O Direito Internacional – enquanto sistema de princípios e normas que buscam regular as relações entre os diversos sujeitos na esfera internacional – passa por uma grave apatia quando se trata do combate ao racismo e em relação ao debate racial.
O sistema internacional se estrutura a partir de relações desiguais e atravessadas por processos de dependência, imperialismo e exploração de natureza colonial que se perpetuam até a atualidade. E isso faz com que discussões sobre raça sejam vistas como pautas laterais e desimportantes, próprias dos países de África e de alguns Estados latino-americanos.
A ausência da questão racial na agenda global de direitos humanos é algo a se destacar, mas a apatia da sociedade internacional – e consequentemente do Direito Internacional – se baseia na lógica de subordinação e de hierarquização racial que constitui elemento estrutural das relações internacionais.
Essa discussão, extremamente cara para mim, homem negro, professor e pesquisador do Direito Internacional e das relações, surge como tema importante para esta coluna pela atualidade da promulgação pelo Congresso Nacional da Convenção Interamericana Contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, ocorrida em 19 de fevereiro deste ano e ainda pendente de ratificação pelo Presidente da República.
Aprovada em 2013, na Guatemala, a Convenção demorou mais de sete anos para ser incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro. Aprovada nos termos do § 3º, do art. 5º da Constituição Federal, e alcançando o quórum de 3/5 em dois turnos nas duas casas do Congresso, o Tratado passa a ser exigível no território nacional com força de norma constitucional.
O processo de ratificação da Convenção Interamericana Contra o Racismo é de grande importância diante do cenário de escalada das violências raciais e do preconceito no Brasil, mas será somente mais uma legislação se não for acompanhada de mudanças no tratamento dado ao racismo pelo país internamente.
A incorporação do tratado internacional com força de emenda à Constituição oferece aos operadores do direito aparato normativo mais robusto no combate ao racismo, pois a Convenção Interamericana inova em alguns pontos em relação à Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, aprovada pela ONU em 1967, e ratificada pelo Brasil dois anos depois.
A normativa de 2013 trata de maneira expressa sobre a discriminação racial no plano da vida privada e não somente em relação à atuação de órgãos públicos. Além disso, a Convenção Interamericana inova ao definir discriminação racial indireta como aquela “que ocorre, em qualquer esfera da vida pública ou privada, quando um dispositivo, prática ou critério aparentemente neutro tem a capacidade de acarretar uma desvantagem particular para pessoas pertencentes a um grupo específico” (Art. 1.2).
Outro ponto importante do Tratado promulgado este ano é o fato deste definir racismo, conceito que não aparece em nenhum momento na Convenção da ONU de 1967, e de legitimar as políticas de ação afirmativa com objetivo de promover a igualdade racial.
Apesar do Brasil já possuir normas que dispõem sobre o racismo, discriminação racial e promoção de igualdade racial, estas se encontram em constante ataque por parte de setores da sociedade – que se negam como racistas, mas que advogam por menos legislações para seu combate.
Por isso, a incorporação do texto da Convenção Interamericana ao ordenamento jurídico brasileiro é tão bem-vinda, pois fortalece o marco nacional de combate ao racismo e legitima os processos de luta social e institucional do movimento negro que levaram à promulgação da normativa internacional em um contexto político tão conservador e recuado em relação à matéria.