Oi, gente.
Bem complicada a coluna desta semana. Bem complicada. Então vamos enrolar um pouquinho até encontrar o rumo. Comecemos pelo título, que seria outro mas mudou quando coloquei para rolar a playlist no streaming e aí primeira música foi “Boys don’t cry”, do The Cure, e pensei: “eita”. Pois a ideia é comentar “Vingadores: Ultimato”, filme no qual choramos feito criança nas duas vezes em que assistimos. (Depois tocou “Last night on Earth”, do U2, que talvez tenha alguma coisa a ver, mas acho que já deu).
Será que agora vai? Talvez, mas lembrei da tão aguardada Batalha de Winterfell em “Game of Thrones”, exibida pelo HBO no domingo, daqui a pouco voltamos a “Vingadores”. Não deixa de ser um dos melhores episódios da série: a direção de Miguel Sapochnik é primorosa, o desenvolvimento da trama – da expectativa da batalha ao desfecho nem tão surpreendente – vai aumentando a tensão, é ação que mal dá tempo de respirar.
Mas nem tudo é perfeito. Uma coisa que me incomodou desde o início, e assim prosseguiu até o final, foi a escuridão do episódio. Ok, a batalha foi à noite/de madrugada, mas ficou na cara que a produção escolheu assim para economizar nos efeitos especiais. Muitas vezes estava tão escuro, num breu tão profundo, que era impossível saber o que acontecia. Precisei dar uma pesquisada básica na internet para confirmar todas as mortes relevantes – o que é mais um motivo de reclamação, mas aí não queremos entregar spoilers. Visualmente, a Batalha dos Bastardos foi mais impactante.
Pronto, vamos falar de “Vingadores: Ultimato”, certo? Peraí. O 22º longa do Universo Cinematográfico Marvel, o MCU, foi tão impactante que resolvi assistir ao primeiro “Homem de Ferro” depois de tantos anos. E gente, como o filme envelheceu bem! Nem parece que o MCU era um esboço de ideia em 2008, tão bem amarrada é a história em relação às outras 21 produções seguintes. Não só ajudou a entender eventos que aconteceram depois, captar algumas referências/citações, como também teve a lembrança do soco no estômago que foi ver o Nick Fury aparecendo na cena pós-créditos só para esfregar uma “Iniciativa Vingadores” em nossas fuças despreparadas.
Muito bem, já enrolei demais, não dá pra fugir à responsabilidade. Mas como é complicado escrever sobre “Vingadores: Ultimato”! Não só pela aposta certeira que fizemos em 21 de abril, lembra?, de que o longa seria o maior de todos os tempos; o fato de ter se tornado a maior estreia da história do cinema, com mais de US$ 1,2 bilhão de dólares; ter levado mais de cinco milhões de pessoas aos cinemas brasileiros em apenas um final de semana (para ódio e inveja da turma que brada que arte não tem fronteiras, menos quando é a sua franquia de comédia sendo merecidamente varrida). Para nós, números são irrelevantes; o importante é a experiência.
Sejamos sinceros: como é fácil se emocionar com esse blockbuster granqiloquente de super-heróis, não perceber que ficamos três horas com o traseiro colado na poltrona, vibrar, bater palmas, ficar assombrado com as surpresas, chorar em diversos momentos da história, principalmente no final. Essa coisa de “homem não chora” é bordão de machista inseguro com a própria masculinidade. Prontofalei. Sem contar que nos tornamos mais sentimentais com a idade, filhos, todos esses lances que mudam nossa essência com o passar dos anos, aí é difícil controlar as emoções.
Confissões de “o choro é livre” à parte, temos que comentar o possível a respeito do filme (sem spoilers, claro) dos irmãos Joe e Anthony Russo, uma experiência única por motivos que vão além da já citada choradeira. “Ultimato” é corajoso pra @#$%&* (obrigado, Martiataka) nas decisões tomadas pelos diretores e roteiristas, que precisaram encarar o desafio de superar o impacto devastador de “Vingadores: Guerra Infinita”.
E essa turma conseguiu se superar fazendo o que os filmes da Marvel fazem melhor, que é subverter as expectativas do público, que mesmo quando acerta o final sempre vai errar o “como chegar”. O roteiro toma decisões corajosas para criar o desfecho da saga desde o seu início, desmontando a audiência. Se “Guerra Infinita” era ação com brevíssimos momentos de respiro, “Ultimato” se permite longos períodos em que nada parece acontecer a fim de desenvolver as motivações dos personagens, sejam eles heróis ou vilões. É como se “Vingadores: Ultimato” fosse o “Kill Bill Vol. 2” dos filmes de super-heróis.
Ainda tem mais, claro. Além do desafio de ter que dar continuidade aos eventos de “Guerra Infinita”, “Ultimato” precisava encerrar a Fase 3 do MCU e criar um fabuloso desfecho para os 22 filmes que compõem a maior mitologia já criada para o cinema. Daí que os irmãos Russo não se intimidaram e fizeram uma grande homenagem ao MCU, seus protagonistas, entregando referências, citações, easter eggs de quase todos os longas já lançados, e até ajudando a reabilitar alguns. São tantas as visitas ao passado desse universo, tantas homenagens, que até agora vamos pescando uma coisa aqui, outra ali, e provavelmente será assim da terceira, quarta, quinta vez que assistirmos ao filme.
A mais recente produção do Marvel Studios merece todos os elogios que recebeu da crítica e público, os recordes que vem batendo com espantosa facilidade, toda a expectativa e teorias e discussões criadas ao seu redor. Merece, sim, ser considerado o maior filme de todos os tempos – mas veja bem: o maior, não o melhor. Porque é corajoso ao contar a sua história, encerrar uma saga gigantesca, homenagear a si mesma, amarrar todas as pontas soltas, revisitar seu passado, ser detalhista nas referências a um nível absurdo de perfeccionismo, fazer o público rir, se divertir, ficar tenso, vibrar, bater palmas, urrar como num show de rock ou jogo de futebol, chorar copiosamente.
“Vingadores: Ultimato” é a maior experiência cinematográfica de todos os tempos por não ter vergonha de fazer aquilo que estava nos primórdios da sétima arte: mexer com as emoções do público e provocar toda sorte de reações, alcançando o plexo solar sentimental de todos nós. E olha só, tem muito cineasta com mais pretensão que talento, que se acha a nova encarnação de um Kurosawa, que sequer chegou perto do que foi realizado pelos irmãos Russo.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.
(E obrigado por “Duro aprendizado”, John Singleton)