo também.

“Perigosa”

Autora: Fabiana Escobar

Editora: Novo Século, 256 páginas

Trechos do livro “Perigosa”

“Quando estava com quinze anos, engravidei. Ele recebeu a notícia
com muita alegria, pois tinha dificuldade de engravidar as mulheres.
Fazia até tratamento numa clínica da Barra da Tijuca e posteriormente
fez em Minas Gerais também. Eu nem sei o que pensei, na verdade nem
pensei muito. Continuei levando a vida como se nada estivesse aconte‑
cendo. Mas gravidez não dá pra esconder muito tempo. Um dia, eu esta‑
va na casa do meu pai e enjoei de madrugada. Vomitei horrores e acordei
a casa toda. Meu pai e a minha madrasta acordaram e vieram perguntar
o que estava acontecendo. Eu respondi que era só uma gripe. Meu pai,
com toda a inocência, falou: “É, tem que tomar xarope, né? Porque essas
tosses não podem te deixar assim”.

“A minha gravidez foi muito conturbada. Eu estava estudando pra ser
professora e trabalhava fazendo salgadinho de um buffet, onde também
era copeira. O Paulo trabalhava nos Correios e fazia o Ensino Médio à
noite. Apesar de trabalhar tanto, o dinheiro não dava pra nada, pois,
além de sermos eu, ele e o Celso, ainda havia a mãe dele e o irmão. Foi
muito complicado porque a mãe dele não contribuía financeiramente
com nada, ao contrário, era viciada em bingo e jogo do bicho, largava o
filho de oito anos pra eu ou a minha mãe tomar conta. E, pior, ela, a vida
inteira, viveu de golpes, pois ela e o pai dele eram “171 profissionais”
e, por isso, viviam bem. Ao contrário de como eu fui criada, pois meus
pais, a vida inteira, trabalharam e construíram, com muito esforço, um
prédio de três andares, que seria um andar pra cada filho. Eu fui criada
em cima de tijolo e saco de cimento. Então, a família dele tinha costumes
de gente com dinheiro, mas, por outro lado, conseguiam as coisas por
meio de golpes.”

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