Dar voz à Rainha Guinevere. Deixá-la falar, contando a história de Camelot e de seu adultério sob sua perspectiva, além de aproximar a rainha consorte do Rei Arthur às mulheres da atualidade, desmascarando que o não lugar de fala da mulher, tão impregnado nas lendas arturianas, ainda hoje, mais do que nunca, precisa ser denunciado e revisto. Esses talvez sejam os méritos que a escritora Bárbara Simões, professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora, busca alcançar por meio do romance “Guinevere” (Penalux), que será lançado nesta quarta-feira (9), às 18h, na Rellicário, no 2º piso do Independência Shopping.
“O ponto principal é que a própria Guinevere pudesse narrar essa história, porque isso não aconteceu na tradição literária inglesa. E eu fiz uma pesquisa vasta. O último livro que eu li foi o do Bernard Cornwell. Ele escreve ficção histórica e tem três livros que localizam toda a questão dos contos arturianos. E ali ele coloca Lancelot como vilão. Ele dá uma perdoada na Guinevere, mas não é ela contando a história. A narrativa traz o ponto de vista masculino o tempo todo, e Guinevere é um pouco perdoada. Eu não queria fazer isso, e, ao mesmo tempo, queria que ela tivesse uma voz, porque ainda não conseguiu falar o que aconteceu. Então eu desenhei a ficção na minha cabeça. E agora a gente está vivendo uma época de recontagem de histórias, de reescrituras de literatura clássica. Eu sou professora de literatura inglesa, e essa é uma questão que me perseguiu sempre”, diz Bárbara.
A autora, dona de outras facetas como escritora, também acaba de ser premiada com sua obra infantil “É meu”. Seu terceiro título voltado para as crianças foi eleito um dos 50 livros essenciais para a educação infantil pela prefeitura de João Pessoa, capital do estado da Paraíba. Como conta Bárbara, ele faz parte de uma coleção infantil de sete livros, que já tem três obras lançadas. Nesse universo, para compor suas histórias, a escritora recorre a situações vividas em casa com os filhos. “O ‘É meu’ é a história de um passarinho que achava que tudo era dele, e os outros bichos não têm muita interação com ele”, ressalta Bárbara para explicar que o livro toca na questão da importância do ato de compartilhar.
“É meu” e “Guinevere” já têm projeto de tradução para a língua inglesa. E Bárbara promete contar esses e outros detalhes durante o lançamento desta quarta, cujo evento irá contar com leituras críticas realizadas por Luiza Scher, Beatriz Domingues e Ana Stephan.
Marisa Loures – Guinevere ficou no imaginário como um símbolo da infidelidade. É isso que te incomodou e te fez escrever o livro sob o pondo de vista dela?
Bárbara Simões – O que me incomodou foi o fato de, na história e na literatura, o adultério ser só feminino. O adultério masculino nem existe, não é adultério. O homem pode ter outras mulheres. Agora, a mulher não pode. E isso é uma condição de aprisionamento da mulher. Vejo como as relações são platônicas, são idealizadas. Uma mulher, ainda mais no século em que ela vivia, não tem voz, não pode expressar sua vontade, suas escolhas. Ela é uma rainha, uma herdeira, uma mulher branca, tem uma condição social excelente, e é completamente aniquilada, porque o lugar da mulher é muito desprivilegiado, e é isso que eu quis mostrar. Mesmo que essa mulher seja branca, rica, estudada, ela ainda é uma moeda de troca ali nas mãos desses homens, e essa condição leva à destruição. O adultério acontece sim, mas tenho outro olhar sobre ele. Quem ler o livro vai ver que não tem um culpado. Ao mesmo tempo, isso é uma questão da vida, uma questão que acontece.
– Quais os aspectos que os leitores e, principalmente, leitoras vão encontrar em Guinevere que fazem relação com nossa sociedade atual?
– A mulher, ainda hoje, tem esse lugar de não fala. É por isso que eu queria colocá-la falando essa história. Ainda mais uma mulher adúltera. Primeiro, ela é condenada à estaca. Então, a lei é muito rígida com ela. Depois, ela se livra da estaca, não é queimada, mas é condenada a viver dentro de um convento, que é a castração, até o fim dos seus dias. E aí não tem críticas a uma religião especificamente, mas à interpretação das religiões, como que isso é utilizado, desde os primeiros séculos da era cristã, para aprisionar a mulher. Essas cenas estão hoje na nossa sociedade. A questão também da falta de sororidade. Ela não consegue ter espaço de fala, porque as outras mulheres não conseguem se unir a ela. E ainda a questão de ela ser estrangeira. Ela tem uma condição de estrangeira o tempo todo no romance, em todos os lugares que ela ocupa. Na verdade, é um desencaixe do mundo, ela é estrangeira no mundo.
– No seu livro “E eu, não?!”, de 2015, o protagonista é um sapo que não se cansa de se comparar com outros bichos. E a mensagem do livro é que cada um é cada um. Agora, você acaba de ganhar um concurso com “É meu”, eleito um dos 50 livros essenciais para a educação infantil pela Prefeitura de João Pessoa (PB), que traz uma história sobre egocentrismo e partilha. O que acendeu em você um alerta de que é necessário falar de valores com as crianças?
– Essa é uma coleção infantil. São sete livros, e eu tenho três já lançados. Eu fiz todos eles a partir de situações com as minhas crianças na minha casa. São situações que eu notei como muito recorrentes e histórias que inventei para contar para eles. O “É meu” é a história de um passarinho que achava que tudo era dele, e os outros bichos não têm muita interação com ele. Professor de educação infantil sabe que, quando você distribui um brinquedo, tem criança que abraça o brinquedo pedagógico para defendê-lo do próximo. Esse passarinho tem essa atitude. Qualquer coisa que alguém fala, ele diz “é meu”. Até que ele vê a lua, fala que é dele, e aí os bichos começam a rir dele e falam que a lua não é de ninguém e que todo mundo pode olhar de qualquer lugar. E aí ele vê que é uma coisa boa, ou seja, é aquele ideal quase socialista de que tem coisa que é de todo mundo. E é também um ideal meio ecológico de que a natureza é de todos, todos podem usar. Tudo é de todos, e nós temos que cuidar de tudo, compartilhar.
– Marina Colasanti afirmou, certa vez, que a literatura infantil “tem um pé amarrado na educação, como se ela servisse para carregar conhecimentos, princípios morais, como uma cápsula que tivesse outra coisa dentro”. E isso é um problema, segundo ela, porque envenena a literatura. Isso é uma questão pra você?
– Eu fiz as histórias que eu queria contar para as crianças, para brincar um pouco com elas sobre esses probleminhas deles, os conflitos deles, mas para trabalhar de uma forma lúdica, para brincar e também para pensar. Meu primeiro objetivo foi o entretenimento. Queria que a criança lesse e achasse engraçado no final. Agora, até pela questão de eu ter inventado a história para trabalhar com os conflitos deles, tem a questão que passa pela lição de moral. Mas eu acho que não precisa ser uma coisa sem a outra, sabe? Acho que, realmente, se você tiver só essa preocupação, isso envenena mesmo. Mas também não quer dizer que, se tiver isso, vai ser necessariamente ruim. Não precisa ser uma coisa só. A camisa de força é sempre ruim, senão a gente cria outro índex, outra lei, regra. Mas entendo o que ela fala.
– Agora, depois de ganhar o concurso de João Pessoa, qual é a trajetória que seu livro vai trilhar?
O livro ganhou muito mais visibilidade. Eu não tive muito espaço de divulgação desse livro. Eu estava numa correria da minha vida, estava mais fora do país do que aqui por causa do trabalho. Então, não tive tempo de fazer nada. No entanto, foi premiado. Ele ganha uma projeção porque vai estar em todas as escolas da Prefeitura de João Pessoa. É uma coisa que eu não esperava. Estou com intenção de ir às escolas de Juiz de Fora para apresentá-lo.
Autora: Bárbara Simões
Editora: Penalux
Lançamento: nesta quarta-feira (9), às 18h, na Rellicário, no 2º piso do Independência Shopping.