Estou sentada à mesa de um restaurante de um hotel e estou sozinha. Isso me privilegia o olhar de observação aos que estão também sentados, mas com companhias. Há famílias, há casais, há poucos grupos de amigos. Bem à minha frente está uma jovem família brasileira. Imagino que estejam de férias e a ocasião seja especial. O pai não tem mais que trinta e pouquíssimos. A mãe não deve chegar aos trinta. Uma criança, Vitória, talvez tenha seus cinco anos. Quando ocupo meu lugar à mesa, eles já estão comendo. A mãe se ocupa de cortar a carne e as batatas para facilitar a vida de Vitória que grita que não quer o verde, nem tão predominante assim, no prato. A mãe passa a recolher, entre suspiros, as folhinhas que assustam a menina. O pai está olhando o celular. Vitória, ao lado da mãe, cujo prato vai esfriando enquanto o do pai já está vazio, tanto que ele tem tempo para olhar mensagens.
Chama-me a atenção como estão vestidos. Parece que vão à festa. Ele porta um casaco que lhe cai muito bem, de um tom azulado, claro, sobre uma camisa branca. Está realmente bonito. A mãe está com um vestido curto preto de mangas bufantes. Vitória traz uma fita branca nos cabelos pretos e lisos. A mãe está de salto. Quase sinto vergonha de estar tão despojada com uma sandália sem qualquer salto e um vestido florido confortável. Minha cara está limpa e a jovem mãe caprichou na maquiagem. O pai tem gel nos cabelos. Claramente se arrumaram para aquele jantar, para aquela saída. Mas a mãe picando as batatas da Vitória que está aterrorizada com o brócolis, e o pai ao celular me trazem uma melancolia. Como se toda a preparação vista nas roupas, na maquiagem, nos sapatos e no blazer não coincidissem com a realidade de estarem juntos. Parece que tiveram boas intenções, mas a realidade tomou conta com a Vitória dando chilique por causa do verde, o prato da mãe frio e o pai rindo sozinho enquanto olha o celular. Em algum momento, a mãe da Vitória prova umas batatas da sua comida já passada. O garçon retira os pratos e logo traz a sobremesa. O pai tira uma foto. A mãe da Vitória tira uma foto. A Vitória ganha um leve tapinha na mão porque tocou na sobremesa antes da foto. Comem todos sem qualquer chilique da menina, a torta doce servida com uma apresentação sofisticada. Não conversam; comem. Raspam o prato. O pai volta os olhos para a companhia. Não a mãe da Vitória, toda enfeitada naquela noite, mas a mensagem do celular que vibra sem parar em cima da mesa. Pedem a conta. O pai diz que vai esperar lá fora enquanto a mãe da Vitória diz que vai ao banheiro. Ao sair, noto que o vestido preto da moça tem uma espécie fita comprida nas costas e essa fita está desamarrada. Ela, altiva e no salto com toda a classe da ocasião, caminha com propósito como se desfilasse. A cara dela é de poucos amigos. Enquanto anda, a tal fita se prende no resfriador de vinho da mesa ao lado onde um casal janta. O objeto cai e quebra em milhares de pedaços os vidros da garrafa do vinho. No restaurante há um silêncio grande como um silêncio dos casais que não se amam e estão de férias. A mãe da Vitória olha, grita para a filha tomar cuidado com os cacos e continua seu caminho para o banheiro. Não houve um pedido de desculpas daquela moça tão jovem e tão bem arrumada. Ela foi embora. O garçom se desculpou com o casal, trouxe um novo vinho e foi limpar a mesa da Vitória. Todos os guardanapos de linho branco espalhados pelo chão.
Uma moça de classe
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