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Quadrinhos líricos, de gente como a gente e com um poeta caçador de zumbis

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Oi, gente.

Não somos blogueirinhas ou blogueirinhos, mas de vez em quando recebemos algumas encomendas legais. A Sesi-SP Editora, por exemplo, mais uma vez enviou um lote de quadrinhos com algumas de suas publicações na nona arte; ele inclui bons quadrinhos chilenos, uma parceria Brasil-Portugal protagonizada por Fernando Pessoa e uma belíssima HQ nacional, produzida por um ilustrador mineiro e vencedora do Troféu HQ Mix na categoria Desenhista Nacional.

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Para os aficionados por quadrinhos, vale a pena conhecer as três publicações da Sesi-SP Editora – principalmente se tiver como trilha sonora a nossa playlist no Spotify, “…E obrigado pelos peixes”.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

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“ANUÍ”, LELIS
Mineiro de Montes Claros, Marcelo Lelis é o roteirista e ilustrador – E QUE ILUSTRADOR – de um dos quadrinhos mais sensíveis e poéticos que já chegaram às minhas mãos. Não à toa, “Anuí” faturou a categoria Melhor Desenhista Nacional do HQ Mix em 2019.
A história se passa em uma cidadezinha do sertão mineiro. Quando sua caixinha de música para de funcionar, a pequena Alice chora baixinho, mas é um choro ouvido por toda cidade. Com a menina inconsolável, os pais decidem levar a caixa para que o carrancudo Jurandir dê solução – o que não será nada fácil.

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Por fim, descobrimos que a caixinha de música, além do valor sentimental para Alice, é uma metáfora sobre as dores, mágoas, saudades e tristezas que carregamos e muitas vezes escondemos dos outros, geralmente sob uma máscara que nos fazer parecer pessoas duras, até mesmo sem coração.
“Anuí” tem história simples e emocionante, em que a arte de Lelis – um maravilhoso desenho em aquarela – é das coisas mais belas de se admirar nos quadrinhos nacionais.

 

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“DIÁRIO DE UM SÓ”, CATALINA BU
Nascida em 1989, a chilena Catalina Bu tinha 25 anos – ou seja, em 2014 – quando publicou uma história em quadrinhos que consegue ser atemporal. Não importa se você tem ou terá 18, 25, 30 ou 40 anos: morou sozinho em algum momento de sua vida? Então vai se identificar com o protagonista de “Diário de um só”, coleção de historinhas curtas que refletem o nosso cotidiano como raramente se vê nas HQs.

Catalina Bu coloca seu protagonista em situações que todos nós passamos em algum momento. São histórias de apenas uma página, suficiente para retratar as coisas que amamos ou odiamos, listas de coisas para fazer, momentos de preguiça, procrastinação (seja em casa ou no trabalho), tédio, desejo de estar só, a angústia de estar só, a fobia de estranhos, conhecer pessoas em festas, fugir de festas, cumprimentar desconhecidos por acidente, as manias, mau humor, pessimismo, nossa relação com as redes sociais, obsessão com seriados, compulsões, as neuras com o peso/aparência e mais outras questões existenciais.

“Diário de um só” é das coisas mais legais e simpáticas que li nos últimos tempos, e impossível não se identificar com tantas situações “gente como a gente no século XXI”.

“A VIDA OCULTA DE FERNANDO PESSOA”, ANDRÉ F. MORGADO E ALEXANDRE LEONI
Sabe essa tendência na cultura pop de colocar personagens históricos como heróis de ação (“Abraham Lincoln: Caçador de vampiros”) ou reescrever livros clássicos (“Orgulho, preconceito e zumbis”)? “A vida oculta de Fernando Pessoa”, graphic novel lançada em 2015 pelo português André F. Morgado (roteiro) e o brasileiro Alexandre Leoni (arte), poderia ser apenas mais uma a seguir a moda, mas ela se sobressai não apenas pelo tema, mas também por ser objeto de reflexão ao reimaginar a vida do poeta português e, por consequência, a origem de seus heterônimos.

Na trama, Pessoa faz parte de uma organização secreta que tem por objetivo “eliminar o mal” que ameaça sua terra, Portugal – por “mal”, fique entendido que estamos falando de zumbis. Ou seja, temos um “Fernando Pessoa: Caçador de zumbis”, que apesar de não gostar nada do que faz é um excepcional exterminador de criaturas mortas-vivas. E quem são esses zumbis? Entre eles estão justamente Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, os famosos heterônimos do escritor. Ao eliminá-los, o poeta passar a incorporar suas almas e colocar para fora, por meio da escrita, as personalidades do trio.

Essa proposta, ao mesmo tempo que torna a história interessante, acaba se tornando uma armadilha em determinados momentos. Se é interessante ler as reflexões de Fernando Pessoa, suas inquietações por ser um matador de zumbis, absorver as almas dos finados, as constantes citações a poemas, tudo isso faz com que a forma, muitas vezes, coloque o conteúdo em segundo plano. Detalhes sobre como surgiram os zumbis, a origem da sociedade secreta, por que ninguém percebe que há uma epidemia de desmortos em plena Lisboa não ganham uma linha sequer de explicação.

Apesar dos defeitos, a graphic novel merece ser lida; não só pelo insólito da trama, mas também pela excelente arte de Alexandre Leoni. E ler Fernando Pessoa nunca é demais, independente da mídia.

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