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Alexandra Vieira de Almeida: “O meu livro busca o diálogo, a fraternidade, além de tudo”

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A escritora Alexandra Vieira de Almeida mostra, em “A negra cor das palavras”, que a cor negra e a branca complementa a outra, nas suas simbioses e, ao mesmo tempo, diferenças – Foto Tiberius Drumond

“A negra cor das palavras” (Penalux, 102 páginas) tinha data para lançamento: 17 de março. O isolamento social por conta da Covid-19 impediu que o evento acontecesse. No entanto, a autora carioca deu um jeito de fazer seu novíssimo livro circular. Na obra, Alexandra Vieira de Almeida traz, em versos, o que se esconde na simbologia que permeia a cor negra e a branca, mostrando que uma está imbricada com a outra. Em um país tão dividido, tomado por discursos de ódio e com um preconceito racial tão forte, a poesia da autora traz para os leitores uma verdadeira lição.

“Quero retratar suas analogias e diferenças, percebendo também seus entrecruzamentos e diálogos possíveis. Também, procuro perceber suas composições na construção literária, ao mostrar o negro como a tinta negra da escrita e o branco como a página em branco. Isso aparece como forma de eu potencializar suas imagens pela linguagem, revelando um jogo artístico que mistura as cores nos seus pertencimentos linguísticos. Além disso, atravessa todo meu livro uma dor que comparece na imagem da bile negra. Quero revelar, pelo anoitecimento e a chuva do desalento, uma alegria que se esconde, na sua latência”, afirma Alexandra, que evita o panfletarismo ao tratar da temática social, conforme aponta o imortal Antonio Carlos Secchin na quarta capa de “A negra cor das palavras”.

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“Procurei fugir do panfletarismo, pois esse discurso demanda as imagens da guerra e da violência. Uma oposição feroz. O meu livro busca o diálogo, a fraternidade, além de tudo. Não quero criar outra oposição, mas sim buscar a paz. Mas na literatura de um modo geral, principalmente hoje, em que as oposições mais se fortalecem, ele ganha terreno fértil. Não procuro estar afinada com essa tentativa de demolir o outro a qualquer custo. É esta a mensagem que entendo deste tipo de literatura. Criar uma tese e uma antítese. Eu encontro a síntese.”

Alexandra é doutora em Literatura Comparada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É professora, e, além de poeta, é contista, cronista, resenhista e ensaísta. “A serenidade do zero” (Penalux), “Literatura, mito e identidade nacional” (Omega), e o infantil “Xandrinha em: o jardim aberto” (Penalux) são alguns dos seus títulos publicados.

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“Se o real se apresenta como o terreno propício para as guerras, na minha poesia, procuro a união, a ‘harmonia dos contrários’, fugindo de uma zona de bombas em que estamos acostumados.”

Marisa Loures – Qual a importância da poesia num país com tantas desigualdades sociais?

Alexandra Almeida – A poesia é importante para se criar um alento, uma esperança, em meio a uma realidade tão crua. Se o real se apresenta como o terreno propício para as guerras, na minha poesia, procuro a união, a “harmonia dos contrários”, fugindo de uma zona de bombas em que estamos acostumados. Busco blindar o pensamento com imagens que se movimentam pelo imaginário poético da miscigenação entre os seres, num banquete, numa festa gloriosa, nos quais predomina um misto de cores e matizes.

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– Neste livro, você procura mostrar que “negro e branco estão visivelmente imbricados numa cadeia de beleza e lirismo”. Num mundo em que o preconceito racial impede que as pessoas percebam o quanto uma cor complementa a outra, sua poesia vem nos dar uma lição…

Sim, minha intenção é propor uma intermediação possível. Talvez uma lição dura na qual não queremos acreditar, pois estamos tão acostumados a um cenário de guerra, que, às vezes, o diálogo se torna impossível. Eu tenho grande influência, na minha poesia, das tradições orientais, que revelam uma serenidade e uma concentração formidáveis. Por que não falar no silêncio da linguagem ao invés do grito indomesticável das afrontas cotidianas? Teve um grande pensador oriental, Krishnamurti, a quem muito admiro, que buscava esta paz entre os seres, que estavam sempre semeando a discórdia.

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– Li uma entrevista em que você diz que sua meta não é exaltar uma cor em detrimento da outra, ainda que, numa poesia ou outra, a cor negra acabe parecendo ser mais “elogiada”. E, em outras, isso parece acontecer com a cor branca. O que você quer expressar com isso?

Quero expressar com isso as flutuações das cores, como elas têm seus altos e baixos. São as próprias flutuações da alma do poeta, que interferem na escrita, a partir de seu ânimo. Por momentos, estou mais cabisbaixa. Em outros, mais entusiasmada. No meu livro anterior, acontece isso. No livro “A serenidade do zero”, busco enaltecer o número “zero”. Mas, por vezes, acabo desprezando-o. Não quero com isso criar culpados, mas mostrar os vários aspectos dos seres e das coisas, que nunca são iguais. Eles se revelam em suas inconstâncias e mudanças. Como dizia Heráclito, tudo está em fluxo.

– As poesias de “A negra cor das palavras” refletem seu momento de escrita?

Sim. Meus livros sempre revelam estes momentos. Nos meus primeiros livros, era recorrente a presença do onirismo e hermetismo. Isso porque estava bem envolvida com a leitura de religião comparada. Hoje, em que estou procurando bastante a leitura de autores que abarcam a questão racial e social, mostrei na minha poesia este encontro com outro tipo de literatura a que não estava tão acostumada. Nos meus livros de poesia anteriores não estava tão presente esta nova demanda social, que se apresentou em “A negra cor das palavras”. Uma nova época ocorreu, uma nova fase se gestou na minha poética, porque na atual fase em que vivemos os valores políticos e sociais ganham grande destaque.

“Interpretando o seu tempo, o poeta não se isenta de estar em comunhão com a sociedade em que vive. Nessa comunhão, encontra-se a gestação de uma nova era, de uma utopia e sonho que se fiam na rede da poesia.”

– E acredita que seja dever do poeta interpretar o seu tempo?

Sim. O poeta deve, a partir da literatura, revelar aos leitores este espírito que se esconde em cada época. Interpretando o seu tempo, o poeta não se isenta de estar em comunhão com a sociedade em que vive. Nessa comunhão, encontra-se a gestação de uma nova era, de uma utopia e sonho que se fiam na rede da poesia. A poesia vive o sonho da transformação, da equação possível entre os diferentes. O poeta interpreta seu tempo, ao mostrar as estruturas sociais que se escondem na rede dos dias. Todo o mecanismo que nos divide e separa tem de ser desmantelado. A poesia descortina esta esfera incrível das possibilidades infinitas do encontro.

– Como você tem colocado sua literatura na rua neste período de isolamento?

O lançamento do meu livro “A negra cor das palavras” estava programado para ser acontecer no dia 17 de março. O que não ocorreu devido à quarentena. Para driblar esse isolamento da minha poesia, procurei meus amigos escritores através das redes sociais, telefone, e-mail e whatsApp para sugerir a eles que adquirissem meu novo livro de poemas. Consegui realizar a minha meta e estou divulgando minha literatura, indo ao Correio enviar meus exemplares. Assim, minha poesia não fica esquecida e consigo divulgar meu trabalho literário. Quero fazer minha poesia acontecer e revelar um trabalho bem bacana em prol da humanidade.

Sala de Leitura – Segunda-feira, às 9h35, na Rádio CBN Juiz de Fora (FM 91,3)

“A negra cor das palavras”

Alexandra Vieira de Almeida

Editora: Penalux, 102 páginas.

Blog da autora: www.malabarismospoeticos.blogspot.com.br

 

 

 

 

A NEGRA COR DAS PALAVRAS

Por Alexandra Vieira de Almeida

A negra cor das palavras,
rasgando minha pele abismal

No sono dos mortais,
encontro a imortalidade da chama
que queima o corpo da manhã

Na noite dos apaixonantes véus,
o delírio do verso esférico
como a bola da lua em cristal de espumas

Não digo o verbo de espinhos
qual sangue que fere o tempo
Digo a palavra bruta
que tece os terçóis do sol

Na languidez do mapa,
o itinerário das negras letras
a faiscar um caminho para o Paraíso.

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