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No reino dos fins, deseje aos outros um juiz que deseja para si

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Na última segunda-feira (8), o ministro do STF Edson Fachin decidiu monocraticamente que a 13ª Vara Federal de Curitiba, a ex-vara do ex-juiz Sergio Moro, não é competente para processar e julgar o ex-presidente Lula nos casos do tríplex do Guarujá, do sítio de Atibaia e nas ações envolvendo o Instituto Lula (HC 193.726). Deste modo, as condenações foram declaradas nulas, tendo como consequência direta o restabelecimento dos direitos políticos do ex-presidente.

Quais foram as razões e fundamentos da decisão supra? Incompetência territorial da Justiça Federal de Curitiba, levando à nulidade de todos os atos decisórios ali proferidos (preservando-se provas, denúncias e afins).

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Em meio à sobra e à fumaça, algumas conclusões, teses e teorias conspiratórias foram apresentadas por diversos atores (sociais, jurídicos e políticos), que assim resumo: (1) Fachin preservou a Operação Lava Jato ao destacar Lula dos demais investigados, pois uma declaração de suspeição de Sérgio Moro, a essa altura poderia, num sopro, destruiria todo o trabalho até ali realizado; (2) ao afirmar que caberia ao juízo competente decidir sobre a possibilidade de convalidação de depoimentos e de coleta de provas, declarou a perda de objeto dos pedidos de suspeição de Moro, fato que levou o ministro Gilmar Mendes pautar, pela Segunda Turma, nesta terça (9), a suspeição de Moro. O julgamento da Segunda Turma foi suspendo a pedido de Nunes Marques, ministro empossado recentemente pelo Presidente da República. O placar de votação está m 2×2, após voto de empate do ministro Ricardo Lewandowski; (3) a mudança brusca do ministro Fachin pegou todos de surpresa, levando ao imaginário da opinião pública uma possível existência de vícios de grande escala, podendo comprometer de vez o ex-juiz e o MPF, tomando por base as diversas mensagens e áudios que se avolumam pelas mídias brasileiras; (4) por fim, há quem diga que a anulação dos atos decisórios levaria a prescrição dos supostos crimes, algo que me parece improvável pelo entendimento do STJ no RHC 40.514, afirmando que no caso de incompetência relativa “o recebimento da denúncia por parte de juízo territorialmente incompetente tem o condão de interromper o prazo prescricional”, e este é o quadro.

O Ministro Fachin, relator do Habeas Corpus, justificou sua decisão em deferência ao princípio da colegialidade, tomando como bússola o julgamento do Inquérito 4.130/STF (caso Gleisi Hoffmann), que balizou a competência territorial da 13° Vara Federal de Curitiba. Segundo ele, nesse sentido, a Segunda turma do STF, em casos semelhantes, já sinalizou a tendência. Por fim, assentou que somente, neste momento, houve condições processuais de analisar com prudência o pedido de Lula, diante do aprofundamento e aperfeiçoamento da matéria pelo Supremo. Diante deste “estado de coisas”, uma dúvida permanece: por que só agora o STF, depois dos processos passarem pela juízo de primeiro grau, TRF-4, STJ e até o próprio STF, a Corte se manifestou à luz de sua jurisprudência firmada em 2015? Por que só agora, se a defesa de Lula alega a matéria desde 2016?

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Entre teorias da conspiração, análises jurídicas e políticas, gostaria de apresentar algumas ideias e reflexões. Não trago verdades, só argumentos!

Na sua função contra majoritária (Bickel), os Tribunais deveriam fazer uso das “virtudes passivas” (passives virtues), de modo a evitar ou ser prudente na anulação de atos de outros Poderes (e de seus próprios) soberanos, permeados de questões políticas. Aqui, a prudência é virtude primária para o Poder Judicial, cuja finalidade é evitar que conflitos jurídicos se transformem em conflitos políticos. Eis aí umas das maiores heranças de um dos maiores constitucionalistas: o Poder Judiciário deve garantir e defender a ordem jurídica, mas sem envolver-se, desnecessariamente, em conflitos de natureza política.

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A constatação aqui pode não agradar, mas é a leitura possível. Desde 2015, o Brasil passa por tremendas incertezas institucionais: impeachment, condenações sucessivas de políticos e gestores, petrolão, mensalão, lava jato, novos pedidos de impeachment, eleições conturbadas, facadas, mitos, aberrações e, por fim, uma pandemia respiratória junto com outra da ignorância e da má-fé.

Penso que o STF, analisando todos os contextos possíveis, diante dos sucessivos diálogos vazados pela força tarefa da lava-jato com o ex-juiz, identificou como momento ideal, este. Um Tribunal constitucional deve saber o momento de agir e nem sempre a sintonia é alinhada com a minha ou a sua percepção. O importante é ser eficiente!

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Por fim, vale dizer, é uma garantia constitucional o direito a um juiz natural (art.5°, XXXVII e LIII, CF/88). Sejamos francos: se há algo que nunca houve na lava jato é um juiz natural. Moro e a força tarefa do MPF escolheram Lula, combinaram cada detalhe e etapa de uma trama que prendeu Lula por 580 dias. Um juiz imparcial, escolhido por sorteio ou forma similar, que não possua qualquer julgamento prévio sobre o réu e que garanta ao mesmo a ampla defesa, é um direito fundamental básico nas democracias constitucionais.

Ao dizer isso, me lembrei de certa vez ao despachar um processo pessoal com um juiz, e, no despacho, apresentei de várias formas que a decisão carecia de fundamento legal. A reposta foi: “se aplicar a lei, não seria justo!”. Ora, salvo questões gritantes, a justiça está sim na lei, cuja legitimidade está no povo que manifesta sua vontade através de representantes eleitos (art.1°, §único, CF/88). Não obtive êxito e ao sair da sala me questionando por que ainda estudo direito, o juiz disse “não é nada pessoal dr.”. Ora, pensei comigo, uma decisão que contraria a lei geral a abstrata é tudo, menos impessoal. Portanto, queira para os outros um juiz que deseja para si!

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