Eduardo Maciel é poeta. Defende que a “poesia é o alimento da alma”, e, é por meio dela, que ele conversa com o leitor. Aliás, serei mais fiel às informações que apurei se disser que ele é um poeta sonetista. Aprendeu com mestres, como Luis Vaz de Camões, William Shakespeare e Francesco Petrarca, a dominar a técnica dessa forma poética fixa. E resolveu, em uma época em que proliferam cultuadores dos versos livres, resgatar e repopularizar o soneto. Idealizou um projeto de sete livros em que seus poemas dialogam com outras linguagens artísticas.
Já foram para as estantes das livrarias o “SnetATo” (conversa entre o soneto e a própria literatura), o “SonetIMAGEM” (soneto e fotografia) e, agora, o novíssimo “SonetILUSTRA” (soneto e desenho). Trazendo reflexões sobre temas, como aquecimento global, relacionamentos e até a própria arte de escrever, “SonetILUSTRA” rendeu a ele, em 2020, os prêmios Troféu Literatura na categoria “melhor livro de poesia” e FeLiNa (Festival do Livro Nacional) como melhor livro do ano por voto popular. E vêm mais quatro títulos por aí: “SonetERROR” (sonetos focados no gênero de suspense/thriller ou terror), “SoneTONS” (sonetos musicados), “SoneTEMPERO” (soneto e alimentação saudável) e “SoneTEATRO” (sonetos e artes cênicas).
“Cada livro tem 50 sonetos, todos eles numerados de forma sequencial por entre os livros, para que ele tivesse uma cara um pouco parecida com a cara das séries de TV que a gente vê por aí. Procuro falar sobre minha série literária como se fosse uma série de audiovisual, com temporadas e episódios. Resolvi que, em cada temporada da série, eu iria promover uma conversa entre os sonetos e outras linguagens da arte com alguns objetivos. Gosto muito de frisar o caráter fluido da arte, a possibilidade que a gente tem imensa e inesgotável de explorar uma arte misturada com outra, e é o que a gente vê, sem perceber, num espetáculo musical no teatro. A gente usa música, dança e arte cênica num só produto, e isso traz uma riqueza imensa, e acho que a literatura não foge a essa regra”, explica o poeta, que também é gestor cultural, roteirista de teatro, cantor, compositor, fotógrafo e diretor de fotografia.
Além de se dedicar aos livros que ainda estão por vir, o artista planeja, ao lado da jornalista e escritora Daniela Lobo, um podcast sobre vários temas, entre sentimentos, relacionamentos e cultura. Ainda está previsto o lançamento de um curta-metragem documental de arte visual, dirigido por Maciel, explicando a história e o processo de produção de “SonetILUSTRA”. Para ficar por dentro dos trabalhos de Eduardo Maciel, acesse aqui.
Marisa Loures – Começo nossa conversa com uma pergunta que figura em quase todas as entrevistas como essa, mas como estou conversando com um poeta, acho impossível não fazê-la. O que é a poesia e qual a função dela nos nossos dias?
Eduardo Maciel – Essa pergunta, como primeira pergunta, é excelente, até porque, se a gente procura definição de poesia, mesmo em dicionário e em internet, a gente não tem um consenso. E é muito difícil, assim como definir o amor, definir a poesia. Segundo a Wikipedia, vamos começar assim, “a poesia, ou texto lírico, é uma das sete artes tradicionais, pela qual a linguagem humana é utilizada com fins estéticos ou críticos, ou seja, ela retrata algo em que tudo pode acontecer dependendo da imaginação do autor como a do leitor, ou seja, é binômio do autor com o leitor.” A definição de poesia precisa passar por esses dois agentes. “Poesia, segundo o modo mais comum de falar”, e volto à Wikipedia, “quer dizer duas coisas. A arte, que a ensina, e a obra feita com a arte; a arte é a poesia, a obra poema, o poeta o artífice.” Eu acho que é uma frase que encerra em si mesma uma definição muito assertiva. “O sentido da mensagem poética também pode ser, ainda que seja a forma estética a definir um texto como poético”, que é o caso do soneto, cuja forma estética, na verdade, define o soneto como um tipo poético. “A poesia compreende aspectos metafísicos e a possibilidade de esses elementos transcenderem ao mundo fático. Esse é o terreno que compete verdadeiramente ao poeta.” E aí a gente fica com a definição da Wikipedia. E eu, na verdade, minha percepção pessoal é a de que tudo na vida pode ser poesia. Um ato de caridade e bondade pode ser encarado como poesia, uma atitude empática com alguém que está em dor ou sofrimento pode ser tido como poesia. Atitudes do dia a dia com pessoas que a gente ama, elogiar, falar bem, colocar para cima, isso pode ser poesia. Mas, considerando que poesia é um texto composto em versos e não em prosa, eu diria que poesia é o resultado de tudo aquilo que alimenta nossa alma e não nosso corpo. Essa seria minha definição pessoal. Poesia é o alimento da alma.
– Em que momento você se percebeu poeta? Os grandes sonetistas do passado estão presentes na sua obra?
– Na verdade, acho que eu não me percebi poeta. Acho que a poesia me tomou para ser poeta. Eu me recordo desde criança, nas minhas primeiras memórias, eu fazendo pequenas rimas, pequenos poeminhas para presentear familiares e amigos, e aquilo me da dava uma satisfação imensa não só no momento em que eu estava escrevendo, mas também com a reação das pessoas que recebiam esse material. Então, desde pequinininho, eu venho produzindo poesia. Claro, uma poesia insipiente, infantil, e ainda com pouco requinte. E assim perseverei. Perseverando, flertei um pouco no mundo da prosa e, em seguida, no Ensino Fundamental, quando tive aula de sonetos pela primeira vez, fui arrebatado pelos sonetos, porque achei de uma riqueza inigualável. Riqueza no sentido de, em 14 versos, porque a maioria dos sonetos são compostos de 14 versos, no esquema de dois quartetos e dois tercetos, eu achei fantástico aquele tipo, porque, ele conseguia, em poucos versos, finalizar um pensamento, um sentimento, uma atitude, um desabafo, o que estivesse passando ali por dentro daquele sonetista que o escreveu, né? Em relação à poesia em geral, eu tenho os poetas clássicos brasileiros no meu coração. Vou destacar, entre eles, Augusto dos Anjos, que é meu poeta preferido dentre todos os outros no mundo inteiro, e, como influência para a produção de sonetos especificamente, eu fui muito a fundo no estudo de Shakespeare, fui muito a fundo no estudo de Camões. E aí, por exemplo, eu escrevo sonetos autorais em português e em inglês também, então, Shakespeare e Camões foram grandes influências. Logo em segundo plano, vem Francesco Petrarca, que foi um italiano sonetista, se não me engano do século XVI, que teve uma produção bastante relevante. Foram 250 sonetos que ele escreveu, mas sonetos belíssimos e incríveis. Claro, com uma temática e usando palavras que se aplicavam mais à realidade dele na época. E, mais recentemente, não posso deixar de citar aqui o queridíssimo Glauco Mattoso, que é um sonetista brasileiro fantástico, incrível, que produziu muito aqui no Brasil no século XX. Acho que são minhas maiores influências poéticas. Sobre essas figuras fantásticas que eu citei estarem presentes na minha obra, elas não estão na minha obra. Inclusive, no momento em que decidi pelo projeto de resgate dos sonetos na literatura, isso eu estou falando pós a minha pesquisa exaustiva a respeito de quais eram os tipos, quais foram as formas, quais as regras de métrica e rima, enfim, quando eu finalmente terminei a pesquisa e me lancei a planejar o projeto, eu parei mesmo de ler os sonetos que não fossem meus, porque eu não queria que minha obra fosse uma releitura dessas pessoas fantásticas. Eu queria imprimir a minha marca, o meu modo de escrever, a minha verdade, o meu íntimo no que eu escrevo. Então, eu não acho que a minha obra tenha nada parecido com a obra deles, exceto por aqueles que escreveram usando as regras de métrica e rima que eu continuo usando até hoje.
– Em “SonetILUSTRA”, as ilustrações ficaram por conta do artista Robson Sark. Como se deu o diálogo entre texto e imagem? Como vocês tocaram essa parceria?
– Em “SonetILUSTRA”, que é o último livro lançado, convidei um amigo meu de muito tempo. Aliás, todos os livros, todas as temporadas, as aberturas dos livros, sempre têm uma criança, um adolescente contribuindo, porque acho muito importante a gente incentivar o hábito de leitura, introduzir a leitura dos sonetos, porque é uma excelente introdução poética, justamente, por aquela característica que eu falei de os sonetos serem pequenos e concisos. Eu acho que é de fácil absorção pela criançada, pelos adolescentes, da questão da leitura poética, que é uma coisa megadeficitária no Brasil e que vem decaindo vertiginosamente ao longo dos séculos. Então, acho importante resgatar isso também e incentivar as crianças não só a lerem, mas, quem sabe, a escreverem poesias, a serem poetas no futuro. E eu só trabalho com gente que é meu amigo. A amizade é primordial para que essas junções de linguagem de arte ocorram, né? Porque você confia no seu amigo, você tem intimidade com seu amigo, enfim, há várias vantagens de você trabalhar artisticamente com amigos. Robson Sark é um grande amigo meu, ele é talentosíssimo. Além de ilustrador e desenhista, também é grafiteiro, tatuador, ele já pintou fachadas e muros pelo Brasil inteiro e fora do Brasil também. O processo foi o seguinte: escrevi o livro e falei: “cara, vem comigo para o projeto?” Expliquei para ele qual era o projeto, ele se animou, e aí eu entreguei os 50 sonetos para ele. Falei: “Amigo, o que eu preciso que você faça é uma tradução, mas não uma tradução de uma língua para outra, quero que faça uma tradução artística. Quero que pegue um texto literário e faça uma tradução para arte visual.” Aí, ele: “ah, beleza, eu topo, mas você vai me dar algum direcionamento sobre o que gostaria que eu desenhasse?” Respondi: “De forma alguma, quero que você use todo seu potencial criativo. Você faz o que quiser. Não vou mexer, não vou opinar, não vou criticar a sua obra. Só gostaria que mergulhasse no soneto e trouxesse para esse soneto o seu ofício, a sua interpretação artística.” E foi maravilhoso, o livro está lindo, foi premiado. Estou muito feliz com o trabalho, ele também ficou muito feliz. E, em breve, a gente vai lançar um curta-metragem que eu dirigi, o Rodrigo Rozendo produziu, e será um curta-metragem onde eu também contraceno, mas o protagonista é o Robson Sark. É um curta documental de arte visual e que tem o mesmo nome do livro, explicando um pouco dessa história, do processo. Estou muito feliz com o resultado disso também.
– Você falou sobre o soneto ser um tipo muito fácil para introduzir a poesia para as crianças e adolescentes, pois o caráter educacional dele é fantástico. Também tocou nesse assunto em conversa com a jornalista Daniela Lobo. Gostaria que falasse um pouco mais sobre isso. De que forma essa composição poética pode contribuir com a introdução de crianças e adolescentes na leitura?
– Falei isso mesmo no programa Educação, apresentado pela Daniela Lobo, na TV Alerj. Aliás, já aproveitando, agora em março, eu e Daniela Lobo estaremos lançando juntos um podcast falando sobre vários temas da vida em geral, sentimentos, relacionamentos, cultura. É um podcast com uma proposta diferente, de 5 minutos apenas, onde a gente vai introduzir um tema e debater diversos pontos de vista sobre esse tema para que as pessoas possam refletir depois. E ele é curto, justamente, para isso, porque você pode, numa fila, ouvir aquilo e depois pensar. Bom, não só o soneto, a poesia, ela é muito importante do ponto de vista educacional. Primeiro, porque ela abre portas para leitura de obras mais pesadas, de conteúdos muito mais longos, romances de 400 páginas, clássicos da nossa literatura, como José de Alencar e Machado de Assis. Vários dos nossos mestres que escreveram obras grandes, parrudas e densas, que são importantes para a gente conhecer a nossa cultura, a nossa história, nosso povo, nossa origem. Mas eu acho que a poesia já facilita esse caminho, e o soneto é mais ainda privilegiado nisso do que a poesia, porque ele tem uma cadência, ele quase gruda em sua memória por conta da cadência rítmica que ele possui. E eu tenho observado com alguns professores amigos meus que utilizam meus livros em suas aulas para a introdução poética que eles têm tido um efeito muito positivo. E eu tenho recebido mensagens de adolescentes falando a respeito disso por conta, inclusive, desse approach educacional, que é uma coisa muito legal. E, aliás, quem estiver me lendo, por favor, acesse meu site, www.eduardomacielartes.com.br. Lá, tem uma seção específica solicitando uma palestra virtual ou presencial, quando for o caso, a respeito desse assunto, focado em escolas. Eu fiz isso no Colégio Pedro II, o campus do Centro do Rio de Janeiro, e foi muito prazeroso fazer. Recebi de uma Escola Estadual aqui do Rio de Janeiro um convite para fazer isso também, e ainda fui contemplado em edital da Lei Aldir Blanc, em nível municipal, para fazer videoaulas falando sobre isto, sobre a importância da leitura para a formação do ser humano enquanto indivíduo pensante, capaz de, criticamente, atuar como cidadão na nossa sociedade, também a respeito do soneto e suas técnicas e sua história, a respeito da conexão entre a poesia e o incentivo à leitura. É um projeto patrocinado pela Lei Aldir Blanc de auxílio aos agentes culturais e será disponibilizado, obrigatoriamente, para toda a rede municipal de ensino do Rio, e depois eu vou ofertar esse mesmo material, de forma não onerosa, para escolas estaduais e escolas particulares não só no Rio de janeiro, mas também no Brasil todo, se assim eu conseguir. É um objetivo muito importante para mim, porque acho que a literatura e a educação caminham juntas, de mãos dadas.
– Numa época em que os versos livres tomam conta da poesia, você lança o projeto para resgatar o soneto, que é uma forma poética fixa. É um tipo mais formal de poesia que foi muito apreciado em outros tempos, mas que está cada vez mais escasso. O que o leva a esse resgate? Podemos dizer que é preciso conhecer as regras até para quebrá-las?
– De fato, a tendência da literatura poética contemporânea é a de privilegiar o verso livre, apesar de eu ainda ver vários poetas produzindo poesias concretistas, vamos dizer assim, que também não deixa de ser uma tendência contemporânea. Eu resolvi trazer o soneto não para que eu mostrasse que a poesia poderia ser feita usando regras rígidas de métrica e rima como incentivo para que se quebrassem essas regras, porque eu estaria, com isso, dizendo a mesma coisa, porque esse processo já ocorreu naturalmente. Ao longo do tempo, foi se entendendo, por “N” razões e motivos, na coletividade, na sociedade, que, quanto mais livre fosse a produção poética, mais qualificada ela seria. Meu propósito, na verdade, não é este, trazer a regra para que a gente possa entender os motivos ou poder ter um pouco mais de estímulo para quebrar as regras. Eu trago as regras de volta, e não trago todas, existem detalhes a respeito das regras dos 20 tipos diferentes de sonetos que existem, como, por exemplo, sonetos com versos heróicos ou sofismo nos sonetos. Versos heróicos, por exemplo, as sílabas tônicas dos versos são na sexta e na décima sílaba. Eu deixei de lado esses arroubos de técnica e de rigor formal muito complexos. Deixei de lado, porque eu acho que não cabem no contemporâneo. O que trouxe para o contemporâneo foi a essência do soneto, que é métrica e rima. Métrica, quantidade de sílabas poéticas dentro de um mesmo verso; rima, um esquema que tem uma cadência específica que não pode fugir a ela. E, se fugir, não deixa de ser soneto. Se tiver 14 versos separados em dois quartetos e dois tercetos, com alguma rima, mesmo que não seja toda cadenciada igual, ou mesmo que as sílabas poéticas não sejam todas metrificadas iguais, esse é um tipo de soneto, que é o soneto livre. Aliás, o “Soneto da fidelidade”, do Vinicius de Moraes, é um soneto livre. Então, meu principal intuito, com isso, é porque achei muito oportuno para nosso momento como Brasil e como planeta. Percebo que, nos últimos anos, a gente tem passado por períodos em que várias regras são impostas para gente, em que a gente se polariza em ideologias, em que a gente se acha pertencendo a caixinhas, em que a gente vê em redes sociais pessoas se digladiando porque uma não está seguindo a regra que o outro prega. Então, eu acho que, como a gente está num ambiente social, em nível global, discutindo regras, regras de conduta, regras éticas e morais, regras, mesmo, legais, adaptando algumas coisas, enfim, como a gente tem muito se dividido em regras, achei que seria muito apropriado ressuscitar um tipo poético que contém regra para que a gente veja que nem sempre a gente precisa usar essa questão de rigor formal e de regra para coisas que dividem as pessoas. Podemos usar esse tipo de coisa para instrumentos que unem as pessoas, e a poesia une as pessoas. Eu quis mostrar outra faceta dessas regras todas em que a gente está envolvido no momento. Ao invés de dividir, ela pode multiplicar. O soneto é a melhor ferramenta para promover isso, e é esse o intuito na realidade.
– Cada livro traz 50 sonetos. Qual é o principal desafio nesse projeto? Como é o seu processo de criação? E como foi o processo de construção de cada livro?
– Primeira coisa que devo dizer é que eu trabalho ativamente no planejamento do projeto, porque eu precisei estudar, pesquisar, formular os temas, as linguagens que eu iria unificar, porque isso também favorece a formação de público, né? Quando você traz, por exemplo, um livro de soneto com fotografia, você não atinge apenas aquela pessoa que curte uma leitura poética, mas atinge também quem gosta de fotografia. Quando você traz sonetos e ilustrações, você cativa as pessoas que gostam de literatura e poesia, mas também aqueles que curtem ilustração e arte visual. Inclusive, teve uma leitora que comprou o “SonetLUSTRA” que falou: “Nossa, as ilustrações são lindas, mas elas são em preto e branco.” E elas são em preto e branco por um único motivo, porque o mercado editorial não facilita a vida do escritor, infelizmente, aqui no Brasil, e eu não queria que meu livro fosse caro. Se eu tivesse que fazer o serviço gráfico com as ilustrações coloridas, iria encarecer muito a produção gráfica e, consequentemente, o preço do livro iria subir. E meu intuito é que meus livros sejam baratos o suficiente para que todo mundo possa ler e desfrutar. Uma pessoa que comprou o livro veio me falar no Instagram de forma privada: “Nossa, eu adorei tanto as ilustrações, me deu uma vontade de pintar tudo.” Eu falei: “Pinta, bota você dentro do livro, vai colorir as ilustrações e depois me manda uma foto.” E ela mandou. Eu fiquei muito contente, porque é isso que eu quero. Eu não quero que meus livros sejam apenas uma leitura de poesia. Eu quero que as pessoas participem da experiência toda que tem por trás disso. Agora, eu falei que fiz ativamente o planejamento, mas eu não controlo a produção. Quem controla a produção são os deuses da arte, o universo, Deus, ou a chama da inspiração criativa, como queiramos chamar, mas existe algo maior que eu, que me força a escrever. Eu não decido quando vou escrever meus sonetos, eles vêm para mim. Às vezes, eu estou num lugar e alguém me fala alguma coisa, eu acho aquela frase poética e, automaticamente, eu vou contando as sílabas tônicas. Aí eu falo: “nossa, isso seria um verso decassílabo.” Aí eu pego o bloco de nota do meu celular e, na mesma hora, eu anoto. Eu, quando me sinto inspirado e o chamamento ocorre, eu falo que é minha escravidão consentida. Eu sou um escravo mesmo, tenho que obedecer ao chamado, mas eu gosto de ser. Quando vem o chamado, eu, automaticamente, pego o bloco de notas, e aí, às vezes, leio uma dessas frases que eu anotei e desenvolvo o soneto a partir daí. Às vezes, estou passando por um momento emotivamente importante e eu quero falar sobre isso, aí eu aguardo quando eu tenho esse momento criativo e despejo ali no soneto o que eu queria desabafar, compartilhar com os leitores. Por isso que eu digo que eu não escrevo pensando no leitor, porque é impossível fazer isso para mim. Eu não decido quando escrevo poesia. Eu escrevo artigos em prosa para revista, por exemplo, a Revista Kuruma’tá. Eu sou um colunista da revista, então, eu tenho uma obrigação quinzenal de produzir um texto. Os textos em prosa são muito mais simples porque você monta um tema e você, simplesmente, discorre a respeito do tema de acordo com o que você pensa e sente sobre ele. Já a poesia não é assim. Nas horas mais estapafúrdias do mundo, me vem uma ideia de escrever um soneto, e eu posso estar, de repente, no fim do dia cansado, esgotado, zero energia. Não adianta, enquanto eu não escrever, eu não vou conseguir dormir, porque aquilo fica na minha cabeça até eu botar no papel. Então, meu processo é um pouco assim, menos dependendo de mim e mais dependendo de eu receber esse chamado. E aí, às vezes, eu produzo um soneto no dia e fico, sei lá, dois meses sem escrever nenhum. Às vezes, escrevo seis, sete sonetos num dia só. Claro, eu falei do livro “SonetERROR”, que é o livro próximo, depois do “SonetILUSTRA”, que vai ter sonetos de terror. Obviamente, como é que eu poedeira esperar que a minha inspiração criativa me levasse para uma escrita de terror? Nesse caso, o que eu fiz? Com a ajuda preciosa dos meus enteados, eu elenquei 50 temas de coisas que eles consideravam, e eu também, aterrorizantes, por exemplo, esfaqueamento, bala perdida, perda de filho, bullying, soterramento, afogamento. A gente elencou os temas, e eu comecei a consumir muita coisa de terror, em outras linguagens. Ler livros de terror em prosa, assistir a filmes de terror, assistir a séries televisivas de terror, para poder preparar o cenário para que, na chegada do lirismo, eu já esteja naquele cenário apropriado para a escrita dos versos aterrorizantes. Aparentemente, deu certo, eu adorei o resultado. Eu não sei o que o público vai achar, porque o livro não foi lançado ainda, só no segundo semestre, mas é um tipo de processo. No “SonetIMAGEM”, por exemplo, às vezes, a partir de uma foto linda que eu adorava, eu escrevia um soneto pensando na foto. Às vezes, eu escrevia o soneto e ia buscar uma foto que pudesse conversar com ele. Então, não tem muito algo definido sobre meu processo, depende da obra, depende do assunto, depende do momento. Depende do que eu quero atingir, qual o objetivo da obra, mas o que posso garantir é que eu não consigo dominar o lirismo quando ele chega. Não dá. E eu vou contando as sílabas tônicas como quem está fazendo contas nos dedos, mexendo nos dedos e, às vezes, eu me pego no metrô, por exemplo, escrevendo soneto e contando as sílabas para ver se ele está correto, se é um verso alexandrino de 12 sílabas poéticas. E, nisso que estou mudo contando nos dedos, um dia eu reparei, as pessoas todas me olhando, eu sentadinho lá contando nos dedos, todo mundo pensando, “nossa, esse cara deve ser louco.” Eu mesmo pensaria isso de mim se estivesse me observando de fora. Então, é uma coisa muito sui gêneris. É muito lindo e, ao mesmo tempo, acho deliciosamente sacrificante, porque eu não tenho domínio sobre isso.
– Temos em “SonetLUSTRA” poemas que nos fazem refletir sobre temas, como aquecimento global, relacionamentos e até a própria arte de escrever. São inquietações que refletem o momento em que seus textos foram escritos?
– Especificamente, no “SonetLUSTRA” e, talvez, no “SonetATO” também, a temática que escolhi foi bem atual. Eu queria que as pessoas pudessem empatizar com os temas. A gente observa no noticiário tanta coisa horrível que acontece, tantos problemas que ocorrem. Observando o relacionamento dos nossos familiares e dos nossos amigos, com nossos familiares e com nossos amigos, a gente observa tantas coisas que, às vezes, não são bacanas, e eu tenho minhas inquietudes em relação a tudo isso, e eu queria dividir isso um pouco com o leitor. Até porque, como é que eu iria querer resgatar e repopularizar os sonetos, se eu não viesse com temáticas e com léxico, com vocabulário, que pudessem ter ressonância, pudessem ecoar na alma de quem está lendo? É papo de alma para alma. Mas é com uso de palavras que a gente se identifica, com usos de figuras de linguagem que nos são corriqueiras, e tratando de temas que interessam a todo mundo no final. Alguns mais, outros menos, a depender da pessoa, do seu contexto, mas acho que são sonetos que servem a qualquer pessoa, qualquer ser humano, independentemente de cor, raça, orientação sexual, identidade de gênero, condição social, condição financeira, estrutura familiar, localização geográfica, idade. Acho que eles são apropriados para todo mundo, e é por isso que eu me encorajo sempre, todos os dias, a permanecer nisso firmemente, com sangue no olho, com amor no coração, com poesia e lirismo na alma, para não parar e continuar sempre, até meu último dia, cumprindo meu propósito, minha missão nesse planeta, que é trabalhar as artes e fazer com que as artes possam amenizar a realidade da vida para as pessoas que eu conseguir atingir.
“SonetLUSTRA”
Autor: Eduardo Maciel
Ilustrador: Robson Sark
Editora: Autografia