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Um caso jurídico controverso – Parte 1

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Em maio deste ano, um juiz inglês precisou proferir decisão em um caso controverso – tão controverso que, mesmo meses após a sua conclusão, continua a gerar debate no meio jurídico e bioético.

O juiz, Mr. Justice Holman, é membro do Tribunal de Proteção, um órgão do poder judiciário inglês responsável por determinar se adultos possuem a capacidade mental de tomar decisões importantes para suas vidas; e, caso entenda que não, o tribunal deve tomar a decisão por essa pessoa, pensando no seu melhor interesse. (Exemplos de casos que são levados à consideração desse tribunal: Uma mulher de 49 anos deve receber tratamento para sua anorexia contra a sua vontade? Um homem de 31 anos com deficiência de aprendizagem, epilepsia e autismo deve tomar a vacina para a Covid-19, mesmo contra a vontade do seu pai/responsável? Um homem de 19 anos com autismo e Asperger pode se envolver em uma prática sexual conhecida como “asfixia autoerótica” para aumentar o seu prazer sexual?) O caso em questão: uma mulher de 21 anos que sofre de severa agorafobia e que reluta em ir ao hospital para o parto pode ser levada à força?

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A agorafobia é classifica pela CID-10 (Classificação Estatística de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde) como um transtorno fóbico-ansioso, apresentada nos seguintes termos: “Grupo relativamente bem definido de fobias relativas ao medo de deixar seu domicílio, medo de lojas, de multidões e de locais públicos, ou medo de viajar sozinho em trem, ônibus ou avião”. No caso em questão, a mulher escolheu o parto domiciliar em razão da sua severa agorafobia – tirando situações rápidas e esporádicas, fazia 4 anos que ela não saía de casa. Já seu companheiro e sua família, baseando-se na suposta falta de segurança dos partos domiciliares, queriam o parto hospitalar. (O assunto é polêmico. No Brasil, não há lei que proíba o parto domiciliar, mas tal prática é desaconselhada pelo Conselho Federal de Medicina. No âmbito do Conselho Federal de Enfermagem, parecer de 2019, proferido pela Comissão Nacional de Saúde da Mulher, reconhece que os enfermeiros obstétricos podem executar o parto domiciliar).

À primeira vista, tendo em vista não se tratar de uma gravidez de risco, fazer uso da força para levar uma mulher ao hospital contra a sua vontade para realizar o trabalho de parto é, para dizer o mínimo, desproporcional. A escolha do local e da modalidade do parto é de ordem extremamente pessoal, sendo a autonomia da pessoa o valor fundamental a ser levado em consideração pelo direito e pela bioética. Mas ainda sobra o questionamento quanto à sua capacidade mental. Afinal, o Tribunal de Proteção foi criado na Inglaterra para determinar se um adulto possui ou não a capacidade para tomar decisões importantes para suas vidas. Daí a pergunta: uma pessoa que sofre de severa agorafobia possui a capacidade de tomar uma decisão quanto ao parto do seu filho?

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O juiz do caso, Mr. Justice Holman, entendeu que não – e autorizou o uso da força, caso necessário, para garantir que o parto ocorra em ambiente hospitalar. Segundo ele, a agorafobia sofrida é tão avassaladora que “a mãe não tem capacidade de tomar decisões sobre se o bebê deva nascer em casa ou no hospital. Simplificando, ela está tão oprimida por sua agorafobia que é incapaz de pesar e processar considerações relevantes e de tomar qualquer tipo de decisão a respeito”.

A decisão, entretanto, não está imune de críticas. É muito difícil estabelecer até que ponto a decisão da mulher pelo parto domiciliar foi tomada de forma racional, plenamente consciente dos riscos envolvidos, ou totalmente influenciada por sua severa fobia. Ela realmente é incapaz de tomar decisões importantes sobre sua saúde e de seu filho? Diante de tais dúvidas, não haveria outra decisão a ser tomada? Uma decisão que levasse em consideração tanto a autonomia da mulher, quanto os impactos da fobia na sua capacidade de discernimento?

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E ainda: como tal caso seria decidido caso tivesse ocorrido no Brasil? Tentarei responder a essas questões na próxima coluna.

 

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