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Um caso jurídico controverso – Parte 2

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Para o juiz do caso, Mr. Justice Holman, a resposta para a pergunta acima é positiva. Ele entendeu que uma pessoa que sofre de severa agorafobia não possui a capacidade de tomar uma decisão adequada quanto ao parto de seu filho – e autorizou o uso da força, caso necessário, para garantir que o parto ocorra em ambiente hospitalar.

Felizmente o uso da força não se fez necessário. A mãe entrou em trabalho de parto no dia 22 de maio de 2021. Após entrar em contato com o hospital, foi para lá deambulância com a ajuda do companheiro e da mãe, sem apresentar qualquer tipo de resistência. Horas depois, seu bebê nasceu em perfeitas condições de saúde.

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Apesar do “final feliz”, a decisão do juiz chamou a atenção da opinião pública.

O grande problema: o uso da força seria uma medida necessária e proporcional em uma situação como essa? Alguns qualificaram o julgamento como “medieval”; outros lembraram a distopia narrada pela escritora Margaret Atwood no livro O Conto da Aia, no qual as mulheres são vistas como meras reprodutoras.

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Em texto publicado no blog Open Justice, Ruth Fletcher, professora titular de Direito Médico da Queen Mary Universidade de Londres, aponta o essencial em todas as críticas direcionadas à decisão: “Em vez de prestar ainda mais atenção à experiência da mulher grávida agorafóbica no cerne deste caso, de alguma forma o julgamento acabou voltando sua gravidez e sua agorafobia contra ela”. Para ela, devemos substituir a coerção pelo cuidado.

Quando o juiz argumenta que a gestante carece de capacidade para tomar uma decisão adequada quanto ao parto de seu filho, ele implicitamente está dizendo que a vontade original pelo parto domiciliar não é fruto de uma decisão plenamente consciente, mas sim resultado de uma fobia debilitante que a impede de sopesar os prós e os contras. Tal argumentação é sustentada por laudos de especialistas que atestam a gravidade da fobia em questão _ tirando situações rápidas e esporádicas, fazia quatro anos que a gestante não saía de casa e, nas raras vezes que tentava, era acometida de profunda ansiedade e tonturas.

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Entretanto, os efeitos de tal fobia, por mais severos que se apresentem, não podem ser utilizados para desconsiderar de forma sumária os desejos e as escolhas da gestante. Ao contrário, tais efeitos devem ser um convite para que sua vontade seja ouvida e, na medida do possível, respeitada. Quando o juiz decide pelo uso da força mesmo diante da ausência de risco concreto, ele está aniquilando a autonomia da pessoa envolvida no caso. Daí a pergunta: não seria possível vislumbrarmos outra decisão?

Uma decisão que levasse em consideração tanto a autonomia da mulher, quanto os impactos da fobia na sua capacidade de discernimento?

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Na minha opinião, sim. Como? Em primeiro lugar, permitindo o parto domiciliar, respeitando, assim, a escolha da gestante pelo ambiente em que ela se sente mais segura e acolhida. Em segundo lugar, estabelecendo que o uso da força para levá-la ao hospital só poderá ser exercido diante de risco concreto contra a vida da gestante e/ou do bebê; nesse sentido, a autorização do uso da força depende da concretização do risco. Tal decisão não substituirá completamente a coerção pelo cuidado, mas, pelo menos, irá caminhar no sentido de compatibilizar a autonomia da vontade com as particularidades do caso concreto.

E, por fim, uma curiosidade: como tal caso seria decidido caso tivesse ocorrido no Brasil? Impossível cravar uma resposta; casos controversos marcados por uma pluralidade de valores tendem a permitir uma pluralidade de leituras. Mas me permitam dizer como eu gostaria que esse caso – e demais casos semelhantes _ fossem decididos: respeitando a autonomia, os sentimentos e os desejos das pessoas envolvidas, com empatia necessária para entender que uma fobia não é motivo para calar uma voz, mas sim uma razão para uma análise mais cuidadosa – e humana.

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