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Por que é tão importante o protagonismo negro no jornalismo?

Lucimar Brasil
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Desde que concebi ocupar este espaço na Tribuna de Minas, para falar de cultura afro-brasileira, minha intenção sempre foi a de dar voz a pessoas que, como eu, sentem na pele o que é ser negra e negro no Brasil. Mais ainda, sentem orgulho por isso, pela história que estão construindo como cidadãs e cidadãos, fazendo ecoar a luta antirracista e ocupando não apenas o lugar de fala, como também o lugar que nos fala ao coração.  

Assim, convidei seis jornalistas apaixonados pela profissão, para juntos refletirmos sobre a importância do protagonismo negro no mercado da comunicação, instigando uma resposta a quem está tão acostumado a fazer perguntas.  

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Além da provocação a eles, porém, estendo o questionamento a você, leitora e leitor, afinal nunca foi tão importante aprofundar significados para palavras, como representatividade e diversidade, e repensar processos de recrutamento e seleção nas empresas. Apesar de sermos a maioria da população brasileira, ainda estamos invisíveis e somos minoria em inúmeros espaços, sobretudo os mais privilegiados, do mercado de trabalho. 

Fernanda Evarista 

Estava atuando como comentarista para uma rádio local em uma partida do Tupinambás. Ao longo de todo o jogo, percebi que uma menina, aparentava não mais que 9 anos, fitava insistentemente nossa cabine de transmissão, principalmente em momentos mais tensos da disputa. Seu olhar me parecia um misto de surpresa, curiosidade e admiração. Assim que terminou o jogo, vi novamente a mesma menina, encabulada, enquanto eu passava no saguão do estádio. Sua avó então me chamou, se apresentou e me agradeceu. Sem entender, perguntei o porquê do agradecimento, e ela me disse que sua neta estava encantada por ver uma mulher preta, assim como ela, falando ao microfone na cabine. Que a neta agora podia sonhar em fazer a mesma coisa. Por isso precisamos de mais protagonistas pretos no jornalismo. Para falarmos por nós, mas, principalmente, sermos exemplos para os que virão e farão muito mais. 

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Carmen Calheiros

 

Só os jornalistas negros são capazes de desenvolver uma noção mais profunda de como as questões raciais deveriam ser abordadas pelos meios de comunicação, legitimando os temas plurais de diversidade.  Mais do que isso, jornalistas negros influenciam a agenda diária dos veículos, abrindo espaço para as pautas que denunciam o racismo e as que contribuem para a mudança do imaginário a respeito das pessoas pretas. A comunicação antirracista é um processo educativo que precisa ser construído no dia a dia. É urgente educar a atual e as futuras gerações, para o resgate da cultura, dos valores humanos, do direito à cidadania e das tradições. Vejamos como tem sido importante ver jornalistas pretos e pretas como protagonistas nos veículos de comunicação de massa, influenciando e inspirando, sobretudo a população preta, a ser ver como protagonista. 

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Telma Elisa 

Dados divulgados pelo “Perfil Racial da Imprensa Brasileira”, em novembro de 2021, mostram que 98% dos jornalistas que se declaram pretos ou pardos consideram que os profissionais de imprensa negros (classificação do IBGE para a soma de pretos e pardos) enfrentam mais dificuldades em suas carreiras do que os colegas brancos. A realidade é mesmo ainda muito dolorosa ao se pensar que vivemos num país de maioria negra. Ao longo de minha carreira profissional, consigo contar nos dedos das mãos os colegas de trabalho que marcam presença no jornalismo local. As incontáveis vivências de desrespeito com a população negra deixam marcas indeléveis na alma, mas também alimentam o desejo pulsante de que nossa voz seja cada vez mais ouvida. Somos parte de um fazer diário que forma e informa. Somos nós também elemento fundamental para o desenvolvimento de uma nação diversa e com força para seguir no combate ao racismo. Lutemos dia após dia, como cantou Elza Soares, para que possamos “guardar o direito de algum antepassado da cor, brigar sutilmente por respeito, brigar bravamente por respeito, brigar por justiça e por respeito (pode acreditar)”. Eu acredito e luto todos os dias para que a carne mais barata do mercado NÃO SEJA a carne negra. 

Tâmara Lis 

 

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Ao ouvir essa pergunta, o posicionamento de duas grandes referências quando se fala em protagonismo negro vieram à minha cabeça. A primeira delas, a atriz Viola Davis que, em seu discurso, ao receber o Emmy por melhor atriz de drama, em 2015, destacou que se não houver quem repense a figura do protagonista, do negro, do belo… haverá sempre uma linha aguardando ser cruzada e que não podemos ganhar um prêmio por um papel que não existe. Na lista de Viola acrescento: enquanto não houver nas redações de jornalismo o protagonismo negro na tomada de decisões, para além do efeito propagandístico de ocupar as telas, não se pensará o papel da população negra em sua completude. Seremos lembrados eternamente no 13 de maio e no 20 de novembro. Só sendo autores e não personagens da história que o jornalismo escreve todos os dias sobre nossa sociedade, fugimos do risco da história única, apontada pela segunda referência que trago aqui: a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. É urgente enegrecer o olhar para enxergar, de fato, a realidade em que vivemos. 

Antônio Carlos da Hora 

Jornalismo é prática humana, entre outros aspectos. Mais do que isso! Jornalismo é prática profissional debruçada sobre a ação humana em uma sociedade. Portanto, é um desafio constante! E este desafio se amplia à medida em que é praticado por mulheres e homens pretas e pretos. Aliás, há um ponto importante que precisa ser ressaltado: não há como fazer jornalismo sem se considerar o profissional que está à frente desta prática. Portanto, nós, profissionais jornalistas pretas e pretos, trazemos para a realidade da profissão a mesma que vivemos na sociedade, com todas as suas contradições, enfrentamentos, dores e sabores; sendo este último às vezes doce, outras, agridoce. A resiliência, a capacidade de luta, a assertividade, a altivez fazem parte do nosso dia. Como também faz parte o enfrentamento ao preconceito, ao racismo velado, aos questionamentos (sempre constantes) sobre nossa capacidade profissional e nossa vida dentro e fora das redações. 

Lidianne Pereira 

Ainda nessa semana, estava lendo os comentários em um post sobre matéria que trazia a trajetória da jornalista Maju Coutinho, hoje apresentadora do Fantástico. Quer saber o posicionamento em relação a ela? Leia os comentários nos canais oficiais da emissora. A representatividade e a competência da Maju estão atreladas a sua cor. Uma preta, retinta, com roupas sempre de cores alegres, cabelo afro, liberta de pensamentos e críticas alheias, falando firme com uma entonação de voz que traz inquietação mediante as reportagens  que revelam o racismo, o extermínio e a procrastinação de uma Justiça lenta e, na maioria das vezes, que culpabiliza as vítimas negras. Uma delas alvejada com 80 tiros em um carro por policiais militares. Nós, jornalistas, não trabalhamos com achismos. Temos a certeza de que estamos longe do ideal de representatividade negra. Mas, fiquem certos, de que estamos, juntos, como pretos, chegando ao topo. 

 

 

 

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