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BUILDING BRIDGES

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Vou oferecer um pedaço de sinceridade: sim, já subestimei meus filhos simplesmente por conta da idade de cada um. É claro que isso não é um comportamento que eu procure repetir, mas escapa, vez ou outra, admito.

À noite, antes de ir dormir, meu filho gosta de falar do seu dia, ou não falar nada e se apresentar um pouco silencioso e melancólico, aspectos dele que noto e que casam bem com a criatividade e imaginação que o fazem ir para lugares parecidos com os que eu ia quando tinha a idade dele.

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Um dia, depois de me ouvir contar sobre a casa dos meus avós maternos, os morcegos que davam rasantes às seis da tarde, o atalho para visitar a amiga a qualquer hora, ele disse que teria gostado de ser criança junto comigo. Achei aquilo muito profundo porque significou, para mim, um olhar dele que não é necessariamente reduzido à figura da mãe.

Lembro-me de, certa vez, me assustar com a reação dele quando, aos cinco anos, durante uma aula de tênis, ter levado um empurrão de um menino, que ria do amigo que levava desvantagem num jogo. Ele reclamou. E ele levou um empurrão. E ele era menor em tamanho. E ele não pensou nisso. Ficou em clara desvantagem. Fui buscá-lo com arranhões e lágrimas.

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Faz três semanas que ele me disse que rompeu a amizade com os dois meninos com quem convivia mais na escola. Fiquei alarmada. Ao mesmo tempo que me preocupei com a hipótese de ele estar sozinho na hora do recreio, eu sabia que a relação com os dois meninos estava desgastada. Eu, quando criança, concordei em ter amizades que, hoje eu sei, foram tóxicas ou monótonas. Umas mais, outras menos. Amizades que nos fazem sentir pra baixo, com a autoestima sempre em risco ou, ainda, sem estímulo criativo. Mas a determinação que me faltou parece que sobra no meu filho.

Há em inglês a expressão “burning bridges”. É algo que, por princípio, eu evito a todo custo fazer. Sempre tento manter contatos, vínculos, porque o mundo dá umas voltas estranhas. Mas, em casa, vejo essa pessoa que tem uma integridade que custa e está disposta a pagar seu preço.

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Ao me contar do corte de amizade com os dois meninos, protestei. Disse a ele que isso não se faz, que ele não estava sendo inteligente. Falei sobre a expressão “burning bridges”. Será que ele já tinha pensado nisso? Claro que sim e exatamente por isso, ele estava disposto a levar a decisão adiante. Depois de eu dar-lhe um sermão sobre a importância da diplomacia, ele me ensinou sobre o bem-estar nas relações de amizade. Disse-me que não estava disposto a se sentir mal em troca de ter companhia. E mais, ele agora, durante o recreio, estava com duas meninas que vinham se tornando amigas porque, com elas, ele tem conversado sobre o universo, sobre estrelas e sobre suas comidas preferidas. Que ele está aliviado por não ter que ouvir mais sobre Fortnite.

Ainda que os amigos façam piada do fato de ele ter como companhia duas meninas – eu sei, o machismo é uma praga que se alastra mesmo em terreno de aparência saudável – meu filho parou de chorar antes de ir para a escola e passou a cantar as músicas do rádio do carro comigo em preparação para o seu dia.

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Não que eu esteja imune a subestimar meus filhos, infelizmente. Mas talvez seja uma boa ideia ouvir sobre o que sobra neles e pode, por vezes, faltar em mim.

Penso sobre ser criança junto com o meu filho. Eu também teria gostado.

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