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Precisamos falar sobre a morte

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O cineasta franco-suíço Jean Luc-Godard morreu no dia 13 de setembro de 2022, aos 91 anos. Um dos grandes diretores da história do cinema, sua morte foi lamentada por cinéfilos. Mas a sua morte também chamou a atenção do público para uma controvérsia ética e jurídica. Ele recorreu ao suicídio assistido.

Uma fonte da família contou para um jornalista do “Libération” que a escolha pelo suicídio assistido “foi uma decisão dele”, informando que “ele não estava doente, estava simplesmente exausto”.
De acordo com o bioeticista Julian Savulescu, o suicídio assistido ocorre quando um terceiro (em geral um médico) intencionalmente ajuda uma pessoa a se matar. É o caso, por exemplo, de uma pessoa que voluntariamente decide morrer e autoadministra uma dose letal de um fármaco prescrito por um médico.

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O suicídio assistido não se confunde com a eutanásia, termo que deriva do grego eu (boa) e thanatos (morte). Apesar da distinção conceitual, é inegável a proximidade entre ambos. Podemos afirmar que são espécies de um mesmo gênero: a morte voluntária. Nesse gênero, a vontade do paciente é requisito necessário, e o consentimento, fundamental.

No Brasil, tais práticas são proibidas por lei – quem administrar diretamente ou fornecer dose letal para alguém pode responder pelos crimes de homicídio ou de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio.

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Mas, nas últimas duas décadas, presenciamos uma guinada legislativa em vários países, que passaram a permitir tais práticas. É o caso de Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Argentina, Uruguai, Japão e Suíça. No Canadá isso ocorreu graças a um caso de repercussão. Gloria Taylor recebeu o diagnóstico de esclerose lateral amiotrófica (ELA) e, consequentemente, uma certeza: em poucos anos seus músculos enfraquecerão progressivamente até o ponto em que não conseguirá mais andar, falar, usar as mãos, mastigar ou engolir. Não conseguirá mais respirar. Ela não quer passar por isso e prefere morrer antes.

Gloria Taylor foi, então, à justiça. Se a Constituição canadense garante ao cidadão o direito à liberdade, por que sua decisão não será respeitada? Ela quer aproveitar o pouco tempo que lhe resta enquanto ainda consegue andar, falar, comer e respirar. Quando chegar o momento em que isso não for mais possível – o momento em que a sua existência não coadunar mais com o que entende ser uma vida digna, ela quer que alguém coloque um fim nesse sofrimento. Seu argumento jurídico: as leis que a impedem de receber ajuda para morrer são incompatíveis com o direito à liberdade previsto constitucionalmente. Após ouvir especialistas (médicos, filósofos, bioéticos), a juíza Lynn Smith decidiu pela inconstitucionalidade das leis que proíbem ajuda médica nesses casos. Se a nossa capacidade de escolha autônoma não for respeitada, o que nos resta de dignidade e liberdade?

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Apesar da compreensível dificuldade que temos para conversar sobre a morte, passou da hora de começarmos um debate público sério e responsável sobre o tema. Finalizo com o filósofo grego Epicuro: “A arte de viver bem e a arte de morrer bem são uma só”.

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