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Fabrício Carpinejar reflete sobre as dores e as delícias da amizade

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Fabrício Carpinejar escreve sobre companheirismo, humor e lembranças em ‘Amizade é também amor’

Não há como não concordar com Luis Fernando Verissimo quando ele classifica o gaúcho Fabrício Carpinejar como uma usina de lirismo. Realmente, bastam poucos minutos de conversa com esse cronista e jornalista gaúcho para perceber que ele fala com o mais profundo do seu ser, assim como escreve. Nem mesmo o bulliyng sofrido na pouca idade e o diagnóstico de retardo mental recebido na infância conseguiram tirar dele a sensibilidade que o permite fazer poesia até quando concede uma simples entrevista.  “A experiência te torna leve, porque você filtrou a emoção, refinou, lapidou. As pedras redondas do riacho só se tornam redondas depois de muito correr”, dispara o filho dos poetas Carlos Nejar e Maria Carpi.

Conhecido por suas instigantes teorias sobre relacionamentos, Carpinejar,  agora, escreve sobre um sentimento muito mais puro do que o existente entre casais, no livro “Amizade é também amor” (Bertrand Brasil, 288 páginas). A obra chegou há pouco nas livrarias e já figura na lista dos mais vendidos da editora. Em 122 crônicas, Carpinejar combina reflexões sobre companheirismo, humor e lembranças. Para ele, amizade é também amor, “mas um amor que não adoece”. “Um amor leve, onde o tempo não manda e a distância não esfria.”

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No nosso bate-papo, o cronista falou sobre as dores e as delícias de se ter amigos e justificou a urgência em se fazer um elogio à amizade, “pois ela é o laço estável em tempos virtuais e líquidos”.  “A amizade não está sofrendo dos efeitos colaterais do amor. É muito fácil começar ou terminar um relacionamento, tem toda a instabilidade do ciúme, da inveja. Há uma cobrança, uma pressão maior na web dos namorados. Se postou a foto ou se não postou a foto, se está feliz ou se não está feliz, se está expondo o relacionamento ou não, se está conversando com outras pessoas ou não, se tem likes ou emojis. Já a amizade não sofre isso. A amizade tem essa liberdade de ser, de estar.”

Fabrício Carpinejar foi considerado pela revista “Época”, em 2011, uma das 27 personalidades mais influentes da internet. É autor de livros, como “Para onde vai o amor?” (Bertrand), de 2015,  Canalha” (Bertrand Brasil) e “Votupira: o vento doido da Esquina” (Edições SM) , ambos  vencedores do Jabuti de 2009 e de 2012, respectivamente. Atualmente, ele é comentarista do programa” Encontro com Fátima Bernardes”, da Rede Globo, e colunista dos jornais Zero Hora e O Globo.

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Marisa Loures – O que dizer das amizades das redes sociais? Hoje esse termo amigo ficou muito vasto…

Fabrício Carpinejar – Nas redes sociais você tem contato, é uma agenda. Os amigos são aqueles que falam por telefone, são aqueles que não estão usando o Facebook para conversar. Eles já estão atualizados na nossa vida sempre. A gente tem pouquíssimos amigos.
– Quando a amizade vira amor, o que fazer?

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– É difícil quando acontece essa transmutação e essa metamorfose, porque a gente nunca sabe se os dois estão ficando porque realmente se amam ou apenas se acostumaram um com o outro. O amor depende de pontualidade, então quer dizer que os dois sabiam, se amavam, mas não se declararam. Teria que ter sido amor desde o início. Na verdade, não era uma amizade.
– Nesse livro, você define o que é amigo. Define para nós.
– Amigo é aquele que tem todos os motivos para desistir de você e não desiste, é aquele que atravessa os diferentes níveis do seu temperamento, que gosta quando você é ranzinza, que entende quando você está triste, que modera a tua alegria, é o que não fica restrito a uma fase da tua vida. Ele está em todas as fases. Ele pensa três vezes antes de criticar, porque ele critica com doçura, com afeto, ele sabe fazer piada do que deu errado. Esses são os amigos.
– Você sempre diz que sofreu bullying na infância. Isso te fez ter poucos amigos?
– Não. O que me fez ter poucos amigos acho que é a exigência da vida. Todo mundo tem poucos amigos. Quem fala que tem muitos amigos, na verdade, está em campanha política, porque não temos nem tempo para cultivar amizades por centenas, por milhares, como o Facebook apregoa. Mas, na minha infância, eu tinha meus amigos imaginários. A diferença é que agora eles são reais.
– Li um texto seu que diz o seguinte: “Não morro de uma única vez. Não desisto. Não me entrego mesmo que não veja a saída. Quando não há porta, eu espero no escuro até ser a porta.” Seu texto nos passa a ideia de que os problemas enfrentados por você na infância nunca te abateram e, sim, te deram mais gás. É isso mesmo?
– Exato. A resiliência volta para ti na forma de esperança. Sou mais paciente, sou mais atento. Acredito que a hipersensibilidade que tive na minha infância fez com que eu reparasse mais nos outros e tentasse ser um escudo dos outros. Não me basto. Quem sofre, ri melhor porque não transformou o sofrimento em vitimização, ou coitadismo, ou ressentimento, ou angústia. Ele teve senso de humor para superar o sofrimento. Percebo que quem é humilde vai saber rir de si mesmo. Quem não é, vai se sentir o tempo todo atacado.
– Você disse numa entrevista que a amizade é menos sofrida, que nós escrevemos menos sobre ela porque nos exige menos. Na amizade também não tem traição, não tem chatices?
– Se há traição na amizade, não é amigo. O amigo é aquele que, antes de trair, já está confessando. Antes de errar, ele já está se entregando. É menos sofrido que o amor sim, porque tem uma serenidade na amizade. A amizade tem um amor puro da infância, um amor gentil da infância, porque a gente não precisa de muito para ficar junto. Já o amor tem cobrança, tem fiscalização, tem vigilância, tem exclusividade. A amizade permite que tenhamos diferentes amigos, muito diferentes entre si, que se complementam.
– Você publicou no seu Facebook que “Amizade é também amor” já está na lista dos mais vendidos da editora, e ele acabou de ser lançado. Isso mostra que as pessoas estão carentes de amizades sinceras?
– A gente acaba esquecendo, e é algo que acho fundamental, é que a gente não comemora aniversário da amizade. A gente nunca sabe o dia em que começou determinada amizade, assim como a gente comemora as bodas do amor ou aniversário do namoro. Não contabilizamos o início da amizade, e é uma pena. Tão charmoso sair para jantar e comemorar uma amizade. Acho que o espírito do livro é justamente este: exaltar os laços, não ter vergonha de dizer “eu te amo” para o amigo, de andar abraçado. Acredito que é importante expor o amor.
– Como manter as amizades nesse momento tão acirrado da nossa política?
Isso é uma prova do quanto existem oportunistas, porque um amigo tolera a diferença ideológica, partidária, o distinto estado civil, o antagônico, o clube esportivo. O amigo não é feito dessas afinidades superficiais, é mais das profundezas da lembrança. Um amigo não precisa lembrar que é amigo. Naturalmente, os dias são emendados. Podemos demorar dois anos para reencontrar esse amigo e, na hora que o reencontramos, parece que foi ontem.

 

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“Amizade é também amor”

Autor: Fabrício Carpinejar

Editora: Bertrand Brasil (288 páginas)

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