Oi, gente.
O capitalismo pode ser um Airbus A380 lotado, com gente em pé no corredor, de defeitos (tipo o rico comer dois bifes, o pobre nenhum, e a estatística dizer que cada um comeu um, então está tudo bem, todo mundo pode aposentar aos 75 anos e segue o jogo), mas também tem muitos pontos positivos. Por exemplo: é preciso se antecipar a problemas futuros com o objetivo de não perder clientes e, por consequência, faturamento, grana, bufunfa, cascalho. Não dá para esperar uma comissão se reunir três vezes para decidir que só vai decidir na quarta reunião porque alguém não foi avisado de que decidiriam na terceira.
É o que a Netflix fez em relação aos seriados da Marvel, alguns dos principais responsáveis pelo crescimento da plataforma de streaming. Quando a Disney anunciou que iria lançar o seu próprio serviço, o Disney+, com produções inéditas – incluindo aí os personagens da Marvel -, a futura concorrente não pensou duas vezes. Aos poucos foi anunciando os cancelamentos das séries que tinham em parceria (“Demolidor”, “Punho de Ferro”, “Jessica Jones”, “Luke Cage” e “Defensores”) e firmou acordo com Mark Millar para levar os quadrinhos do escocês até as telinhas de seus assinantes, afinal adaptações de HQs, atualmente, são dos filões mais rentáveis para a indústria do entretenimento.
E foi por essa necessidade por uma nova diversidade que a Netflix também produziu “The Umbrella Academy”, baseada na série escrita por Gerard Way, ex-vocalista da banda My Chemical Romance, e desenhada pelo brasileiro Gabriel Bá (“Casanova”, “Daytripper”, “Dois Irmãos”), vencedora na categoria melhor minissérie em 2008 do Eisner Awards, o Oscar da nona arte. Com dez episódios, a primeira temporada mistura as tramas dos dois volumes já encerrados da superequipe, “Suíte do Apocalipse” e “Dallas”, ambas já publicadas no Brasil.
Para quem não sabe do que se trata, a Umbrella Academy é invenção do bilionário Reginald Hargreeves, que adotou sete de 43 crianças geradas espontaneamente por mulheres que não estavam grávidas quando o dia nasceu (tum-dum-tsss). Com exceção de uma menina, Vanya, as outras seis apresentaram poderes no mínimo bizarros, como conversar com os mortos ou abrir portais na própria barriga para monstros de outra dimensão, ou coisas básicas como viajar no tempo e espaço.
Com o tempo, porém, essa família disfuncional – como li em algum lugar, uma mistura de X-Men com “Casos de família” – acaba com os integrantes se separando e obrigados a se reunir quando Reginald Hargreeves morre. É também quando um deles, o Número Cinco, desaparecido há quase 20 anos, retorna do futuro para impedir o Apocalipse, programado para dali a poucos dias.
Essa é a trama principal de “Suíte do apocalipse” e que assim se mantém na primeira temporada da série, que mantém o clima absurdo, irônico e sombrio dos quadrinhos, reunindo os seis sobreviventes da Umbrella Academy após a morte de Hargreeves. A questão é que todos eles se tornaram adultos cheios dos problemas, com um caminhão de diferenças e mágoas entre si, que precisam resolver os ressentimentos do passado e descobrir quem é o causador do apocalipse, enquanto são caçados por assassinos de uma agência responsável por evitar mudanças na linha do tempo.
A história tem várias subtramas interessantes, como a dificuldade de Vanya em perdoar e interagir com seus irmãos, o assassino temporal que se apaixona pela dona da loja de donuts, mas a história não se arrasta em nenhum momento. Pessoas saem na porrada, discutem, trocam tiros, saem na porrada de novo, morrem, sem que o andamento perca o ritmo, e ainda termina com um gancho inesperado – no caso de quem leu os quadrinhos – para a segunda temporada. E a série ainda tem aquela trilha sonora esperta, que inclui Radiohead, Queen, Nina Simone e The Doors, entre outros.
Se a Netflix continuar nessa toada, quem ganha é o telespectador, que além das futuras produções da Marvel no Disney+ terá quadrinhos de qualidade levados para o streaming pela empresa do “N” vermelho.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.