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Breja, Campari e as imunidades parlamentares

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No último 8 de março foi o Dia Internacional da Mulher e quase sempre a importância política e social da data é tomada pela mercantilização e romantização do que é um marco de resistência e de afirmação dos direitos das mulheres.

Nesse fluxo, dois episódios recentes retratam bem como as questões de gênero são debatidas nos espaços públicos do Brasil de modo negligente e até mesmo perigoso. Me refiro, no ponto, ao discurso do parlamentar Nikolas Ferreira e das diversas manifestações misóginas do coach Thiago Schutz, o “coach do Campari”.

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Thiago profere, sem constrangimento, frases do tipo: “toda mulher é vagabunda até que se prove o contrário” ou “não importa o quão boa a menina seja mano, eu sei que ela tem um lado piranha obscuro”. Não fica por aí. Segundo ele, “o propósito de um homem num relacionamento tem que estar sempre acima do propósito da mulher” e “a sua mulher custa mais caro que uma garota de programa”. Ora, o “coach do Campari” deve achar que as mulheres, em especial as brasileiras, vivem num conto de fadas patriarcal. Só no primeiro semestre de 2022 a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos registrou 31.398 denúncias e 169.676 violações envolvendo a violência doméstica contra as mulheres. Uma mulher morre a cada seis horas no país só por ser mulher. Os assassinatos diminuíram 5% no país em 2022, os feminicídios aumentaram 5%. Não por outro motivo que o coach ao ser criticado por mulheres nas redes socias por suas falas enviou mensagens para as mesmas dizendo que se o conteúdo não fosse apagado, a conversa seria “na bala”. Esse é o padrão!

Já no próprio 8 de março, o deputado Nikolas Ferreira assume a tribuna da Câmara dos Deputados vestindo uma peruca e insinua que naquele momento se sentia uma mulher (trans ao que parece), com “lugar de fala”, e sem contornos disparou: “Hoje eu me sinto mulher. Deputada Nikole. As mulheres estão perdendo seu espaço para homens que se sentem mulheres. Para vocês terem ideia do perigo de tudo isso, eles estão querendo colocar a imposição de uma realidade que não é a realidade”.

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Segundo o deputado, suas falas estariam protegidas pela cláusula da imunidade parlamentar material prevista no art.53, da Constituição, prerrogativa que visa garantir até no limite a liberdade de expressão de quem possui a legitimidade popular do voto. No entanto, o instituto não é absoluto e não protege falas discriminatórias e criminosas. Em 2019 o STF decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia, com a aplicação da Lei do Racismo (7.716/1989) por analogia. A fala do deputado é proferida no país que mais mata transexuais no mundo por 14 anos consecutivos, além de colocar as pessoas umas contra as outras, como se as mulheres trans fossem uma ameaça. Mulheres trans não querem ser iguais a ninguém, desejam apenas ter direito a igual tratamento e oportunidades na medida que as desigualdades perpetradas contra elas no Brasil as inferiorizam e marginalizam. A fala do deputado não é protegida pela imunidade parlamentar e deve ser analisada como crime imprescritível e inafiançável na linha da lei 7716/89 e do Art 5º, Inciso XLII, da CF88.

Portanto, neste final de semana da mulher, ainda há pouco para se comemorar: salários e oportunidades desiguais, misoginia, machismo e violência são a realidade das mulheres brasileiras, notadamente as mulheres trans. Não é liberdade de expressão reforçar essa realidade, amplificando a violência e tentando legitimar esse cenário perverso.

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