Oi, gente.
Filosoficamente falando, o inesperado é parte importante de nossas vidas. Ele muda nossos planos, decisões, personalidades, um caminhão de coisas. Por exemplo: inicialmente, a coluna desta semana iria aproveitar a publicação de “Noites de Trevas: Metal” no Brasil para analisar o trabalho de Scott Snyder com o Batman; mas aí terminamos a quinta temporada de “BoJack Horseman”, que de tão boa e fresca na memória merecia passar à frente.
Porém, entretanto, todavia, veio o Nirvana e os 25 anos de lançamento de “In Utero”, e lá fomos nós mudar tudo de novo. Até porque poucas bandas de rock foram tão “inesperadas” quanto o trio de Seattle. “Nevermind”, seu segundo álbum de estúdio, chegou às lojas em 1991 sem alarde, mas clássicos como “Smells like teen spirit”, “Come as you are” e “Lithium” colocaram o grunge na ordem do dia, ajudando a varrer do mapa – mesmo que temporariamente – nomes eternamente superestimados como o Guns N’ Roses e a megalomania sintética de Michael Jackson.
Para quem não viveu o início dos anos 90, é difícil explicar o impacto que Kurt Cobain, Dave Grohl e Krist Novoselic tiveram sobre toda uma geração, a emoção que era colocar o vinil de “Nevermind” no toca-discos e ouvir toda aquela selvageria e brutalidade, mescladas a uma sensibilidade pop rara de se encontrar. Para muitos, o Nirvana havia se tornado a maior banda de rock do mundo, a salvação de um gênero fatigado pela mediocridade do hard rock farofa.
Mas todo mundo queria mesmo saber era se eles seriam capazes de superar um clássico instantâneo, e nem os aperitivos para matar o tempo – o primeiro álbum, “Bleach” (que ouvia em uma fita cassete original), e a coletânea de lados B e covers “Incesticide” – eram suficientes. Daí que a chegada de “In Utero”, em 13 de setembro nos Estados Unidos, no dia seguinte na Inglaterra e longos oito dias depois no resto do mundo, era cercada por uma expectativa raramente vista.
Motivos para ansiedade havia aos montes. Duas das 12 canções do álbum, “Heart-Shaped Box” e “Scentless apprentice”, foram tocadas no Brasil quando a banda se apresentou no Hollywood Rock. E Steve Albini, produtor que havia lapidado fabulosos trabalhos de estreia dos Pixies, Breeders e PJ Harvey, seria o responsável por gravar o disco, que aproveitou parte das incontáveis horas de gravações realizadas no Rio de Janeiro.
A produção de “In Utero” foi absurdamente rápida para uma banda do porte do Nirvana, apenas 13 dias em fevereiro de 1993 em uma cidadezinha perdida no interior do estado de Minnesota, com posterior nova mixagem de algumas faixas sendo feita por Scott Litt, que trabalhava com o R.E.M. O resultado é um álbum considerado por muitos como superior a “Nevermind”, tão pesado e “pop” quanto seu antecessor, mas com uma pegada ainda mais abrasiva, experimental em alguns momentos, e uma angústia que já não era mais tão juvenil. Temas como violência, agressão, reminiscências do passado de Kurt Cobain, a “responsabilidade” de ser um rock star, seu relacionamento com Courtney Love e uma homenagem à atriz Frances Farmer podem ser observados durante os 48 minutos do álbum.
Não sei se “In Utero” é melhor que “Nevermind”, pois gosto é um troço subjetivo e música pode bater de formas diferentes dependendo do dia. Mas é inegável que o terceiro disco do trio de Seattle é um clássico que sobreviveu à passagem do tempo, graças a canções inesquecíveis e arrebatadoras. Basta colocar para tocar “Rape me”, “Heart-Shaped Box”, “All apologies”, “Milk It”, “Pennyroyal Tea”, “Serve the servants”, “Dumb”, qualquer outra faixa do álbum afinal, para ter uma ideia do quanto o Nirvana era bom. Mais que bom, aliás: como esses sujeitos, juntos, tinham a capacidade de fazer do rock algo sincero, visceral, que entrega ao ouvinte as entranhas da alma de quem passou por muita coisa ruim na vida.
Por tudo isso, é ainda mais doloroso imaginar que Kurt Cobain resolveu enfiar um balaço nas ideias pouco mais de seis meses depois do lançamento do disco, deixando para a posteridade a história de uma banda que poderia fazer muito, muito mais mesmo, ainda que seu legado seja infinitamente superior a tantas coisas medíocres que ainda se arrastam por aí. Só nos resta então ouvir “In Utero” com toda a reverência que ele merece.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.
Ah, semana que vem tem “BoJack Horseman”, ok? A não ser que o inesperado…