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Gastronomia afetiva

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O aroma tomava conta da casa da minha avó. O cheiro de chocolate com aquela massa de bolo recém assada, que eu sempre queria comer quente, anunciava: “Hoje terá chiffon!” Os anos se passaram e a certeza de que Chiffon era aquele bolo de chocolate macio, com um creme de manteiga de cobertura, no mesmo sabor e pedacinhos de castanha, era uma voz inabalável em mim, até que…

Chego eu para as aulas de confeitaria em um dos centros de ensino mais importantes do Brasil, e o professor diz: “hoje teremos Chiffon!”. Na hora me veio a imagem da saudosa Dona Cléa anunciando que seu quitute mais apreciado pela família estava pronto; porém, junto veio a decepção.

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O professor começou a tirar uma parafernália de formas de dentro do armário, nos apresentando como a assadeira correta para preparo do bolo, o mesmo modelo que Harry Baker desenvolveu lá em 1927 nos Estados Unidos. Algo que na verdade parecia ter sido desenvolvido pela Nasa, uma estrutura com pés e fundo removível. Explicou também que tal preparo, consistia em misturar duas técnicas: o método cremoso, que vemos nos bolos amanteigados, e o método espumoso, que vemos no preparo do pão de ló. E para dar sentido para aquelas panelas de marte, o bolo, após assado, descansava de cabeça para baixo.

E onde quero chegar com essa história? Simples! Quando vejo alguns estabelecimentos se denominarem como “cozinha ou gastronomia afetiva”, após esse certame, fico me perguntando: “afetiva pra quem?” O afeto à comida vem da experiência e vivência de cada um. Para mim, o bolo chiffon continua sendo o que a minha avó fazia. O pudim com furinhos, continua trazendo lembranças boas para quem come, mesmo tudo isso significando erros no preparo ou falta de conhecimento específico e histórico. Há alguns críticos mais ácidos que insistem em afirmar que cozinha afetiva é desculpa para erro técnico.

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A ideia de que Confort Food deve ser algo nostálgico ou sentimental é muito relativo. O cheiro de alho dourando na panela pode resgatar lembranças ótimas, mas também pode servir de gatilho e despertar vivências ruins. Tudo isso, como disse anteriormente, vai ser relativizado com o viés de cada indivíduo. Não abro mão da minha cervejinha nos dias quentes, gosto de dividir esse momento com os amigos e familiares, mas conheço gente que evita esses encontros, pois, só o cheiro da cerveja traz lembranças da vivência com um familiar etilista, por exemplo.

Gastronomia afetiva não existe, da mesma forma que alta gastronomia também não existe. A gastronomia é uma só, dentro dela temos o estudo das cozinhas, aí sim podemos ter alta cozinha, e mesmo que utópica, a cozinha afetiva.

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Não julgo os estabelecimentos que se denominam desta forma, mas devem deixar bem claro que a afetividade em questão, vem da experiência da pessoa que selecionou as receitas e aprovou o cardápio, até porque, se servirem Chiffon tecnicamente bem executado e, eu for lá comer, vou ficar bem decepcionado!

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